Musiqualidade

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantor: TOM ZÉ

CD: “O PIRULITO DA CIÊNCIA – Ao Vivo”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Decerto que é Tom Zé uma das figuras mais controvertidas da nossa música popular. Alguns o vêem como um compositor apenas excêntrico, mas outros lhe conferem a aura de gênio. O fato, contudo, é que o baiano de Irará que aprendeu a gostar de música ouvindo rádio em sua cidade natal a ponto de decidir estudar música na Universidade da Bahia, em Salvador, onde teve aulas com Koellreuter, Smetak e Ernst Widmer, vem, desde a sua redescoberta (no fim da década de oitenta, pelo músico David Byrne) merecendo insuspeita atenção por parte das novas gerações. Desde então, ele tem lançado discos com regularidade e sua agenda de shows contempla uma quantidade mensal invejável.

Quando, no começo da década de sessenta, ele conheceu Gilberto Gil, Gal Costa e Caetano Veloso e foi para São Paulo, vindo a gravar, ato contínuo, o embrião do movimento tropicalista (o disco “Tropicália ou Panis et Circensis”), não poderia prever que as carreiras dele e dos três colegas muito em breve viriam a tomar caminhos opostos. Enquanto aqueles conheciam rapidamente o sucesso, Tom amargava um ostracismo que quase o fez abandonar de vez a carreira artística.

Os tempos, no entanto, são outros e acaba de chegar às lojas, através da gravadora Biscoito Fino em parceria com o Canal Brasil, o CD intitulado “O Pirulito da Ciência” que contém dezesseis faixas (também disponível em formato DVD que agrega vinte e quatro números), o qual resulta de registro ao vivo do espetáculo realizado pelo artista junto com a banda que o acompanha já há um tempo no Teatro Fecap, em São Paulo, em agosto do ano passado. O projeto foi produzido e dirigido por Charles Gavin e nele Tom faz uma visita ao seu cancioneiro, recolhendo canções criadas durante sua trajetória.

Tom é cantor performático e quem o vê em cena, elétrico e bem articulado (o cara fala pra caramba), custa a acreditar que ele já ultrapassou as sete décadas de vida. Embora recorra, em vários momentos, à participação vocal de membros de seu grupo (com destaque para o polivalente Jarbas Mariz), constata-se que sua voz continua forte e firme. O sotaque carregado (mais explicitado enquanto conta suas histórias) e que chega a beirar o caipira, termina conferindo-lhe uma certa ingenuidade que contrasta com as letras críticas e engajadas de algumas canções, como, por exemplo “Companheiro Bush”, “Menina Jesus” e “Defeito 3: Politicar”.

Ele geralmente compõe sozinho, mas por vezes abre exceções, conforme se pode vislumbrar, por exemplo, através de parcerias com Odair Cabeça de Poeta (a interessante “Ui!”), Elton Medeiros (o bonito samba “Tô”, regravado há pouco tempo por Zélia Duncan) e Vicente Barreto (a animadinha “Hein?”), três dos melhores momentos do álbum. Há, claro, instantes em que o experimentalismo toma a cena e aí se torna bem melhor assistir ao vídeo. É o caso de “Fliperama” (de cuja letra foi pinçado o original título do projeto) e “Ogodô, Ano 2000”. Em outras partes, influências nordestinas (“Cultura de Irará”) se fundem a resquícios universais (“Roquenrol Bim-Bom”) e a temas mais contundentes, como a velhice (“Brigitte Bardot”) e a cobrança externa (“Todos os Olhos”).

Com o primeiro registro ao vivo de caráter retrospectivo de sua discografia, Tom Zé mostra um painel de imagens, palavras, acordes e melodias que resumem com precisão a obra de um dos artistas brasileiros mais exóticos de todos os tempos. É aconselhável para ver e rever conceitos pré-estabelecidos.

 

 

R E S E N H A     2

 

Grupo: OS CARIOCAS

CD: “NOSSA ALMA CANTA”

Selo: GUANABARA RECORDS

 

Os Cariocas é um quarteto vocal composto em 1942 e que, depois de algumas formações, persiste até hoje. Influenciados por outros grupos vocais como Bando da Lua, Anjos do Inferno e Quatro Ases e Um Coringa, seus integrantes fizeram escola na arte de cantar música popular a várias vozes, misturando polifonia e efeitos rítmicos. Composto inicialmente por Severino Filho, Salvador, Tarquínio e Ismael Neto, o grupo tornou-se muito popular com um repertório voltado para a Bossa Nova, inovando na maneira de interpretar o estilo.

Atualmente, o grupo é composto por Severino, responsável pelos arranjos e piano (o único remanescente da primeira formação), Elói Vicente no violão, Neil Teixeira no contrabaixo e Hernane Castro na bateria. E é com essa composição que acaba de ser lançado, através do selo Guanabara Records e com a produção assinada por João Samuel, o CD intitulado “Nossa Alma Canta”, que traz uma pungente apresentação escrita pelo pesquisador musical Ruy Castro.

Trata-se de um dos melhores trabalhos da considerável discografia de Os Cariocas (esse é o décimo oitavo disco) e vem recheado de convidados especiais. Em suas quinze faixas, pode-se ouvir desde a voz de Milton Nascimento, presente na faixa “Clube da Esquina 2” (de sua própria autoria em parceria com Lô e Márcio Borges) até os pianos de João Donato e Eumir Deodato em “Rio Que Corre” (canção inédita criada por Donato ao lado de Lysias Enio e Beth Carvalho e desde já candidata a clássico) e “Baiãozinho” (da lavra autoral de Deodato), respectivamente, passando por um estelar naipe de metais que inclui nomes como Léo Gandelman, Mauro Senise, Widor Santiago, Jessé Sadoc, Vítor Santos, Carlos Malta, Aurino Ferreira e Marcelo Martins.

Com uma forma única tanto no executar das canções selecionadas (que lhes confere certa reverência sem, contudo, enjaulá-las em formatos ultrapassados) quanto na combinação das vozes, Os Cariocas optaram por não se fixar em músicas já revisitadas à exaustão. Está aí, portanto, um dos melhores motivos para se conhecer esse bem-vindo álbum. É claro que, aqui e ali, aparecem alguns temas antológicos, como é o caso, de “Estrada do Sol” (de Tom Jobim e Dolores Duran), “Samba do Carioca” (de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, que traz a voz de Badeco, um ex-integrante) e “Você” (de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, esta contando, nos vocais, com a adesão de Hortênsia Silva, única voz feminina que chegou a fazer parte do grupo na segunda metade dos anos cinquenta). Mas a maior parte do repertório recai em canções não tão conhecidas, sejam elas de safra de certa forma mais recente (“Futuros Amantes”, de Chico Buarque, e “Delírio Carioca”, de Guinga e Aldir Blanc, esta corajosamente apresentada a capella), sejam de um tempo pretérito (“Quero Você”, de Newton Mendonça, e “Rapaz de Bem”, de Johnny Alf).

Dentre os melhores momentos estão as faixas “Coisas de Mulher” (de Chico e Baiano), “E Nada Mais” (de Durval Ferreira e Lula Freire) e “Jet Samba” (de Marcos Valle). Um CD antenado que merece fazer parte de toda e qualquer cedeteca que se preze! 

 

 

N O V I D A D E S

 

·                     Quem frequenta, aos sábados à noite, a agitada vida cultural do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, mais especificamente a casa de shows “Carioca da Gema”, certamente já conhece a voz e o talento da cantora Luiza Dionizio. Quem ainda não teve esse privilégio, pode fazê-lo através do primeiro CD da cantora, “Devoção”, produzido por Paulão 7 Cordas e que chegou recentemente ao mercado através da gravadora Universal. É um ótimo disco de samba no qual a artista apresenta um repertório assinado por feras do gênero. Destaque para as faixas “Pensando Bem” (de João de Aquino e Martinho da Vila), “Alma” (de Ratinho) e “Antes Assim” (de Wilson Moreira). A canção “Velho Amigo” (de Paulo César Pinheiro e Luiz Carlos Máximo) é uma merecida homenagem ao poeta e letrista Aldir Blanc. Luiza canta bonito e conhece a praia em que está pisando.

 

·                     Renato Teixeira e Sérgio Reis se uniram em show realizado no mês passado em São Paulo, o qual foi devidamente registrado para se transformar em CD e DVD. O roteiro, como não poderia deixar de ser, foi formado pelos maiores sucessos de suas carreiras individuais, mas apresenta algum material inédito.

 

·                     O exímio violonista Luiz Meira chega ao segundo CD solo. Intitulado “Te Chamo Felicidade”, alia temas próprios (“Vestido Novo”, “Quando Vens” e “Desasado”, que conta com a intervenção vocal de Zeca Baleiro) a canções criadas por outros artistas (caso de “Pra Ficar no Ponto”, de Dudu Falcão e Danilo Caymmi, e “Libera o Bicho”, de Jean e Paulo Garfunkel).

 

·                     Guilherme Vergueiro lança “Intemporal”, projeto composto por três CD’s vendidos separadamente, os quais mostram gravações inéditas realizadas em estúdio e ao vivo durante os seus quarenta anos de carreira. O repertório é formado por temas autorais e regravações de músicas alheias. A maioria das faixas é instrumental. No volume 1, a ótima cantora Gretchen Parlato abrilhanta algumas passagens.

 

·                     Já se encontra disponível o primeiro DVD da excelente cantora paulista Fabiana Cozza. Intitulado “Quando o Céu Clarear”, o trabalho mostra a força da vigorosa intérprete que mergulha em sambas e temas de cunho afro com maestria ímpar. Dentre os melhores momentos estão “Canto de Ossanha” (de Baden Powell e Vinicius de Moraes), “O Samba É meu Dom” (de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro) e “Agradecer e Abraçar” (de Gerônimo e Vevé Calazans). Há as participações especiais da cantora Maria Rita e do rapper Rappin’ Hood.

 

·                     Elza Soares, Emílio Santiago e o grupo Os Cariocas são os convidados especiais do quarto CD do trio carioca BossaCucaNova, o qual chegará às lojas muito em breve.

 

·                     “De Cartola e de Tamanco” é o curioso título do segundo CD da cantora carioca Sáloa Farah que prioriza regravações, tais como “Seja Breve” (de Noel Rosa), “Não Diga a Minha Residência” (de Bide e Marçal) e “Onze Fitas” (de Fátima Guedes). Diogo Nogueira é o convidado especial da faixa “Injuriado” (de Chico Buarque).

 

·                     Caberá à gravadora Deckdisc lançar o segundo CD da cantora Roberta Campos, ora em fase de gravação e cuja produção está a cargo de Rafael Ramos.

 

·                     Foi realizado no dia 17 de março, no Ginásio Ibirapuera (em São Paulo), ainda dentro do circuito de eventos comemorativos aos cinquenta anos de carreira de Roberto Carlos, o show “Emoções Sertanejas” que contou com a participação de diversas duplas entoando canções do repertório do Rei, dentre as quais: Bruno & Marrone, Chitãozinho & Xororó, César Menotti & Fabiano, Gian & Giovani, Milionário & Zé Rico, Rionegro & Solimões, Victor & Leo e Zezé Di Camargo & Luciano. Também se fizeram presentes cantores do mesmo nicho (como Leonardo e Daniel), além de representantes da Jovem Guarda (caso de Martinha e Nalva Aguiar), do sertanejo mais tradicional (Almir Sater e Sérgio Reis) e da seara nordestina (Elba Ramalho e Dominguinhos). O registro estará disponível ainda neste primeiro semestre e sairá nos formatos CD e DVD.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor

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