Natal de ontem e de hoje

Aproxima-se o Natal, data em que sempre me assaltam lembranças dos momentos marcantes da minha vida. Vou de recordações e reminiscências à minha infância, aos natais que por lá passei, no mais longínquo da minha lembrança. Retorno ao Canto do Amaistempo, onde cruzei o amanhecer dos meus primeiros anos, lugarejo bucólico, perdido nas brenhas do sertão ressequido e quente do Ceará, a alguns quilômetros da cidade de Groaíras.

Ah! Naquele tempo o Natal era realmente uma festa bonita e cheia de significado.

Não havia presentes, nem papai Noel, nem neve, nem árvore natalina. Não se tocava “gingombel”, não tinha peru nem chester, nem vinho, nem pro – seco.

Mas, naquele dia, todos nós, de roupa nova feita pelas nossas mães, íamos à missa da meia-noite. A igreja iluminada por grandes lamparinas e velas, – pois, também não tínhamos energia elétrica, – acolhia a todos, vindos dos mais distantes lugares: do Vaquejador, do Córrego dos Matos, da Lagoa do Peixe, da Muriçoca, do Flamengo, da Lagoa das Bestas, da Canafístula, do Jucá, do Daniel, das Marrecas, do Sanharão, do Bom Futuro, dentre outros.

Todos num ato solene de contrição, muita fé e humildade, éramos recebidos na igreja Nossa Senhora do Rosário, pelo saudoso Padre Raimundo Cleano, sempre muito exigente e organizado, onde rendíamos, verdadeiramente, homenagens ao nascimento do Menino Jesus, durante uma missa, toda rezada em latim.

É verdade que, antes daquela celebração, visitávamos o mundo profano: o comércio, os bares e as barracas coloridas iluminadas pela luz mortiça de lampiões. Havia a volta no entorno do mercado, ou da praça, composta por um quadrilátero de cimento com um coreto no centro, onde se apresentava a banda de música, outro grande atrativo nos dias festivos.

Havia também os flertes e namoros, os encontros programados, às vezes, com um ano de antecedência, – coisas do natal passado. Não faltavam as barraquinhas e a engenhoca de cana. Os adultos tomavam quinado ou cachaça, conhaque ou genebra e a meninada tomava garapa de cana, refresco de murici, aluá ou chupava picolé de coalhada (espetado num palito de fósforo), feito no congelador de uma kelvinator* a querosene. Nas calçadas, as vendas de bolo manzape, frutas e chá-de-burro (mungunzá de milho com bastante leite e açúcar) e, o imbatível, bolo do Miguelin, o melhor que já comi em toda a minha vida.

Eram esplendorosos aqueles passeios pelas ruas sem calçamento. Grupos iam e grupos vinham “volteando” na praça ou no mercado. Quantos encontros, quantos recados “fulana tá a fim de falar com tu, viu!” Comadres e compadres entabulam conversas compridas sobre seus afilhados, sobre o presente que deram normalmente uma borreguinha, uma cabrita, uma bacorinha ou, até mesmo, uma bezerrinha. “Como está a marrã de ovelha que nós demos a nossa afilhada, compadre? Já deu cria? Foi macho ou fêmea?…” Notícias de familiares e amigos que viviam distante. De vez em quando, dos grupos saía alguém para falar com outro alguém que vinha em sentido contrário para colher informações, entabular um negócio ou, até mesmo, um namoro.

A petizada vibrava mesmo era com o carrossel instalado no terreno do seu Moreira. Como rodava rápido aquele “sombrinhão” com cadeiras penduradas por cordas, operado por dois ou três homens fortes que o faziam girar em alta velocidade. Eu mesmo só olhava, extasiado, aquela maravilha, mas nunca rodei num carrossel. Não me lembro se por medo ou por não ter dinheiro. Na verdade, eu acho que eram os dois motivos que me impediam de usufruir daquele encanto da meninada. Já muito cansados e quase dormindo nos bancos ou no mosaico frio da  igreja éramos despertados para o grande e penoso retorno às nossas casas. Crianças sonolentas e os adultos, também cansados, todos a pé e descalços, com os chinelos pendurados nos dedos. Os mais abastados tinham uma bicicleta ou um burrico, os pobres, quando muito, tinham um jumentinho para levar as crianças que, não aguentando a aventura, dormiam de tanto cansaço.

Tempo bom aquele. Hoje mudou tudo. Mudaram as comemorações, mudei eu e parece que o mundo todo. Não sei por que, mas, quando se aproxima o Natal bate-me uma melancolia como que esta época não simbolize mais o aniversário de nascimento do nosso Salvador.

As festas são muito diferentes daquelas. Perdeu-se o glamour e a simbologia, ao que parece, o deus é outro representado pelo paganismo do consumo, da bebida, da comida em excesso, da embriaguez e dos acidentes de trânsito. As verdadeiras referências Àquele que aniversaria nesse dia passam, quase sempre, despercebida, em brancas nuvens e anonimamente perdidas nas bebedeiras, comilanças, distribuição de presentes e “dingombel”.

Fico triste, muito triste ao constatar que não gosto mais desta festa. Pois, mesmo com todo o sentido que ela encerra, não me agrada ver o pouco caso que dela fazemos. Na verdade, o menos lembrado é o Aniversariante. Tenho mesmo muita é saudade dos natais da minha infância.

* Kelvinator (pronuncia-se “quelvineitor”) era a marca da geladeira mais conhecida à época.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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