Notas para um escândalo
“Notas para um escândalo” é o filme do ano, sem dúvida. Nas peles de Judi Dench, uma professora de história conservadora e moralista e Cate Blanchett, também professora e casada, mãe de dois filhos, um com síndrome de down, o drama se desenvolve a partir das anotações de Bárbara(Judi) e sua vida cheia de conflitos.
É a primeira vez que o cinema consegue inverter os papéis, de fato. Coloca uma professora pedófila que vai transar e se apaixonar(?) por um menino de 15 anos e uma amiga de escola lésbica, no caso a professora conservadora que quer ficar com ela.
Entre traídos, traidores, moralistas e pudicos, o cinema nunca nos remeteu com tanta grandeza à condição da lésbica no mundo. Lésbica falo, no sentido da homossexualidade feminina, tão mais difícil de ser exposta e vivida do que a masculina.
O filme quebra tabus, estabelece barreiras e expõe a fragilidade de várias relações antagônicas, sofridas e de comovente história.
A vida do padre, do professor, do advogado pedófilo, nada disso. Agora é uma professora, mãe, casada que mantém relações com um aluno de 15 anos apenas.
O roteiro do dramaturgo Patrick Marber, é baseado no romance Anotações sobre um Escândalo de Zoe Heller. É uma aula de sensibilidade do diretor Richard Eyre expondo todas as fraquezas humanas, com atuação magistral das duas atrizes, que roubam a cena.
Notas para um escândalo é uma profunda viagem no “nós somos aquilo que pensamos do outro”. Quase sempre.
TERRORISTA
John Updike barbariza no seu novo livro “Terrorismo”, tradução de Paulo Henriques Britto, Companhia das Letras.
Leia Trecho. Os professores, cristãos débeis e judeus não praticantes, falam palavras vazias sobre a virtude e a honradez do autocontrole, porém seus olhares esquivos e suas vozes insinceras traem sua falta de fé. Eles são pagos para dizer essas coisas, pagos pela prefeitura de New Prospect e pelo governo estadual de Nova Jersey. Ahmad e os dois mil outros alunos os vêem se enfiando em seus carros depois das aulas no estacionamento apinhado, pontilhado de lixo, como tantos caranguejos pálidos ou escuros que voltassem a suas cascas, e são homens e mulheres como quaisquer outros, cheios de concupiscência e medo e paixão por coisas que podem ser compradas. Infiéis, pensam que a segurança está em acumular coisas deste mundo, e nas diversões corruptoras da televisão. São escravos das imagens, imagens falsas de felicidade e riqueza. Mas mesmo as imagens verdadeiras são imitações pecaminosas de Deus, o único ser capaz de criar. O alívio por ter escapado incólumes de seus alunos por mais um dia faz com que os professores se dispersem nos corredores e no estacionamento falando alto demais, como bêbados cada vez mais excitados. Os professores caem na farra quando não estão na escola. Alguns têm as pálpebras avermelhadas, o mau hálito e o corpo inchado daqueles que costumam beber em excesso. Uns são divorciados; outros vivem maritalmente sem ser casados. Fora da escola, levam vidas desorganizadas e libidinosas, sem autodisciplina. São pagos para pregar a virtude dos valores democráticos pelo governo estadual, cuja sede fica em Trenton, e por aquele governo satânico mais longe, em Washington, porém os valores em que acreditam são ímpios: biologia, química, física. Quando se trata dos fatos e fórmulas desses assuntos, suas vozes falsas soam firmes e retumbam na sala de aula. Dizem que tudo provém de átomos cegos e implacáveis, responsáveis pelo peso frio do ferro, a transparência do vidro, a imobilidade da argila, a agitação da carne. Os elétrons fluem por fios de cobre, por portas de computador e pelo próprio ar, quando a interação de gotículas de água provoca relâmpagos. Só é verdade aquilo que podemos medir e deduzir a partir de nossas mensurações. Tudo o mais é apenas o sonho passageiro que chamamos de nosso ser.