O ANO NOVO E O JOGO DA VIDA

Como se fossem trombetas a anunciar a chegada de um poderoso rei, luzes enfeitaram ruidosamente os céus no primeiro dia do mês de janeiro. Pareciam até que convidavam as estrelas para que com elas saudassem a autoridade que estava a chegar. No mesmo ritmo frenético dos que se exibiam no ar, arautos estrategicamente plantados na terra também brindaram o novo governante com apaixonada reverência, embora alguns, já de porre naquele exato momento, não mais soubessem o que estavam a comemorar.

 

Foi nesse clima de euforia, precedido de uma contagem regressiva digna da histórica viagem da Apolo 11, rumo à lua, que surgiu diante do olhar de todos o majestoso Ano Novo. Beijos enamorados, bitocas esperançosas, abraços amigos, olhares gulosos, toques tímidos e milhares de gestos carinhosos se espalharam à sua volta, como se obedecessem ao  comando mágico de um maestro que nascera para reger a Sinfonia da Felicidade. Realmente valia a pena brindar no mesmo compasso alegre exigido pelo ambiente festivo, solvendo em goles generosos os espumantes, champagnes,  vinhos, uísques, cachaças e refrigerantes, a depender do gosto do provador, que foram oferecidos em homenagem ao grande Maestro.

 

E não era sem razão que todos reverenciaram a chegada do divino Ano Novo, pois o seu poder irradiante ultrapassava os limites de uma boa e bem organizada festa. É claro que os itens produção, enredo, fantasia e alegria contam bastante quando se trata de abalizar o conjunto de uma grande festa, mas não eram o que faziam a diferença naquele instante mágico. Era exatamente a palavra magia o grande atributo que se destacava nos ambientes que se prepararam para comemorar a passagem do milagroso Ano Novo.

 

Afinal, como não acreditar ser divino esquecermos os problemas vividos durante o reinado do Ano Velho, acreditando que serão agora prontamente resolvidos? Como entender não ser magia a esperança que se instaura nos nossos corações, independentemente da religião que professemos, no curto espaço de um segundo, apenas suficiente para que o ano mude de comando? Como não apontar como milagre o instante em que julgamos que derrotaremos nossos medos e afastaremos todos os obstáculos que nos impediram e impedem de conquistar a Felicidade anunciada.

 

Por um segundo, apenas um segundo, não mais existiu desilusão amorosa ou a profunda dor de quem nunca sentiu o que é amar. Apenas uma pequena fração de tempo foi suficiente para adormecer a nossa triste lembrança de que milhões e milhões de cidadãos espalhados pelo mundo não sabem sequer o significado da palavra esperança. Um pequenino lapso temporal entorpeceu a nossa tristeza pela tragédia causada pelo maremoto Tsunami, que vitimou milhares de pessoas no Sri Lanka, Índia, Indonésia, Malásia e Tailândia.

 

Agora que o reinado do Ano Novo inicia os seus primeiros passos, ainda conservando intactas as nossas esperanças de uma vida efetivamente melhor, que tal lutarmos para que se concretizem? Não chegou a hora acenarmos para as pessoas que amamos, perdoarmos quem nos causou alguma dor, acariciarmos quem precisa de um afeto ou simplesmente sorrirmos para quem está triste? Não é o momento de praticarmos aquela ação solidária que sempre adiamos ou ajudarmos aquele amigo que, desesperado, pediu um pouco da nossa atenção.

 

Não podemos deixar a magia da mudança se dissipar pelos trezentos e sessenta e cinco dias que integram o curto  reinado do Ano que acaba de chegar com pompas de Deus. Não devemos nos dar o luxo de jogar fora mais um período da nossa vida sem nada fazer para alcançar a Felicidade, alheia ou a nossa. Não precisamos mais transferir os nossos problemas para que sejam resolvidos por outras pessoas ou nos próximos anos, se nós sequer temos a coragem de descobrir que eles existem e que podem ser resolvidos, como foram no primeiro dia do ano.

 

Afinal, se deixarmos o marasmo contaminar o reinado do Ano Novo, sem medo de errar, faremos com que antecipadamente se transforme no velho Ano Velho, aquele que já julgávamos carta fora do baralho. E no Jogo da Vida, as cartas que são abandonadas fazem uma falta danada, mesmo quando, posteriormente, resolvemos jogar para valer, sem blefe ou medo de perder. A dica para se ganhar o Jogo da Vida, nos ensina o Ano Novo, é fazer novo cada dia, vivendo cada segundo de forma corajosa, amorosa e intensa.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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