O mês de dezembro já iniciou presenteando a humanidade com uma grande campanha internacional (Dia Mundial de Luta Contra a Aids), procurando combater uma das mais graves doenças já espalhada pela terra. Tão devastadora que não abala apenas a saúde ou o corpo físico do seu portador, mas, sobretudo, o seu relacionamento social. É que a Aids, a doença alvo da campanha, traz consigo o nocivo vírus do preconceito, fazendo afastar ou matar o convívio social do portador, não raro transformando-o, segundo os olhares dos “sadios”, em mero trapo social.
E não são poucos aqueles que diariamente são vitimados pela doença e agredidos pelo preconceito a ela agregado. Este ano são mais de quarenta milhões de homens, mulheres e crianças portadores de HIV, segundo dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde. Não-coincidentemente, a África é a maior vítima da Aids, abrigando alguns paises em que o seu combate parece até uma causa perdida, mesmo porque não é fácil controlar uma doença que atinge aproximadamente vinte e cinco por cento de uma população pobre e abandonada pelo resto do mundo.
O Brasil, que estatisticamente se gaba de controlar e estabilizar a epidemia, também parece não perceber que os casos de Aids vêm aumentando entre a população mais pobre, onde a população afro-descendente encontra-se em maior proporção. Eis porque, acertadamente, aqui se adotou o slogan “Aids e Racismo. O Brasil tem que viver sem preconceito”. A idéia é fazer campanhas dirigidas para um público esquecido e desprezado, razão porque ainda não atingido pelas campanhas oficiais.
Colocando o tema racismo como um dos elementos que contribui para o “esquecimento” dos negros das campanhas oficiais, a campanha brasileira espera corrigir mais uma injustiça cometida contra a raça que coloriu o Brasil. Mais ainda, com a inclusão da população negra na agenda social a campanha marcará um tento importantíssimo e certeiro, contribuindo para reduzir os índices da doença no público onde ela ainda desliza com facilidade. É como se estivesse matando dois coelhos com uma única cajadada, isto é, ataca dois graves problemas (preconceito e doença) com apenas uma única campanha, desnudando, mais uma vez, que o Brasil não a maravilha da igualdade racial que tanto prega.
Também é hora de afastar a hipocrisia dos ricos países, especialmente os EUA, quando utilizam o argumento econômico para não ampliar o combate à Aids junto aos países e pessoas pobres. É que estes abonados senhores se recusam a quebrar a patente dos remédios que combatem a doença, sob a ótica de que é preciso preservar os direitos daqueles que estudaram e investiram nas descobertas das mágicas fórmulas. É o retorno financeiro, segundo argumentam, o principal estímulo para que novas descobertas ocorram, o que implicaria na interrupção das pesquisas se os lucros deixassem de brotar.
A lógica perversa deste raciocínio capitalista é tamanha que a própria ONU se recusa a discutir seriamente a questão. E olhe que tem um exemplo comparativo importante, pois o mundo conheceu o precedente já praticado pelos EUA quando quebrou a patente de remédios canadenses no momento em que alguns dos seus foram vitimados pelo Antrax. Talvez não o use porque ache, preconceituosamente, que a vida de um nascido em berço esplendido vale mais do que outra vida qualquer.
Se a Campanha internacional for mesmo para valer, “não apenas para branco ver”, não poderá aceitar que os lucros humanitários sejam considerados irrelevantes. Não poderá permitir que os quarenta milhões de portadores de HIV sejam encarados apenas como dados estatísticos e impessoais, nada significativos quando comparados aos bilhões de dólares que deixariam de render para os países detentores das patentes. Afinal, se as vidas das pessoas físicas valerem menos do que as vidas das pessoas jurídicas, tudo não passará de uma boa propaganda enganosa.