O CONGRESSO E A REDEMOCRATIZAÇÃO

Integrando a campanha cívica que postula a não aprovação da Medida Provisória 232, aquela que foi editada para saciar fome-leoa do Ministro Palocci, participei do ato em que o Presidente da OAB, Roberto Busato, entregou ao Cardeal-Primaz da Câmara dos Deputados a posição oficial da entidade. È evidente que OAB não poderia deixar de apontar a manifesta inconstitucionalidade de mais um aumento de imposto, ainda mais quando se sabe que o Brasil pratica uma das maiores cargas tributárias do mundo. A manifestação da OAB, como dito publicamente, consolidou o pensamento do deputado Severino Cavalcanti, fazendo-o sentir que estava pisando em porto seguro ao solicitar a mudança de postura do Governo Federal.

 

Percebi, neste instante, que não é tarefa fácil analisar o fenômeno Severino Cavalcanti, especialmente quando se presencia pessoalmente o trabalho por ele desenvolvido na chamada Casa do Povo. O ex-líder do baixo clero, hoje promovido à condição de cardeal de primeira grandeza, é realmente uma figura simbólica, tanto no critério da espontaneidade, quanto no complexo requisito do político-exótico, assim como no assumido conservadorismo pepista. E ambos se tornam visíveis tão logo se ingressa em seu gabinete, a exemplo do contrate provocado entre os intocados jornais que enfeitam a sua mesa e a desorganizada multidão que se aglomera ao ser redor.

 

Não poderia ser diferente, pois, ao acumular também o cargo de segundo substituto do Presidente Lula, foi elevado ao posto de figurinha carimbada no álbum da República. Exatamente por isso sendo procurado e cobiçado por vários políticos, integrantes da sociedade civil e, como não poderia deixar de ser, pela imprensa havida em algumas de suas preciosas pérolas reflexivas. A última tinha sido aquela em que, contestando o elevado número de medidas provisórias, afirmou que “a Câmara dos Deputados não vai ser apenas o supositório do Poder Executivo”.

 

Certamente por assim pensar, no mesmo horário da reunião da OAB, vários parlamentares sergipanos aguardavam a presença do Presidente da Câmara para solicitar o seu apoio à Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo Senador Antônio Carlos Valadares, já aprovada no Senado, que cria um fundo permanente destinado à revitalização do Rio São Francisco. E, como se sabe, revitalizar o Velho Chico é a única forma de evitar a sua morte prematura, ainda mais diante da eleitoreira, autoritária e absurda proposta de transposição de suas águas. Até onde presenciei, estavam presentes, além do senador sergipano, os deputados federais Jackson Barreto, Pastor Heleno, Bosco Costa, Ivan Paixão e José Carlos machado, acompanhados dos deputados estaduais Belivaldo Chagas, Jorge Araújo, Ulisses Andrade e Augusto Bezerra.

 

A Câmara também estava agitada por outros motivos, confirmando a sua faceta plural, como deveria se esperar de uma casa parlamentar. Começou aquele dia 15 de março com uma sessão em homenagem ao aniversário de Aracaju, passando por inúmeras reuniões de comissões, já se observando, pela tarde, uma grande agitação em torno do plenário, inclusive com vários parlamentares fazendo acertos de última hora. É que logo iria começar a sessão de votação da PEC PARALELA DA PREVIDÊNCIA, aquela que tinha sido aprovada no Senado Federal com o intuito de amenizar os efeitos negativos da Reforma da Previdência sobre os servidores públicos.

 

Também se percebia a agitação em torno da sessão que comemoraria o aniversário de vinte anos da redemocratização do país. Tinha mesmo que comemorar a volta da Democracia, pois é sempre corretar lembrar que não podemos admitir que o próprio governo seja o principal responsável por prisões políticas, torturas, censura, desaparecimento e castração da liberdade. Ainda mais no que se refere ao Congresso Nacional, mesmo porque uma das mais graves medidas impostas pela Ditadura Militar foi exatamente o de determinar o seu fechamento, concedendo-lhe, depois, papel secundário nos destinos da nação.

 

Com efeito, o Congresso Nacional é fundamental para a Democracia e, como tal, deve ser plural, dinâmico e independente na sua relação com o Poder Executivo. Pouco importa se adota, temporariamente, um comportamento normal, exótico, espontâneo, carrancudo, conservador progressista ou mesmo impessoal, pois assim também é o povo que representa em determinados momentos de sua história. O que não pode, jamais, é ser subserviente, “supositório” ou desleal com o povo que o elegeu, como agora fez, ao aumentar a remuneração dos parlamentares, através do artifício debochado o reajuste indireto.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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