Katty Cristina Lima Sá
Mestranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/URFJ)
Graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
e-mail: katty@getempo.org
Orientador: Dilton Cândido S. Maynard
Em 2009 um ataque contra a base do exército americano de Fort Hood no Texas resultou na morte de 13 militares e chamou atenção da mídia pelo perfil do seu autor: era o ex-major Nidal Hasam, na época com 37 anos. Hasan era médico psiquiatra das forças armadas dos Estados Unidos, trabalhava veteranos traumatizados pela guerra em Washington D.C. e não apresentava quaisquer indícios de possuir ligações com grupos jihadistas. Outro caso com características similares ocorreu em 2013 na ocasião do atentado a Maratona de Boston, quando Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev, irmãos daguistaneses radicados nos EUA, ambos sem ligações com grupos terroristas, explodiram duas bombas caseiras próximas à linha de chegada da corrida. O resultado desta ação foram 200 pessoas feridas e outras três mortas.
Episódios como os descritos acima são denominados como ataques de “lobos solitários”, pois são realizados por pequenos grupos ou indivíduos que atuam inspirados pelas ideais de grupos terroristas, como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, ainda que não possuam ligações formais com estas organizações. Entretanto, estes lobos solitários não se instruem e planejam suas ações de modo tão isolado quanto por vezes demonstram. Por trás destes militantes há uma extensa rede de publicidade e recrutamento que, no caso do jihadismo internacional, possui como um de seus “nós” mais notáveis o clérigo extremista Anwar Al-Awlaki (1971-2011).
Nascido no estado americano do Novo México em 1971, Al-Awlaki era engenheiro com mestrado em Educação pela George Washington University, porém nunca exerceu a profissão. Ainda na juventude, ele optou por dedicar-se a vida religiosa, assim, aos 24 anos, tornou-se clérigo da mesquita de At-Rribat em San Diego, Califórnia. Sua jovialidade e retórica logo o tornaram um líder religioso proeminente, de tal modo que o jornal The New York Times, em matéria publicada no dia 19 de outubro de 2001, apontou-o como uma das novas vozes que proporcionaria o diálogo entre Islã e a América.
Não entraremos em detalhes sobre o processo de radicalização de Al-Awlaki, no entanto, cabe ressaltar a participação deste na fundação da franquia da Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) em 2010 e sua importância como divulgador das ideias pregadas pela mesma. Em virtude de sua capacidade retórica e pelo histórico como clérigo e “traidor da América”, ele se tornou um dos rostos mais conhecidos da Al-Qaeda e se comunicava com sua rede de simpatizantes, da qual os irmãos Tsarnaev foram integrantes, através de sermões divulgados pela internet nos formatos de áudios, vídeos e textos, todos produzidos em inglês com uma linguagem simples, frases curtas e falas pausadas. Além disso, ele também propagava sua visão radical do Islã através de “aconselhamentos” oferecidos particularmente aos interessados via e-mail, tal como procedeu com Nidal Hasan.
Anwar Al-Awlaki foi morto em um ataque aéreo americano no Iêmen em setembro de 2011, porém, seus discursos continuam a ser propagados pela web através de publicações como a revista Inspire, periódico produzido em inglês e no formato PDF pela AQPA e, principalmente, por meio de vídeos disponibilizados no YouTube. Em todos os casos, a voz do extremista ressoa através “ensinamentos” que unem pontos da doutrina islâmica ao programa político e estratégico da Al-Qaeda, como ocorre, por exemplo, no vídeo “True Belivers and who not”, em que foi abordado a importância e as razões da participação na jihad, aqui entendida como “guerra santa”, para o “verdadeiro muçulmano”.
Entre as iniciativas para coibir a divulgação dos sermões de Al-Awlaki nas redes sociais, está a do Counter Extremism Project (CEP), que em 2016 lançou uma petição pública para que o YouTube retirasse todos os vídeos do clérigo da Al-Qaeda de sua plataforma. A empresa Google, responsável pela rede de compartilhamento de vídeos, respondeu que já havia tentado realizar esta ação, mas os vídeos foram reenviados. Além disso, segundo artigo publicado na Scientific American em maio de 2017, até o início daquele ano, empresas como Facebook, Twitter e Google não possuíam softwares capazes de verificar conteúdos extremistas em vídeos, nem de apagá-los.
Durante sua vida, Anwar Al-Awlaki foi reconhecido primeiro por sua capacidade em tratar assuntos religiosos de modo simples através de uma linguagem acessível, depois por sua capacidade em incitar a intolerância e a violência com a mesma eloquência. Após sua morte, tornou-se o primeiro cidadão americano morto por ordem de seu Estado sem julgamento prévio desde a Guerra Civil dos EUA (1860-1865) e um “mártir” do jihadismo internacional, que se voltou contra a própria nação em nome da jihad e a divulgou para o mundo. Seu fantasma continua a rondar pela web a procura de possíveis “guerreiros de Alá” que transformem suas palavras novos ataques terroristas.
Saiba mais:
BERGEN, Peter. O americano que inspira terror de Paris aos EUA. Disponível em http://edition.cnn.com/2015/01/11/opinion/bergen-american-terrorism-leader-paris-attack/. Acesso em 17 de março de 2018.
GREENEMEIER, Larry. When hatred goes viral – inside social media’a efforts to combat terrorism. In: Scientific American. Disponível em: https://www.scientificamerican.com/article/whenhatredgoesviralinsidesocialmediaseffortstocombatterrorism/. Acesso em 25 de maio de 2018.