O Grande Salto

Leu o jornal com o coração batendo loucamente, desesperadamente.Aliás, não leu – devorou. E chamou a mulher aos gritos.

 

—- Terência ! Terência!

A mulher, que estava vendo a novela, deu um pulo do sofá.

 

—- O que foi, homem de Deus?

 

—- Sou eu, Terência. Sou eu !

 

Terência, doida para  não perder nenhuma cena da novela.

 

—- O quê?

 

Ele fez uma pausa dramática e estufou o peito, cheio de orgulho.

 

—- Sou o escolhido.

 

—- Legal, pai – falou o filho de 12 anos de idade. —- Mas e o Neo?

 

—- Neo? Qual Neo?

 

—- O de Matrix. Ele também foi o escolhido para salvar a humanidade das máquinas.

 

—- Não, não é nada disso. Sou o escolhido para  a equipe do governador eleito. Mas isso, por enquanto, é segredo.

 

—- Secretário do Planejamento ? – perguntou  a mulher, botando a mão na boca.

 

Ele riu, superior.

 

—- Só pode ser.

 

—- Mas… como sabe?

 

Estufou o peito, suspirou profundamente e mostrou o jornal. A notícia estava na primeira página. O governador eleito já tinha escolhido o secretário e o nome seria divulgado a qualquer momento.

 

—- Mas aqui não fala no seu nome – a mulher estava um tanto desconfiada.

 

Riu, mais superior ainda.

 

—- Olhe o perfil. Impossível haver engano.

 

Terência leu: “ O governador eleito declarou que o escolhido para o planejamento é um homem probo, grande planejador e administrador de crises, com honestidade comprovada e inigualável vontade férrea de trabalho”.

 

A mulher pensou que o marido não tinha tudo aquilo, mas a segurança dele era tanta que acabou concordando.

 

—- É, parece que é você mesmo.

 

—- Claro. Quem mais se enquadraria nesse perfil?

 

—- Alguém mais sabe ? – a mulher baixou a voz.

 

—- É claro que não.

 

—- Mas temos que avisar a todo mundo – falou o filho de 16 anos de idade.

 

—- Isso mesmo! – aprovou a mulher, já se imaginando a primeira dama do planejamento.

 

Ele, com jeito modesto.

 

—- Sei não, vocês sabem que não gosto de publicidade. Sempre fui um homem simples e humilde.

 

A sogra, dona Efervelina, entrou no assunto.

 

—- Esse perfil… sei não… você nunca foi de administrar crises.

 

—- E essa vontade férrea de trabalhar? – inxiriu-se uma cunhada. —- Você sempre foi meio preguiçoso.

 

Riu novamente. Que falassem. Ele, um simples cabo eleitoral do interior, se tornaria Secretário do Planejamento do Estado, o homem de confiança do governador. E, quem sabe, poderia até ser indicado como candidato à sua sucessão. Governador. Quem poderia imaginar que chegasse tão longe?

 

Lembrou da vidente que consultara há alguns dias. Ela era considerada a mestra das mestras. Conselheira de grandes políticos, como ele seria um dia.

 

—- Vejo um grande salto em sua vida – ela falou, olhando fixamente a bola de cristal.

 

—- Um grande salto?

 

—- Sim. Em breve você dará um grande salto. E…

 

Não quis ouvir mais nada. Levantou-se e puxou uma nota de R$ 50,00.

 

A vidente o olhou.

 

—- Esse grande salto…

Ele riu.

 

—- Não precisa falar mais nada. Se do que se trata.

 

—- Mas eu vejo…

 

—- Sei, sei. Muito obrigado por tudo.

 

Um grande salto. Lembrou da conversa com o governador eleito, logo após o resultado das apurações. Dissera da vontade de ser secretário. O governador sorriu – sorriso que entendeu como uma aprovação. E agora tudo estava resolvido. A angústia da espera não mais existia. Mas como os falsos amigos iriam reagir? O Souza vivia dizendo que o governador eleito já esquecera que ele fora um grande cabo eleitoral.O Aníbal, sempre invejoso, zombava das suas ambições. O Abdias achava que ele já fora longe demais sendo elogiado publicamente pelo então candidato a governador.

 

Agora, eles teriam que engolir o que falavam. Secretário do Planejamento. Depois,governador – não aceitaria ser vice. Senador ? Por que não? Se tantos incompetentes conseguiam, ele também poderia chegar lá. Ministro? Sorriu da idéia, pensando que de ministro para a Presidência da República é um pulo.

 

Pensou em ligar para o futuro governador, mas concluiu que era melhor conversar pessoalmente. Tinha planos e projetos que ele, certamente, colocaria em prática imediatamente, após a posse.

 

Pegou o carro, com quase 10 anos de uso, pensando que em breve tudo estaria mudado em sua vida. E, já na estrada para a capital, ligou do celular para alguns amigos, dos verdadeiros.

 

—- Haroldo? Sou eu. Está disponível para assumir uma assessoria? Não, claro que não. Estou falando da Secretaria do Planejamento do Estado.Como ? Não sabe? Pois é, pra você ver. Não, não conte ainda pra ninguém.

 

Outro telefonema.

 

—- Magalhães? Que tal ficar com a coordenação geral de projetos industriais?

 

Não, não homem desinformado. Estou falando do planejamento do Estado.

 

Mais outro telefonema.

 

—- Sou eu, Euclides. Quero você como meu assessor direto na secretaria. Como? Não, homem sem imaginação. Estou falando da Secretaria de Planejamento do Estado. É, é isso mesmo. Sim, sim, fui o escolhido.Claro, claro, pode largar esse emprego besta que você tem.

 

Deu outros telefonemas desligou o telefone. Ligou o rádio do carro. Logo seria hora de um noticiário.

 

—-Atenção, atenção – gritou o locutor-, o governador eleito acaba de anunciar o nome do futuro secretário do Planejamento. O escolhido foi o deputado Albuquerque Medeiros.

 

Achou que não tinha ouvido direito. Albuquerque Medeiros ? Mas, e ele? E o perfil? E os convites que fez aos amigos? E como enfrentar a zombaria da família?

 

Levou as mãos ao rosto, esquecendo o volante. O carro rodopiou, girou, derrapou. E o pior: estava entrando na Curva da Ribanceira, famosa pelos constantes acidentes com veículos.

 

Sem nada poder fazer, viu o carro saltar de uma altura de 30 metros. Embaixo, a temível Lagoa dos Jacarés. E, antes de mergulhar nas águas turvas, lembrou da vidente e que não a deixara concluir a visão.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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