O imperialismo americano

Marcos Cardoso*
Quando ele foi empossado presidente, em janeiro de 2009, os mais preocupados com a questão indagavam se Barack Obama, um advogado negro, filho de queniano, de origem pobre, teria o condão de mudar a política imperialista dos Estados Unidos para a América Latina.
O governo Obama buscou uma reaproximação diplomática com Cuba, que sofria com o embargo econômico desde 1960, o que contribuiu com a quase falência da ilha não alinhada. Trocaram prisioneiros e ele foi o primeiro presidente dos Estados Unidos a visitar a ilha desde os anos 20.
Quando presidente do Brasil, Lula ousou pedir uma mudança de relacionamento com o continente americano e lembrou: “Os Estados Unidos, durante muito tempo, tiveram uma política equivocada para a América Latina”. Com a devida correção de que não foi somente “durante muito tempo”, mas por toda a vida. Sempre que intervieram na América Latina, os Estados Unidos o fizeram em proveito próprio, inclusive quando interferiram na instalação de regimes autoritários no continente.
O histórico dessa relação desigual não deixa margem à dúvida quanto às intenções norte-americanas. A famosa Doutrina Monroe, divulgada em 1823, quando os países da América Latina principiavam seus movimentos de libertação, já deixava claro que o país do norte considerava toda essa região debaixo de sua esfera de influência.
O Dicionário de Política, de Norberto Bobbio (Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino), define o imperialismo como a “expansão violenta por parte dos Estados, ou de sistemas políticos análogos, da área territorial da sua influência ou poder direto, e formas de exploração econômica em prejuízo dos Estados ou povos subjugados”.
O termo originalmente está associado ao império inglês e se considera que a Alemanha, a Itália e o Japão também foram imperialistas nos anos 30 e 40. A mesma obra acrescenta que, depois de 1945, quando se apagou o impulso imperialista desses Estados, “o fenômeno do imperialismo continuou a manifestar-se (…) na política neocolonialista praticada principalmente pelos Estados Unidos”.
“Os imperialistas são os parasitas do patriotismo… nunca perdem de vista as oportunidades de negócios lucrativos”, já observava, no começo do século passado, o economista inglês John Atkinson Hobson, autor do clássico “Imperialismo: um estudo” (1902) e um dos primeiros a pesquisar o tema: na transformação capitalista, os mercados internos já não bastam e se tornam necessários os mercados externos para a absorção da produção, mercados que se conquistam com a conquista das colônias.
Vladimir Lênin, na obra “Imperialismo, estágio superior do capitalismo” (1916), afirma que “o imperialismo é o estágio monopolista do capitalismo”. O imperialismo seria assim um instrumento essencial para fazer face às contradições do capitalismo e para prolongar a sua sobrevivência, estendendo-as ao âmbito internacional com a exploração de outros povos.
Mas a União Soviética, socialista, também foi imperialista, assim como a Rússia ainda o é. Portanto, historicamente, como política de expansão e domínio territorial, cultural e econômico de uma nação sobre outras, ou sobre uma ou várias regiões geográficas, o imperialismo extrapola os sistemas econômicos, políticos e sociais.
Como o capital sempre venceu, o imperialismo, ou, mais modernamente, o neocolonialismo, é associado ao contexto do capitalismo e à busca por mercados e lucro à força, a qualquer custo. Inclusive militar. Os Estados Unidos invariavelmente justificaram intervenções militares no mundo para combater revoluções ou para obter o controle de mercados com o discurso da Guerra Fria, e não em termos de objetivos imperiais.
Mas a verdade é que a guerra virou um negócio para os capitalistas — americanos, sobretudo — e, hoje, grande parte da economia estadunidense está ancorada nesse “setor”. Dois autores norte-americanos estudiosos do capitalismo monopolista, Paul Baran e Paul Sweezy, afirmam que os Estados Unidos não teriam tido, depois da Segunda Grande Guerra, um desenvolvimento econômico tão impressionante se não tivessem destinado parte considerável do seu orçamento aos armamentos. Garantindo ocupação para grande massa da população que seria improdutiva e investindo no setor tecnológico, pois grande parte das mais importantes invenções, usadas também no setor civil, provém da atividade de pesquisa do setor militar.
Já nos anos 90 os EUA não se limitaram a intervir na América Latina, também estiveram presentes em “ações humanitárias” na Somália, Bósnia e Kosovo. No Afeganistão, mantiveram bem armados os exércitos do talibã para só depois considerá-los inimigos, quase os destruindo na guerra pós 11 de setembro de 2001. No Iraque, executaram o presidente Saddam Hussein a custa da quase destruição completa do país rico em petróleo.
“A ação conjunta entre as elites predadoras nacionais e o estado terrorista ianque é recorrente e parece seguir sempre o mesmo método: criação de focos desestabilizadores, instrução militar, apoio financeiro e mentiras, muitas mentiras. Estas são reproduzidas à exaustão pelos grandes meios de comunicação, na eterna lógica de desinformação e de fortalecimento da ideologia dominante. Assim, com o mesmo velho método já utilizado em 1836, quando insuflou a elite da região do que hoje é o Texas a se separar do México, os Estados Unidos atentam contra a soberania dos povos sempre com o mesmo objetivo: garantir o seu domínio sobre países e as riquezas dos povos”. A opinião é do historiador e pacifista estadunidense contemporâneo Howard Zinn, no livro “Uma história popular dos Estados Unidos”.
Mas, retornando à questão inicial: Barack Obama mudou a política imperialista dos EUA com relação à América Latina? Talvez sim, mas não por altruísmo. Por interesse. Um relatório publicado pelo instituto americano Council on Foreign Relations, entidade baseada em Nova York, afirma que os EUA deveriam “aprofundar as suas relações estratégicas” com Brasil e México. O texto também sugere que o governo americano reavalie suas relações com Venezuela e Cuba.
O documento intitulado “Relações EUA-América Latina: Uma nova direção para uma nova realidade” afirma que a região mudou e já não depende tanto dos norte-americanos. “A América Latina nunca foi tão importante para os Estados Unidos como agora. A região é a maior fornecedora de petróleo para os Estados Unidos e uma forte parceira no desenvolvimento de combustíveis alternativos”, diz o documento.
“Este relatório deixa claro que a era da influência dominante dos Estados Unidos na América Latina acabou. Países dentro da região não só se tornaram mais fortes como também expandiram relações com outras nações, como China e Índia”.
A entidade voltada para a política internacional reconhece que por 150 anos a diplomacia americana foi baseada na Doutrina Monroe, que reivindicava “a América para os americanos”. No entanto, nas últimas décadas, esta visão teria se tornado “obsoleta” e Washington teria falhado na tarefa de readaptar sua política externa à nova realidade da América Latina.
Mas a relação Estados Unidos-América Latina deu um passo atrás após a chegada de Donald Trump ao poder. Retrocesso seguido pelo estratégico realinhamento da maior nação do Cone Sul, o Brasil, aos interesses dos irmãos do norte.
*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais