Sempre tive um grande respeito pelo Poder Judiciário da minha terra, até porque, como advogado militante, integro uma das categorias que se sente responsável por sua boa administração. Confesso até que o “meu” Estado, ironicamente, sempre foi usado contra mim nas discussões que travo em defesa da necessidade de um controle externo para as atividades administrativas do Poder Judiciário. Os meus queridos “desafetos” apontavam a seriedade do Judiciário sergipano como exemplo da desnecessidade do controle, até porque Sergipe nunca forneceu matéria para um escândalo nacional ou mesmo contribuiu para arranhar a imagem desse importante Poder. Este clima simpático e respeitoso é claramente visível quando se freqüentam os Tribunais Superiores, ainda mais agora que os sergipanos Carlos Ayres Britto e Simpliciano Fontes, respectivamente, passaram a integrar o STF e TST. O TST, para ilustrar o exemplo, acabou de publicar matéria nacional atestando que a Justiça do Trabalho de Sergipe é exemplo para o Brasil. Eu também tenho sido “vitima” desse ambiente de admiração pelas coisas de Sergipe, sendo sempre “forçado” a explicar o porquê-paradoxal, segundo brincam, da maior presença do menor Estado da Federação no cenário jurídico nacional. Não passando recibo das gozações, falava, também ironicamente, que o fato de ser pequeno nos obrigou a desenvolver outros atributos necessários à nossa sobrevivência. Para compensar o tamanho, resumo brincando, tivemos que nos tornar mais organizados, estudiosos, éticos, unidos e competitivos que os demais. E encerro a conversa dizendo que todo sergipano, nascido ou adotado nas terras do Cacique Serigy, carrega, voluntariamente nos ombros, a responsabilidade pela preservação da espécie. Mas eis que, contrariando a minha lógica argumentativa, a imprensa, nacional e local, divulga que o concurso público realizado pelo “meu” Tribunal de Justiça primava justamente pela ausência de organização, qualidade e ética. É claro que, de chofre, não acreditei na notícia, mesmo porque conheço como íntegros e sérios os juízes integrantes da comissão encarregada pelo concurso. Embora, naquele instante, não tivesse qualquer ciência sobre a existência da instituição contratada como prestadora dos serviços, confortava-me saber que ela atendia pelo nome de Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas. A incredulidade inicial, infelizmente, foi substituída pela certeza de que havia efetivamente algo de errado no concurso público. Esta certeza veio na forma mais surpreendente possível, pois resultara da própria confissão pública efetuada pela alagoana prestadora dos serviços, depois complementada diretamente pelo seu responsável legal. É que, como admitido publicamente, as provas estavam viciadas pelo mais deslavado clone, pois copiadas, na íntegra, questões de outros certames públicos. E o que é mais grave, ao invés de buscar reparar o erro, passou a defendê-lo como normal, “apenas” porque contestado por quinhentos candidatos ou ainda por não ter sido proibido no edital. Não parou aí, apontou até, com visível arrogância, que a culpa era das próprias instituições clonadas, taxando de irresponsáveis todos aqueles que descobriram e denunciaram o absurdo clone. Estava também tentando nos convencer, subestimando a nossa inteligência, que o crime deixa de existir em função da quantidade das vítimas insatisfeitas, não mais pela existência ou intensidade da ação delituosa. Estava ainda dizendo que é possível fraudar, corromper, xingar a mãe ou cuspir nos membros de uma comissão de licitação, se estas hipóteses não estiverem proibidas nos editais. Mesmo admitindo que não existiu o desejo de fraudar o concurso, não se pode negar o fato de que parte ou toda prova foi copiada da Internet, não se sabe ainda a dimensão real do clone, o que claramente favoreceu todos aqueles candidatos que estudaram através do mundo virtual, quebrando o princípio da igualdade que caracteriza qualquer certame público. Ademais, como se sabe, o concurso agasalhou pais, filhos, primos, sobrinhos, dentre outros inscritos, de magistrados, políticos, radialistas e outras pessoas influentes na sociedade, o que requeria mais cuidado e responsabilidade na sua execução. A forma com que fora realizado o concurso, especialmente pelas “explicações públicas” da associação alagoana, contribuiu danosamente para que sociedade ficasse com a impressão de que os “bens” nascidos serão favorecidos por seus parentes importantes, ainda que tenham condições técnicas para serem aprovados. Depois da manifestação pública da associação alagoana, não tenho mais dúvida que o concurso violou o princípio da moralidade pública, bem assim que a sua manutenção implicará na aceitação de é que perfeitamente normal a prática do plágio. O Tribunal de Justiça certamente não concordará que terceiros destruam a sua auréola de credibilidade, que tanto encanta e contagia o Brasil. A arrogância, a vaidade ou o simples medo de admitir um grave erro não poderá servir de subsídio para macular a História do Judiciário Sergipano, pois a irresponsáveis não faz parte de nossos atributos. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br