O LIVRE VOAR DA IGUALDADE

Dentro do táxi, em direção ao Aeroporto de Maceió, meu pensamento voava já querendo pousar na minha querida cidade de Aracaju. Eis que meu ansioso vôo rasante foi interrompido pela voz do taxista, subitamente transformado em um mortal torpedo “abate-saudade”. Fui, assim, forçado a fazer um pouso de emergência, prestando atenção à ordem pronunciada pelo improvisado comandante daquele veículo de transporte.

 

Sob o seu comando, meus olhos aterrizaram em uma mulher que trabalhava em um posto de gasolina, mais especificamente fazendo a revisão do motor de uma possante BMW.  A “postomoça”, segundo ele, era uma das melhores profissionais da região, sempre escalada para descobrir os defeitos planam invisíveis e imperceptíveis para as pessoas comuns. Mas a observação elogiosa acabou exatamente aí, pois logo fez embarcar na viagem o velho preconceito que a sociedade machista carrega em sua bagagem.

 

Passou ele a reclamar que as mulheres estavam roubando os empregos dos homens, mesmo nas áreas em que a força bruta era a melhor das qualificações profissionais. Decolou, ainda, a observação de que homens deveriam ficar alerta, pois elas já eram completamente visíveis, não raro em maioria, nas atividades em que o trabalho intelectual era o grande diferencial. Daqui a pouco, pousou ele conclusivamente, ficaremos todos desempregados e obrigados a ficar em casa, passando, lavando e fazendo comida para elas.

 

Somente não foi passageira de suas argumentações a constatação de que a mulheres continuam recebendo salário inferior pelo mesmo ou melhor trabalho executado.  Também não embarcou em seu voar machista a constatação de que permanecem as mulheres trabalhando em dupla jornada, cuidando das coisas da casa como se fosse uma herança irrenunciável. Esqueceu de transportar para o seu raciocínio de que são elas vítimas de duplo crime; são agredidas via assédio sexual no trabalho e, em casa,  através da absurda violência doméstica.

 

Embora o trajeto Maceió/Aracaju tivesse sido bastante tranqüilo, não posso dizer o mesmo no que se refere a necessidade da mulher continuar voando em outras paragens, combatendo estas e outras formas de injustiça. Não há realmente céu de brigadeiro no que se refere ao abuso contra a mulher, que continua sofrendo com as turbulências provocadas pela ação machista, inclusive aquelas sopradas por várias mulheres. Os raios e as tempestades que no passado as impediam de planar no céu da igualdade, continuam causando abalos camuflados nas nuvens escuras e carregadas de preconceitos.

 

Foi assim no dia 8 de março de 1857, quando do cruel massacre das trabalhadoras nova-iorquinas, assassinadas porque exigiam trabalho digno, não sem razão posteriormente transformado no Dia Internacional da Mulher (II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhague, Dinamarca, em 1910). Foi assim em Chicago em 1908, na Alemanha, na Rússia, no Brasil e nas centenas de greves, revoluções, reivindicações e conquistas durante o vôo livre da história.  Foi assim em vários países espalhados pelo mundo, sequer se permitindo que a mulher tenha direito ao prazer físico.

 

No dia seguinte, já em Aracaju, recebi a informação de que haverá uma passeata marcada para o dia 08 de março, saindo da Praça Fausto Cardoso às quinze horas, em direção ao Mirante da 13 de julho, exatamente para ressaltar a importância da luta da mulher na construção de uma sociedade justa e igualitária. Também recebi o convite da Comissão de Combate ao Preconceito da OAB/SE, comandada pela advogada Ieda Vilela, para uma palestra que ocorrerá na sede da OAB, no dia 11 de março, às dezessete horas, tendo como tema o “Combate à violência contra a mulher”. Os dois movimentos, como se fossem um radar ético, afirmando que todos são, simultaneamente, passageiros e tripulantes de um mesmo vôo.

 

Atos como estes são bons exemplos de que a luta contra o preconceito não pode ser abatida e vencida facilmente. Mais ainda, que é fundamental manter ativo o motor da união, o combustível da indignação e a ignição da solidariedade entre todos os habitantes do planeta.  Somente assim poderemos fazer decolar um novo mundo, onde todos, independentemente do sexo, poderão voar e fazer voar livre a máquina da humanidade.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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