A história nos ensina que não é a calmaria quem revela um bom marinheiro. E não poderia mesmo, pois conduzir uma embarcação sem a ameaça das marolas ou dos fortes ventos não exige talento especial. Basta um bom motor e um pouquinho de conhecimento para fazer deslizar o barco rumo ao porto seguro. Grande ou pequena a embarcação, a calmaria é sempre grande aliado do navegar com segurança. E não só isso, na bonança tudo é divertido, compreensível e tolerado, até mesmo os erros de condução.
O grande transatlântico “São Paulo”, ancorado no Sudeste do Brasil, é um bom exemplo para os diversos candidatos a “marinheiro” que se anunciam nos programas eleitorais. Enquanto deslizava, imponente e orgulhoso, sobre a violência que se escondia no seu profundo calado, a chegada ao porto seguro era mera conseqüência da calma partida. Todos se vangloriavam da competência dos comandantes. A bordo do grandioso “São Paulo” tudo era alegre, confiável e admirado, até mesmo os visíveis erros de condução.
Bastou uma grande tempestade para fazer tudo desmoronar. Os icebergs que se desgarravam dos caóticos presídios fizeram o paulista transatlântico, desesperado e incrédulo, lembrar o triste destino do seu irmão Titanic, construído pela poderosa British White Star Linelde. E lá como aqui, não mais pode evitar o naufrágio. O trágico afundar da política de segurança do “São Paulo” desnudou a competência dos que comandaram e ainda comandam a embarcação. Talentos se revelaram farsas, dúvidas se tornaram verdades e “marinheiros”, em inesperada fuga, se atiraram nas gélidas águas do oceano.
Depois de constatado e decretado o naufrágio, o ex-governador Geraldo Alkimin, comandante do navio por longos anos, após o estranho silêncio inicial, agora prega que já havia deixado o plantão da embarcação, não podendo, portanto, ser responsabilizado pela tragédia. E com esta desculpa continua sem reconhecer os seus erros de comando, “esquecendo” o fato de que os atuais tripulantes do “São Paulo” são os mesmos que no recente passado nomeou, bem assim que permanecem seguindo a fracassada carta náutica por ele traçada. Mais grave ainda, para não reconhecer este erro, impede que os cidadãos, à deriva, sejam socorridos por outros navios.
É bem verdade que as embarcações vizinhas não parecem agir por mero e voluntário ato de solidariedade. Demonstram também querer desmoralizar o ex-comandante da embarcação naufragada. Acreditam, assim, que expondo a falha de comando perderá o “ex-comandante” qualquer chance de conquistar o posto de “comandante-mor” do gigantesco transatlântico “Brasil”. Eis porque as ofertas de ajuda são públicas, os discursos mais contundentes do que as ações e os salva-vidas repletos de demagogia e ironia política. Para estes a tempestade também foi reveladora, também serviu para desmistificar marinheiros que pousavam de grandes mestres na arte de conduzir e atracar navios.
Neste mar revolto de inconseqüências e disputas políticas, infelizmente, as vaidades dos “comandantes” são transformadas em personagens principais da crise. Ordens e contra-ordens, enganosamente expedidas em forma de “S.O.S”, partem das torres de comandos dos navios encarregados do socorro emergencial, gerando mais caos e desilusão. Medidas atabalhoadas são transmitidas diariamente, embora, posteriormente, sejam revogadas por outras medidas atabalhoadas. E enquanto assim “comandam”, cada um achando e se achando “excelente marinheiro”, a cidadania permanece à deriva no oceano da insensatez.
Esquecem eles que a capacidade de superar as tempestades é quem ascende o “marujo” à condição de verdadeiro comandante. É que, para um autêntico “lobo do mar” a ausência de recursos, a imprevisibilidade do caminho e a incerteza da chegada não são suficientemente fortes para impedir o livre navegar e correta condução da nau a um porto seguro. Afinal, é na agitação do mar revolto que os talentos se revelam, as dúvidas são dissipadas e os charlatões desmascarados. E quando o naufrágio for inevitável, ainda que não se tenha explicação conhecida, todos sabem que o “grande timoneiro” lutou para evitar o trágico final, não tendo receio de ser o último a abandonar o navio.