O mundo já está preparado!?

Vejo no noticiário o comentário do recente acordo nuclear entre Irã, Turquia e Brasil. Tido por Israel como um engodo, o acordo se apresenta como uma vitória da democracia brasileira, embora seja visto com reservas pela União Européia e, sobretudo, pelos Estados Unidos da América.

Na verdade, os avanços na tecnologia nuclear não mais permitem que sua energia seja restrita aos exclusivos usos pacíficos.

 

Querer que os países se comprometam a aceitar uma mera e simples liderança bélica de alguns é convencer-se que sempre será melhor para a paz que os demais se emasculem e se aceitem como limitados, se restringindo com pouca fertilidade.

 

Porque a infertilidade como a mutilação são sempre requisitadas quando alguns homens querem se beneficiar da fraqueza dos outros, assim procedendo quando lhes são de utilidade.

 

Não fora assim, jamais seriam entendidos os eunucos de todas as latitudes, úteis e necessários na guarda de um harém (do árabe haram, harím “coisa proibida ou sagrada; local sagrado, santuário, parte da casa destinada às mulheres”, derivado de harama, “proibir”).

 

Que se diga também a invenção dos castrati, meninos castrados em plena puberdade, só para uma discutível apuração de voz em trinados afinados e efeminados; coisa do superficial humano que cria regras e amputações para perquirir o belo e a perfeição, sem lhes atinar custos, dores e lágrimas.

 

Que se fale também daqueles que em nome da manutenção de um segredo, quantas línguas foram amputadas, quantos ouvidos fendidos e quantas visões dilaceradas?

 

O mundo e o homem são os mesmos. Se o império iluminista da liberdade vem vigendo por apenas dois séculos, ou pouco mais que isso, não se credite que a miséria humana tenha sido banida em sua totalidade.

 

Convenções assumidas têm o caráter de dogma quando impostos sobre a vontade dos homens. E os homens que não mais se assustam com castigos que lhes fogem do racional, não aceitam argumentos que lhes venham tolher o livre pensamento na criação e na tecnologia.

 

Onde falhou a crença, onde malograram as religiões na eficácia do amor ao próximo, onde fracassou a vã filosofia, ressurgiu uma humanidade mais responsável consigo própria e com os seus, sem peias e cadeias. Só porque o homem se viu e se admirou como Roberspierre regicida.

 

E mais! O homem se encantou, sobremodo, em Kant, que lhe ousara muito além, em cassando os privilégios especulativos da metafísica, só para usar um argumento de José Guilherme Merquior, que, segundo Heine, “Kant ‘decapitara’ o próprio Deus”.

 

Pelo menos, creia-se assim, o Deus contido na pregação de anátemas, castigos, preconceitos retrógrados e outras maldições temporais.

 

Mas, o homem é sempre o mesmo; uns sempre querendo conter, dominar e explorar uns aos outros. “O homem é o lobo do homem”, continua inquestionável ainda o postulado de Thomas Hobbes. Não como um argumento de busca de um líder, um comandante, um déspota para harmonizar vontades e conflitos.

 

Na vigência atual das relações humanas, a liberdade que enseja uma argumentação liberal pressupõe a livre escolha e manifestação. E os povos do mundo, como se já vivessem “o fim da história” varam o terceiro milênio fustigando caudilhos e suas aventuras totalitárias.

 

Ora, se no império da lei todos os homens são iguais. No conflito das nações permanece a máxima nordestina, de Tobias Barreto (1839-1889), como um ancestral cangaceiro das terras áridas de Sergipe e Pernambuco; “O Direito Internacional se apóia na boca do canhão”.

 

Porque, a despeito da ONU e seus diversos órgãos gestores de dúbia representatividade, é nebulosa a regra, é mutável o interesse, é provisória a conveniência. E assim porque desprovida de maior valimento qualquer Direito Internacional sem um legislador legitimo e sem uma autoridade a legitimá-lo, resta frágil na solução dos conflitos.

 

Sobra-nos então o velho interesse do mais forte tentando cercear os mais débeis.

 

Eis o “Fat man”, o homem gordo lançado sobre Nagasaki.

No caso particular das bombas nucleares, caixa de Pandora aberta sobre as cabeças de Hiroshima e Nagasaki. Quem assim o fez, escuda-se numa necessidade sem a mínima razoabilidade, senão o esmagamento, puro e simples do ofensor, além dos limites do cavalheirismo de uma luta entre iguais.

 

“Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”, soaria estranho a Quincas Borba  se visse uma bomba covarde transformando as cinzas de heróis e de inocentes em amontoado de bandido, malfeitor, ou simples baixa necessária de luta.

 

Os bombardeios sobre o Japão são uma espécie de batalha de Azincourt ao contrário; sem heroísmo. Uma lembrança do quanto alcança a miséria humana.

Cogumelo atômico sobre Nagasaki, transformando heroísmo e resistência em cinzas e destruição. Uma batalha de Azincourt às avessas, sem boa memória.

 

Não! Eu não sou pacifista ao ponto de achar que a bomba atômica tenha que ser um trunfo apenas de alguns. Não acho seguro em vendo a América, com sua inexcedível tradição pacífica seja a única detentora de tal poder destrutivo, uma vez que ele existe e não será desarmado.

 

Por outro lado a nação que não dominar a tecnologia nuclear em todos os seus ramos, restará no atraso e na dependência.

 

Por pensar assim, a Rússia, então Soviética, explodiu sua primeira bomba em 1954. Seguiram-lhe, Reino Unido, França e depois a China.

Nos idos de 1970 estes países assinaram o TNP, Tratado de Não-Proliferação Nuclear, carta de intenção de nações abdicando de tal tecnologia.

 

De lá para cá, Índia e Paquistão já explodiram artefatos nucleares. Fala-se que Israel detém amplo domínio nesta área.

 

Há, porém, notícias de progresso da Coréia do Norte e até do Irã, fato temível pelo ocidente, sobretudo da América que os tem como próximos inimigos combater.

 

A história americana é marcada por guerras contra quem não lhes agrada. Primeiro foram os índios do velho oeste dizimados à bala, sem conversões jesuíticas, nem amancebamentos poligâmicos, mas com o clarim heróico da cavalaria fuzilando tudo.

 

Depois foram os Mexicanos. Entre pombas e falcões, só a guerra de Secessão impediu o avanço sobre o Rio Grande em demanda à Patagônia. Sempre com uma boa motivação, uma justificativa mistificada. Se no oeste o cacique Cavalo-Doido era uma ameaça, no México a questão que cabia era uma expedição punitiva a bandidos e pistoleiros.

 

Em seguida por causa de um navio afundado a causa se voltou contra as colônias espanholas de Cuba, Havaí, Porto Rico, Panamá e até nas Filipinas, sempre avançando tentáculos como polvo, ocupando territorialmente ou construindo estados títeres.

 

E hoje, quando não mais há impérios coloniais a América vê com maus olhos a Venezuela, o Irã e a Coréia do Norte. E quem o sabe, o Brasil no amanhã.

 

Porque o Brasil está despontando com perspectiva de potência econômica, justamente quando as antigas nações grandes começam a fraquejar e diminuir.

 

Mas, volta Tobias Barreto apontando para a garganta do canhão. Quem não tem poder de fogo pode falar sem falsete?

 

E aí eu me volto para o celta Breno que invadindo e saqueando Roma dela exigira um resgate a peso de ouro. A história é antiga, recorrente e verdadeira. Breno que adulterara a balança introduzindo sua espada na bandeja das taras, assim gritou aos romanos espoliados e esperneantes. – “Vae victus!”, ou “Ai dos vencidos!”

 

Por acaso tem sido diferente na história dos povos! Quem não tem poder de fogo pode se eximir de humilhação no contexto geral das nações?

 

A História conta-nos que, por “possuir bala na agulha”, Roma conseguiu resgatar-se usando o exército de um seu ditador exilado, Marcus Furius Camillus, que venceu Breno, e se firmou em exemplo com o título de “Segundo Fundador de Roma” e “Pater Patriae, ou “Pai da Pátria”.

 

Ou seja, na ausência de uma legislação internacional, uma regra, uma liderança livremente aceita e referendada, prevalece o predomínio do mais forte. E é assim que tem trabalhado os Estados Unidos da América após a falência da polarização da guerra fria, colocando a ONU e a OTAN ao seu dispor. Criando, inclusive uma nova heresia, entendendo que a não aceitação do TPN, representa um atestado de banditismo internacional, senão real, mas em perspectiva, a combater e destruir.

 

Vahid Salemi/AP Foto divulgada na Internet do acordo Brasil-Irã-Turquia. Uma piada brasileira?

É neste ponto que entra o Brasil do Presidente Lula, que entendeu rumar diferente na política internacional se fazendo ouvir em português, idioma que sempre fora o ”túmulo do pensamento”.

 

E é assim que o noticiário publica a foto em muitos sorrisos do Brasil, do Irã e da Turquia, ousando construir uma parceria sem renúncias nem agachamentos.

 

Aos que insistem na própria ignorância não faltará uma gozação derrisória ao “apedeuta”, como assim é chamado “o cara” de Obama, ou “o grande líder” da imprensa internacional.

 

Nesta terra em que se vaia até Hino Nacional, chega a espantar que um retirante de Garanhuns tenha se ousado bancar novo gigante Atlas, tentando sustentar o mundo, e um Átila às avessas, semeando flores no seu rastro.

Atlas – Estará Lula querendo ser novo Atlas?

 

Se vai chegar a tanto e não a tanto quanto, a política externa brasileira está se firmando adulta como nunca o fora. Mais uma razão para a incomodativa lembrança do “nunca na história deste país” se acompanhar pelo endosso dos historiadores, porque nunca na história do mundo o Brasil saíra do submundo, ou do rol dos povos imundos e vagabundos.

 

E só para terminar mais infecundo, como enfoque pouco jucundo da última assertiva, quero relembrar Rui Barbosa e sua atuação profícua na Conferência de Haia onde respondia a todos em profusão no idioma escolhido, e fora por isso o nosso “Águia de Haia”, jamais imitado. Para os plenipotenciários ministros ingleses, Rui ficara em suas memórias como um “inconveniente advogado meia-casta”.

 

Ou seja: Só nos querem e nos aceitam abanado a cauda como cachorro vira-latas. Ninguém nos quer acima disso, o complexo não vencido na Copa de 1958, como prenunciara o nosso Nelson Rodrigues, e que só vingou no futebol, um esporte crescido aqui, só porque nasce pobre e brota na várzea.

 

Agora, com Lula viajando e sendo referência mundo afora, há um cheiro diferente no ar. Parece que uma oxigenação renova esperança nos povos humilhados.

 

Estará o Brasil preparado para uma ação ousada de liderança no mundo?

 

Ou então que se inverta a pergunta: O mundo já está preparado para ver a sombra do Brasil!?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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