Naquele dia, ela parecia preocupada. Ele notou.
—- Vida minha, algum problema?
—- Príncipe meu…eu…bem…eu… sei não…
—- Fale, olhos meus.
—- Sabe, amor meu, o nosso namoro…
—- Que é que tem? – ele ficou apreensivo.—- O que a aflige?
—- Bem… é que…
Ele insistiu.
—- Algum problema?
—- Bom…bem… não…e sim.
—- Seus pais?
—- Não, não. Eles continuam aprovando o nosso namoro. Tão velhinhos e sempre tão compreensivos, tão esperançosos.
—- Então?
Ela, baixando os olhos.
—- As pessoas estão começando a falar.
Ele, alterando a voz.
—- As pessoas! Sempre as pessoas se intrometendo na nossa vida, no nosso amor!
Ela, tentando acalmá-lo.
—- Não fique furioso, coração meu. Não me importo com o que falam.
—- Não se importa mas está preocupada.Quer dizer, no fundo, se importa.
—- Eu me preocupo mais por você.
—- Por mim? Como, por mim? Nunca lhe faltei com o respeito. Freqüento sua porta todos os dias e sempre saio antes das 20 horas. O que as pessoas querem? Querem que eu faça mais o quê?
Ela, toda temerosa.
—-Quem sabe, talvez seja porque a gente….ah, deixa pra lá.
—- Não, não faço questão de ouvi-la.
—- Nada. Tolices minha.
—- Não! Exijo que você fale. É por que ainda estou com o fusca 1969 ?
—- Não.
—- Ah, já sei. Deve ser porque aos sábados demoro mais uns 10 minutos em sua casa.
—- Não.
—- Então?
—- Casamento.
Ele, saltando da cadeira.
—- Casa… o quê?
—- Mento. Casamento.
Ele, alterando a voz novamente.
—- Casamento! É só isso que as pessoas olham. Casamento, casamento. Não enxergam outra coisa além de casamento.
—- Paixão minha, eu…
—- Sei, você também deve aprovar esse falatório. Todas as mulheres, mesmo que digam o contrário, são doidas para casar.
—- Bem, não é que eu aprove as fofocas do povo, mas você não acha que a gente devia começar a pensar numa relação mais séria?
—- Séria? Como relação mais séria? Eu não sou o seu único namorado?
—- É.
—- Você não é a minha única namorada?
—- Sou.
—- Já a beijei a não ser no rosto?
—- Não. Aliás, teve uma vez que você roçou meus lábios. Foi naquela festa da vizinha, lembra ? Você tinha bebido um copo de cerveja e perdeu o controle.
—- Pois foi, mas não pedi desculpas a você e aos seus pais?
—- Tudo bem, amor meu, mas as pessoas olham o nosso namoro e falam.
—- O que elas falam?
—- Que você é indeciso.
—- Eu???
—- E que não quer assumir um compromisso mais sério.
—- Absurdo!
—- Que estamos demorando demais para casar.
—- Como podemos casar se ainda estamos comprando os móveis?
Ela, toda faceira.
—- Não precisa tantos móveis, dengo meu, basta a …
—- A?
Ela, toda ruborizada.
—- Cê sabe, perdição minha.
—- Ah, a televisão !
Conversa vai, conversa vem, ele terminou convencendo-a da futilidade da pressa. Namoro igual ao deles, respeitoso, não se via mais por aí. E voltaram a namorar, como era de costume. Dedinhos dados. Da mão, é claro.
Ela, em total devaneio.
—- Razão da minha vida…
—- Diga, coração meu.
—- Sabe que dia é amanhã?
—- Quarta.
—- Não, a data.
Ele, pensou um pouco.
—- Claro, vulcão meu. Como poderia esquecer? O começo do nosso namoro!
—- Pois é. Vamos comemorar? A mamãe já está preparando seu bolo preferido.
—- De coco com mamão verde? Delícia!
—- E papai falou que amanhã você pode demorar mais um pouco, mas só uns 20 minutos, viu?
Calaram-se, dedinhos entrelaçados, olhos procurando estrelas e cometas no céu.
Ela, toda derretida.
—- Perdição minha…
—- Sim?
—- Como o tempo passa depressa. Parece até que foi ontem que começamos a namorar.
Ele, suspirando fundo, também todo derretido.
—- É, amorzinho louco, como 40 anos voam.