O Nepotismo e a Busca do Tesouro Perdido

Contou-nos Robert Louis Stevenson, em seu famoso livro a “Ilha do Tesouro”, a fantástica jornada de Jim Hawkins e sua perigosa busca ao fabuloso tesouro do famigerado capitão Flint. Narrou-nos que para conquistar tal objetivo enfrentou todos os sortilégios típicos de sua arriscada aventura, desde o enfrentamento de terríveis piratas até as maldições e motins marítimos. Por fim, registrou que o seu pequeno personagem fora vitorioso, inclusive derrotando o experiente pirata Long John Silver, famoso por sua maldade, perspicácia e violência.

 Não sem razão sua aventura foi contada, recontada, transmitida, plagiada, filmada ou admirada por vários autores, escritores, diretores cinematográficos e milhares de pessoas. E não era para menos, pois a busca de um tesouro constitui a própria razão de ser para várias pessoas, dogmas e teorias, científicas ou não. O tesouro da vida, o tesouro da juventude, o tesouro da felicidade, o tesouro do amor eterno, o tesouro da riqueza, o tesouro do sucesso e centenas de outros, corpóreos ou não.

Conquistar um ou todos esses cobiçados tesouros é aventura para muitas jornadas, algumas até servindo de estrela guia, mera referência utópica ou uma obsessão exagerada. É bem verdade que a busca por estes tesouros exige percorrer mares bravios, enfrentar tempestades imprevisíveis e navegar, pacientemente, sobre todas as ondas que se atiram na embarcação que chamamos de vida. É preciso, ainda, reconhecer o direito dos outros navegantes, não pirateando suas conquistas ou afundando seus sonhos antes mesmo da partida.

Eis porque não se pode impedir que os ventos da igualdade soprem, igualitariamente, sobre todas as caravelas, fazendo equilibrar uma aventura já diferenciada pelo poderio financeiro ou bélico de algumas esquadras. Eis porque não pode aceitar que alguns navegantes, exatamente os filhos dos comandantes destas frotas mais poderosas, desviem para si próprios todos os ventos soprados, rasgando, de quebra, todas as cartas náuticas que possam orientar os mais simples marinheiros. Eis porque a possibilidade de descobrir um tesouro perdido não pode ser um privilégio de poucos, nem, tampouco, uma simples disputa entre os marujos e os comandantes, atiçados pela cobiça dos piratas.

A busca pelo tesouro do emprego é uma dessas aventuras em que não se admite privilégios ou atos de pirataria, ainda mais quando este emprego é remunerado com recursos públicos.  O vento do concurso público é a única forma de fazer com que todos possam sonhar e partir na busca deste tesouro tão querido e que permite, de uma soprada só, retribuir a conquista alcançada, servindo dignamente àquele que o serviu. E o Brasil, já abalado pelo furacão da desigualdade social e agitado pelo maremoto da concentração de renda, não se pode dizer um mar democrático enquanto permitir que os filhos dos comandantes das embarcações públicas sejam convertidos, voluntária ou involuntariamente, em piratas dos sonhos alheios.

Exatamente por isso foi recebido com um sopro de alento, abalando o que já se caracterizava como óbvia calmaria, a recente decisão do Conselho Nacional de Justiça que proibiu a prática de nepotismo no âmbito do Poder Judiciário. O baú estatístico do Tribunal de Justiça de Pernambuco, aberto recentemente pela Fundação Joaquim Nabuco em parceria com a Associação de Juízes para a Democracia, bem demonstra o potencial financeiro deste cobiçado tesouro. Apontou-se que somente naquele pequeno barco, um dos vários que trafegam país afora, se gasta por ano aproximadamente quatro milhões e setecentos mil reais para pagar parentes de magistrados.

 Espera-se, agora, que esta louvável brisa também contagie os demais poderes da República, fazendo naufragar definitivamente as naus do privilégio e do uso privado da coisa pública. Espera-se, ainda, que os filhos dos comandantes, através das águas límpidas do certame público, também possam demonstrar que têm competência para cruzar sozinhos os mares da vida, ousando embarcar na aventura democrática, reconquistando o tesouro perdido. Espera-se, finalmente, que todos os cidadãos brasileiros tenham assegurado o direito de livre-navegar o grande oceano do serviço público, independentemente do porto que tenha nascido ou das caravelas que tenha partido, assim com um dia fez o vitorioso jovem Jim Hawkins.

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