O papa Bento XVI
O papado sempre foi algo extremamente curioso. Para não dizer aquele desejo sacro que todos nós temos. A visita de Joseph Ratzinger ao Brasil vem em momento oportuno num país dividido entre a violência e o caos. Um país com maioria católica, consternado e multifacetado por não ter poder econômico para nada. A visita de Bento XVI nos devolve uma pseudo paz que já não temos. A sociedade está carente de respostas e precisa, mesmo buscando no pontífice de uma ponta de esperança para seus desejos. Numa sociedade onde os desejos não são satisfeitos não pode haver democracia. É tudo uma mentira, crianças morrendo ainda de pneumonia e a polícia atirando nas favelas, macrocosmo de nossa miséria e indignação.
A segurança do Papa é necessária, mas o cidadão não tem nem um por cento deste aparato, levando balas achadas na nuca por uma polícia paga para defender o cidadão. Há de se render à simpatia de Bento XVI, um homem alegre, aparentemente cordato, que sorri, de gestos comedidos e que aparece na sacada do mosteiro seis vezes, quebrando o protocolo para saudar o seu rebanho.
Mas Joseph Ratzinger vem de uma escola radical, quase sectária, conservadora. É contra a teologia da libertação, a mais desbravadora visão de liberdade para o povo da América Latina, povo esse oprimido, vendido, indigente, com níveis de pobreza dantescos e excluídos de todo um processo de civilidade, incluindo aí a ausência total de saúde, lazer, cultura, educação. A Igreja católica não quer discutir temas como aborto, natalidade, castidade, células tronco. Quer impor. Isto é secularmente grave e aviltante. Bento XVI, ao que parece, com toda a sua indumentária de seda e cordões de ouro, não quer abrir para uma teologia da libertação do homem, ser que Cristo pediu para amar como eu vos amei..
A passagem de Bento XVI por São Paulo, um estado aterrorizante e aterrorizado pelo desmando e pela desigualdade social, tem pontos positivos do homem em busca pela fé, da canonização de Frei Galvão, do interior da capital paulista e de uma unificação maior da igreja em torno da doutrina católica, hoje desafiada pelos evangélicos e pela Igreja Universal do Reino de Deus, que prega, inclusive, os cultos afros para expulsar demônios, exus e ebós, sem o mínimo respeito com os cultos afro-brasileiros.
A fome, a doença, a miséria, o galope da violência desmedida, a prostituição infanto-juvenil, o aborto, a sexualidade – todos estes temas devem estar na agenda de um pastor que não acompanha a modernidade, defende a vida, mas que se morra de aborto clandestino, defende a liberdade mas prega a castidade de seus padres, recebe de Lula o programa Bolsa Família, mas não amplia essa discussão para uma sociedade mais igualitária, sem opulência, sem ostentação.
Todos nós vivemos ditaduras bem pessoais. Somos violados no nosso direito, insuflados por uma mídia vendida e cruel e o Papa, representante de Pedro na terra pode ajudar nesta mudança de paradigma, nesta recondução do homem a caminho da libertação plena, independente de credo, raça, sexo, nacionalidade.
A travessia de Bento XVI pelo nosso tempo é positiva porque nos faz mais democráticos em torno de conceitos ortodoxos, pluralidade de pensamentos e idéias. Mas é preciso repensar a igreja como caminho para a libertação do homem. Os escravizados, assalariados, presos, excluídos, aviltados, mutilados, discriminados, torturados precisam de uma palavra imediata desta Igreja, há séculos nos devendo uma resposta.