A legislação trabalhista brasileira é uma das mais conservadoras do mundo, pois centrada na fixação de direitos tão mínimos que se tornam imperceptíveis quando comparados com os países desenvolvidos. E não é preciso grandes estudos para se chegar a esta triste compreensão. Basta que se observe o que sobra mensalmente no bolso ou na panela do trabalhador. Fartas mesmo somente a quantidade de horas trabalhadas para aumentar a renda familiar e a ausência de perspectiva de que as coisas melhorarão quando da aposentadoria. Se o trabalhador for enquadrado como doméstico a coisa fica pior ainda, pois sequer horas extras têm o direito de receber. Tampouco adianta reclamar, pois estabilidade no emprego é um produto que somente se encontra no além-mar, embora o desemprego seja um artigo abundante do lado de cá.
Mas a legislação trabalhista não está em pleno vigor por obra e graça do Divino Espírito Santo. Muito menos nasceu da vontade altruísta do próprio trabalhador, enxergando no seu sacrifício uma forma de salvação eterna. Ela é fruto do trabalho político do próprio homem. Decorre de uma concepção de mundo. Deriva da velha compreensão de que o trabalho é mero custo de produção, destinado tão-somente a fornecer riquezas para os que detêm os meios de produção. É filha do grupo majoritário que manda na política brasileira desde tempos imemoriais.
Em termos mais precisos ou atuais, a legislação trabalhista é filha do Congresso Nacional, a quem cabe gerir toda e qualquer norma de direito do trabalho. É de competência de cada parlamentar federal fazer nascer um direito para o trabalhador ou determinar a morte de um outro considerado mais injusto. É dele a iniciativa ou aprovação final de todo projeto de lei destinado a criar, regulamentar ou disciplinar o Direito do Trabalho. É o parlamentar brasileiro, em resumo, uma espécie de deus para o direito do trabalhador. Cruel ou caridoso, conforme o credo abraçado.
Foram os parlamentares quem estabeleceram, por exemplo, o direito dos trabalhadores perceberem pelas horas extras efetivamente trabalhadas e comprovadas. Foi o Congresso Nacional quem aprovou a autorização para que se descontasse dos salários os dias em que o trabalhador faltou ao serviço, desde que não legalmente justificadas. Foi o parlamento federal, nesta mesma linha punitiva, quem firmou a permissão de se demitir o trabalhador por justa causa quando, desidiosamente, faltar ao trabalho. Escrevendo em outras palavras: o parlamento nacional estabeleceu que o trabalhador somente deve receber pelos serviços extraordinários que realmente comprovar, bem assim que pode o empregador descontar as horas em que o seu empregado faltar, demitindo-o justificadamente se insistir em sua falta.
O Congresso apenas “esqueceu” de aplicar estas regras aos próprios parlamentares, praticando o vergonhoso lema do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Neste sentido, indignamente, convocou os seus próprios serviços extraordinários, embora tivesse evitado trabalhar durante todo o ano. Continuando o despudor, permanece sem trabalhar durante este período, pagando pelos serviços extraordinários não trabalhados. E salvo algumas honrosas exceções, permanecem zombando dos cidadãos, sendo remunerados sem qualquer remorso pela apropriação imoral do patrimônio público.
Talvez seja esta a grande oportunidade para se estabelecer uma nova regra de direito do trabalho, o direito à reciprocidade de tratamento. Destinar ao parlamentar o mesmo tratamento por ele fornecido ao cidadão. Investigar o que ele faz do mandato. Se efetivamente trabalha ou é faltoso. Descobrir como tem votado nas questões sociais e como compreende o próprio Direito do Trabalho. Pesquisar de recebeu ou devolveu o pagamento pelas horas em que não trabalhou. Enfim, exigir que preste conta ao seu verdadeiro empregador do mandato que detém.
Afinal, sendo este um ano eleitoral, em que os parlamentares necessitam renovar os seus respectivos contratos de trabalho, cabe-nos cobrar a cláusula de reciprocidade. E como eles caracterizaram como faltas graves, passíveis de demissão por justa causa, a desobediência e a ausência reiterada ao serviço, devemos concretizar o que foi aprovado e dar o troco. Nas próximas eleições rescindiremos motivadamente os contratos, não os elegendo para mais um mandato desidioso.