O STF e as uniões homoafetivas – Parte III

LUIZ FUX

O Ministro Luiz Fux, em seu voto, partiu de diversas premissas.

A primeira: a homossexualidade é um fato da vida. Existem homossexuais, que nessa condição estabelecem relações e organizam suas vidas, e que muitas vezes não assumem publicamente essa forma de viver por receio da discriminação e do preconceito:

A homossexualidade é um fato da vida. Há indivíduos que são homossexuais e, na formulação e na realização de seus modos e projetos de vida, constituem relações afetivas e de assistência recíproca, em convívio contínuo e duradouro – mas, por questões de foro pessoal ou para evitar a discriminação, nem sempre público – com pessoas do mesmo sexo, vivendo, pois, em orientação sexual diversa daquela em que vive a maioria da população.

Outra importante premissa que apresentou em seu voto foi a de que a homossexualidade é uma orientação e não uma opção, fazendo questão de pontuar a necessária correção de muitos que, mesmo defendendo a causa, falam em “opção”, como se os homossexuais “optassem” por manter relações afetivas com pessoas do mesmo sexo:

A segunda premissa importante é a de que a homossexualidade é uma orientação e não uma opção sexual. Já é de curso corrente na comunidade científica a percepção – também relatada pelos diversos amici curiae – de que a homossexualidade não constitui doença, desvio ou distúrbio mental, mas uma característica da personalidade do indivíduo.
Sendo assim, não parece razoável imaginar que, mesmo no seio de uma sociedade ainda encharcada de preconceitos, tantas pessoas escolhessem voluntariamente um modo de vida descompassado das concepções morais da maior parte da coletividade, sujeitando-se, sponte propria, à discriminação e, por vezes, ao ódio e à violência.
Independentemente da origem da homossexualidade – isto é, se de raiz genética, social, ambas ou quaisquer outras –, tem-se como certo que um indivíduo é homossexual simplesmente porque o é. Na verdade, a única opção que o homossexual faz é pela publicidade ou pelo segredo das manifestações exteriores desse traço de sua personalidade. (Pre)Determinada a sua orientação sexual, resta-lhe apenas escolher entre vivê-la publicamente, expondo-se a toda sorte de reações da sociedade, ou guardá-la sob sigilo, preservando-a sob o manto da privacidade, de um lado, mas, de outro, eventualmente alijando-se da plenitude do exercício de suas liberdades.

Uma terceira premissa de seu voto é a de que, exatamente como desdobramento das duas primeiras, a homossexualidade “não é uma ideologia ou cença”.

A quarta premissa é de ordem fática: os homossexuais constituem vida em comum, em relações duradouras, com objetivos de compartilhar projetos de vida. E isso acontece, como sempre aconteceu, sendo fato da vida. Citou dados do IBGE (censo 2010) de acordo com os quais atualmente há mais de 60.000 uniões homoafetivas declaradas no país, sendo de se presumir que outras tantas não foram declaradas.

Sua quinta premissa é estritamente jurídica: não existe qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento de uniões homoafetivas:

A quinta premissa não é fática, mas jurídica: não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento de uniões homoafetivas. Não existe, no direito brasileiro, vedação às uniões homoafetivas, haja vista, sobretudo, a reserva de lei instituída pelo art. 5.º, inciso II, da Constituição de 1988 para a vedação de quaisquer condutas aos indivíduos.

Daí concluir que o questionamento a se fazer não é se as uniões homoafetivas encontram amparo na Constituição, pois é sabido que sim, possuem. O grande questionamento é saber qual é o tratamento jurídico a ser conferido, de modo “constitucionalmente adequado”, às uniões homoafetivas.

Ao examinar esse mérito, o Ministro Luiz Fux aponta que a proteção constitucional da família é veículo de realização de direitos fundamentais:

Tem-se, pois, que a proteção constitucional da família não se deu com o fito de se preservar, por si só, o tradicional modelo biparental, com pai, mãe e filhos. Prova disso é a expressa guarida, no § 4.º do art. 226, das famílias monoparentais, constituídas apenas pelo pai ou pela mãe e pelos descendentes; também não se questiona o reconhecimento, como entidade familiar inteira, dos casais que, por opção ou circunstâncias da vida, não têm filhos. Bem ao contrário, a Constituição de 1988 consagrou a família como instrumento de proteção da dignidade dos seus integrantes e do livre exercício de seus direitos fundamentais, de modo que, independentemente de sua formação – quantitativa ou qualitativa –, serve o instituto como meio de desenvolvimento e garantia da existência livre e autônoma dos seus membros.

Para Luiz Fux, o que faz uma família não são os laços sanguíneos, mas o amor, não mera afeição entre indivíduos, mas amor familiar, caracterizado pela comunhão de propósitos, como um projeto duradouro, coletivo e permanente, bem como pela identidade que é a convicção de um vínculo inquebrantável que os identifica reciprocamente e também cada um perante a sociedade.

Não havendo hierarquia entre casamento e união estável (havendo apenas diferenças formais, como, por exemplo, do casamento se exigem solenidades documentais e cartorárias, mas por outro lado a união estável, para ser comprovada, demandará em muitos casos produção de provas que, no casamento, são substituídas por mera certidão), “(…) o que distingue, do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis, heteroafetivas, das uniões homoafetivas?”.

Ao responder a esse questionamento, Luiz Fux não poderia ser mais veemente: para ele, nada, absolutamente nada, distingue ontologicamente essas uniões. E se não há nenhuma distinção ontológica entre elas, não se pode considerar apenas a primeira uma entidade família, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da igualdade, fraternidade e proibição de preconceito e discriminação:

Impõe-se, ao revés, entender que a união homoafetiva também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família, merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre pessoas de sexos opostos.

Finaliza o seu voto apontando que, nesse quadro, assegurar a igualdade de direitos entre as uniões homoafetivas e uniões heteroafetivas é também assegurar a efetividade, no ponto, do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República (Art. 1°, inciso III), em sua modalidade central, que é a autonomia da vontade, cabendo ao Estado proteger essa autonomia licitamente e livremente exercida.

Com o que conclui o seu voto pela procedência das ações,

(…) de modo a que seja o art. 1.723 do Código Civil vigente (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) interpretado conforme a Constituição, para determinar sua aplicabilidade não apenas à união estável estabelecida entre homem e mulher, como também à união estável constituída entre indivíduos do mesmo sexo.

CARMEM LÚCIA

A Ministra Carmem Lúcia deu especial atenção à fundamentação técnica da possibilidade de adoção, no caso, da interpretação conforme a Constituição da norma do Art. 1.723 do Código Civil, registrando que, assim como já o fizera o Ministro Carlos Britto, repete redação do Art. 226, § 3º da Constituição da República.

Daí considerar a importância de se interpretar a própria extensão e alcance da norma constitucional para, em seguida, conferir ao Art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme a Constituição.

Para a Ministra Carmen Lúcia, como sistema, “(…) a Constituição haverá de ser interpretada como um conjunto harmônico de normas, no qual se põe uma finalidade voltada à concretização de valores nela adotados como princípios”.

Daí porque é necessário interpretar a norma constitucional no contexto em que está inserida:

No exercício desta tarefa interpretativa, não me parece razoável supor que qualquer norma constitucional possa ser interpretada fora do contexto das palavras e do espírito que se põe no sistema.

Pois é interpretando contextualmente a norma do § 3° do Art. 226 da Constituição que Carmen Lúcia conclui que a menção, ali, à união estável entre homem e mulher se dá para assegurar, expressamente, o reconhecimento da união estável como entidade familiar, o que não significa, todavia, “(…) que se não for um homem e uma mulher, a união não possa vir a ser também fonte de iguais direitos. Bem ao contrário, o que se extrai dos princípios constitucionais é que todos, homens e mulheres, qualquer que seja a escolha do seu modo de vida, têm os seus direitos fundamentais à liberdade, a ser tratado com igualdade em sua humanidade, ao respeito, à intimidade devidamente garantidos”.

Ademais, Carmen Lúcia argumenta que é objetivo fundamental da República a promoção de uma sociedade sem preconceitos e sem discriminação e, portanto, inadmissível qualquer interpretação que diminua restrinja o âmbito de movimentação cível e comunitária de pessoas em decorrência de orientação sexual:

Se a República põe, entre os seus objetivos, que o bem de todos haverá de ser promovido sem preconceito e de qualquer forma de discriminação, como se permitir, paralelamente, seja tida como válida a inteligência de regra legal, que se pretenda
aplicada segundo tais princípios, a conduzir ao preconceito e à discriminação?
(…)
A interpretação correta da norma constitucional parece-me, portanto, na sequência dos vetores constitucionais, ser a que conduz ao reconhecimento do direito à liberdade de que cada ser humano é titular para escolher o seu modo de vida, aí incluído a vida afetiva com o outro, constituindo uma instituição que tenha dignidade jurídica, garantindo-se, assim, a integridade humana de cada qual.

Carmem Lúcia conclui então o seu voto apontando que os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, cidadania, pluralismo, igualdade, não-discriminação, todos amparando os direitos fundamentais de liberdade e intimidade, são suficientes para decidir que a Constituição, como sistema, protege sim a união homoafetiva. Daí porque julga as ações procedentes para

(…) nos termos dos pedidos formulados, para reconhecer admissível como entidade familiar a união de pessoas do mesmo sexo e os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis serem reconhecidos àqueles que optam pela relação homoafetiva.

RICARDO LEWANDOWSKI

O Ministro Ricardo Lewandowski inicia o seu voto identificando os três tipos de família que a Constituição assegura: aquela constituída pelo casamento, a configurada por união estável entre homem e mulher e, por último, a que se denomina monoparental.

Nesse ponto, divergiu do Relator, para assentar o seu posicionamento segundo o qual a união entre pessoas do mesmo sexo não se enquadra em nenhuma dessas citas espécies de entidade familiar albergadas explicitamente no texto constitucional:

Assim, segundo penso, não há como enquadrar a união entre pessoas do mesmo sexo em nenhuma dessas espécies de família, quer naquela constituída pelo casamento, quer na união estável, estabelecida a partir da relação entre um homem e uma mulher, quer, ainda, na monoparental. Esta, relembro, como decorre de expressa disposição constitucional, corresponde à que é formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Citou ainda, como reforço de sua argumentação quanto a esse aspecto, que nos debates travados na Assembléia Nacional Constituinte o tema foi debatido e a vontade explícita foi a de estabelecer que a união estável seria uma união apenas de pessoas de sexo diferente:

Os constituintes, como se vê, depois de debaterem o assunto, optaram, inequivocamente, pela impossibilidade de se abrigar a relação entre pessoas do mesmo sexo no conceito jurídico de união estável.

Todavia, tal premissa não impediu o Ministro Ricardo Lewandowski de acompanhar o voto do Relator quanto às conclusões. Sustenta Lewandowski que a união homoafetiva, embora não seja união estável, é um quarto gênero de entidade familiar, “(…) a qual pode ser deduzida a partir de uma leitura sistemática do texto constitucional e, sobretudo, diante da necessidade de dar-se concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da preservação da intimidade e da não-discriminação por orientação sexual aplicáveis às situações sob análise”.

Isso porque o rol de entidades familiares da Constituição é meramente exemplificativo, não excluindo outras que possam ser legalmente concebidas à luz dos demais preceitos da própria Constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional:

Assim, muito embora o texto constitucional tenha sido taxativo ao dispor que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diversos, tal ressalva não significa que a união homoafetiva pública, continuada e duradoura não possa ser identificada como entidade familiar apta a merecer proteção estatal, diante do rol meramente exemplificativo do art. 226, quando mais não seja em homenagem aos valores e princípios basilares do texto constitucional.

Embora não reconheça a união homoafetiva como modalidade de união estável, Ricardo Lewandowski extrai da Constituição que a união homoafetiva é espécie de entidade familiar, devendo seu regime jurídico ser extraído do instituto jurídico que lhe é mais próximo, exatamente o da união estável heteroafetiva.

Por todos esses motivos, julgou procedentes as ações,

(…) para que sejam aplicadas às uniões homoafetivas, caracterizadas como entidades familiares, as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais, excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que sobrevenham disposições normativas específicas que regulem tais relações.

JOAQUIM BARBOSA

Para o Ministro Joaquim Barbosa, que acompanhou o Relator, a Constituição “estabelece, de forma cristalina, o objetivo de promover a justiça social e a igualdade de tratamento entre os cidadãos”, e, mais ainda, inclui dentre os objetivos fundamentais da República a promoção do bem de todos sem preconceitos ou qualquer espécie de discriminação.

Nesse contexto, sustentou o entendimento segundo o qual a Constituição, embora não cite nem proíba o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, tal reconhecimento decorre de princípios adotados por ela própria, bem como de tratados internacionais de que o Brasil é signitário. E que tal reconhecimento, portanto, não depende de regulamentação legislativa.

GILMAR MENDES

O Ministro Gilmar Mendes defendeu o ponto de vista de que o silêncio do Congresso Nacional sobre a importante matéria legitima a atuação do STF na implementação de direitos fundamentais, em respeito aos direitos das minorias.

Daí porque julgou as ações procedentes, tão apenas para reconhecer a existência legal da união homoafetiva, por aplicação analógica do texto constitucional, sem se manifestar sobre outros desdobramentos.

ELLEN GRACIE

Ao acompanhar em linhas gerais o voto do Relator, a Ministra Ellen Gracie destacou que a decisão do STF restitui aos homossexuais o respeito que merecem, “reconhecendo seus direitos, restaurando sua dignidade, afirmando sua identidade e restaurando a sua liberdade”.

MARCO AURÉLIO

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio fez uma abordagem histórico-evolutiva da família e sua proteção jurídica:

Revela-se, então, a modificação paradigmática no direito de família. Este passa a ser o direito “das famílias”, isto é, das famílias plurais, e não somente da família matrimonial, resultante do casamento. Em detrimento do patrimônio, elegeram-se o amor, o carinho e a afetividade entre os membros como elementos centrais de caracterização da entidade familiar. Alterou-se a visão tradicional sobre a família, que deixa de servir a fins meramente patrimoniais e passa a existir para que os respectivos membros possam ter uma vida plena comum. Abandonou-se o conceito de família enquanto “instituição-fim em si mesmo”, para identificar nela a qualidade de instrumento a serviço da dignidade de cada partícipe.

E, se é assim, a Constituição ampara a união homoafetiva como entidade familiar:

Se o reconhecimento da entidade familiar depende apenas da opção livre e responsável de constituição de vida comum para promover a dignidade dos partícipes, regida pelo afeto existente entre eles, então não parece haver dúvida de que a Constituição Federal de 1988 permite seja a união homoafetiva admitida como tal. Essa é a leitura normativa que faço da Carta e dos valores por ela consagrados, em especial das cláusulas contidas nos artigos 1º, inciso III, 3º, incisos II e IV, e 5º, cabeça e inciso I.

Marco Aurélio fez questão de frisar, em seu voto, que o Direito Civil foi o ramo do direito que mais foi redimensionado pela mudança de paradigmas axiológicos proporcionados pela Constituição de 1988, em especial quanto à projeção do princípio da dignidade da pessoa humana:

O Direito Civil é possivelmente o ramo da ciência jurídica mais afetado pela inserção do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, porquanto estampa diretamente os costumes e os valores da sociedade, razão pela qual tantas vezes o Código Civil é rotulado como “a Constituição do homem comum”.
(…)
O Direito Civil, na expressão empregada por Luiz Edson Fachin, sofreu uma “virada de Copérnico”, foi constitucionalizado e, por consequência, desvinculado do patrimônio e socializado. A propriedade e o proprietário perderam o papel de centralidade nesse ramo da ciência jurídica, dando lugar principal à pessoa. É o direito do “ser”, da personalidade, da existência.

É também a partir dessas considerações que Marco Aurélio interpreta que as uniões homoafetivas não podem ser relegadas a um tratamento jurídico impróprio:

A afetividade direcionada a outrem de gênero igual compõe a individualidade da pessoa, de modo que se torna impossível, sem destruir o ser, exigir o contrário. Insisto: se duas pessoas de igual sexo se unem para a vida afetiva comum, o ato não pode ser lançado a categoria jurídica imprópria. A tutela da situação patrimonial é insuficiente. Impõe-se a proteção jurídica integral, qual seja, o reconhecimento do regime familiar. Caso contrário, conforme alerta Daniel Sarmento3, estar-se-á a transmitir a mensagem de que o afeto entre elas é reprovável e não merece o respeito da sociedade, tampouco a tutela do Estado, o que viola a dignidade dessas pessoas, que apenas buscam o amor, a felicidade, a realização.

Finaliza a sua argumentação aduzindo que o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República (Art. 1º, inciso III), impõe atuação do STF na proteção das situações jurídicas existenciais:

O Estado existe para auxiliar os indivíduos na realização dos respectivos projetos pessoais de vida, que traduzem o livre e pleno desenvolvimento da personalidade. O Supremo já assentou, numerosas vezes, a cobertura que a dignidade oferece às prestações de cunho material, reconhecendo obrigações públicas em matéria de medicamento e creche, mas não pode olvidar a dimensão existencial do princípio da dignidade da pessoa humana, pois uma vida digna não se resume à integridade física e à suficiência financeira. A dignidade da vida requer a possibilidade de concretização de metas e projetos. Daí se falar em dano existencial quando o Estado manieta o cidadão nesse aspecto. Vale dizer: ao Estado é vedado obstar que os indivíduos busquem a própria felicidade, a não ser em caso de violação ao direito de outrem, o que não ocorre na espécie.
Certamente, o projeto de vida daqueles que têm atração pelo mesmo sexo resultaria prejudicado com a impossibilidade absoluta de formar família. Exigir-lhes a mudança na orientação sexual para que estejam aptos a alcançar tal situação jurídica demonstra menosprezo à dignidade. Esbarra ainda no óbice constitucional ao preconceito em razão da orientação sexual.

Por todos esses fundamentos, o Ministro Marco Aurélio julgou as ações procedentes, para

(…) conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 1.723 do Código Civil, veiculado pela Lei nº 10.406/2002, a fim de declarar a aplicabilidade do regime da união estável às uniões entre pessoas de sexo igual.

CELSO DE MELLO

O Ministro Celso de Mello também iniciou o seu voto efetuando um amplo comentário histórico-evolutivo das relações sociais de família e seu tratamento jurídico.

Em seguida, ressaltou o caráter histórico do julgamento que ora realizava a Suprema Corte. Ao acompanhar o voto do Relator, citou diversos ensinamentos doutrinários e precedentes judiciais de instâncias de base.

Apresentou sua interpretação segunda a qual a extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico das uniões heteroafetivas, decorre de expressa incidência de princípios fundamentais da Constituição:

(…) entendo que a extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar.

Com base nesses fundamentos, Celso de Mello julgou procedentes as ações, para

(…) com efeito vinculante, declarar a obrigatoriedade do reconhecimento, como entidade familiar, da união entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidos os mesmos requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher, além de também reconhecer, com idêntica eficácia vinculante, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros na união entre pessoas do mesmo sexo.

CEZAR PELUSO

Último a votar, o Presidente do STF acompanhou o Relator, com o que declarou resultado unânime (o Minstro Dias Toffoli não participou do julgamento, porque se manifestara no processo na condição de Advogado-Geral da União).

Ao finalizar a sessão, o Ministro Cezar Peluso conclamou o Poder Legislativo a regulamentar os aspectos pendentes, após a histórica decisão do STF:

(…) estamos diante de um campo hipotético que em relação aos desdobramentos deste importante julgamento da Suprema Corte brasileira, nós não podemos examinar exaustivamente, por diversos motivos.
(…) sequer a nossa imaginação seria capaz de prever todas as consequências, todos os desdobramentos, todas as situações advindas do pronunciamento da Corte.
Da decisão da Corte folga um espaço para o qual, penso eu, quem tem que intervir é o Poder Legislativo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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