O TCE não é mais o mesmo – Marcos Cardoso

O experiente conselheiro Carlos Pinna de Assis anunciou quarta-feira, menos de dez meses depois de ter assumido, sua renúncia à presidência do Tribunal de Contas do Estado, cargo que ocupava pela segunda vez desde 8 de março. Ele substituiu o interino Carlos Alberto Sobral de Souza que, por sua vez, concluiu o mandato do aposentado Hildegards Azevedo. Pois Carlos Pinna não quis mais ser presidente. Não é estranho que o mandatário de um órgão tão cobiçado quanto o TCE renuncie assim? Se alcançar ser conselheiro é muito bom, ser presidente daquele colegiado parece ser ótimo. Ou não?

Fez um ano agora, dia 29, que Flávio Conceição de Oliveira Neto foi empossado como conselheiro do TCE. Nem sempre às vistas de todos, muitos gostariam de chegar lá. Até deputado federal amigo do governador queria. Mas só o matreiro Flávio Conceição conseguiu dobrar as demais pretensões para acabar sendo ungido pela unanimidade da Assembléia Legislativa. Foi o maior fiasco que os deputados desta legislatura cometeram.

Pois bem, Carlos Pinna alega razões especiais para renunciar à presidência. Diz que foi convocado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) para uma “missão nacional”, qual seja, participar da elaboração da Lei Nacional dos Tribunais de Contas. Não se está aqui discutindo a importância da sua contribuição à causa encabeçada pela entidade nacional que também já presidiu. Mas a pergunta que ninguém consegue evitar fazer é: se o TCE não estivesse passado pela atual crise moral e de credibilidade, o presidente precisaria renunciar? Provavelmente não.

PERGUNTAS SEM RESPOSTAS — É uma pena que Carlos Pinna deixe a presidência do TCE sem dar respostas a algumas questões importantes que foram encobertas, mas que ficaram latentes. A exemplo de um contrato que remete à gestão de Hildegards, em 2006, supostamente superfaturado segundo denúncia do conselheiro Carlos Alberto. Seriam R$ 2,75 milhões para os quais até hoje não se encontrou uma explicação lógica e que os nobres representantes da (ex-) dileta corte nem querem ouvir falar. Havia um inquérito investigando o superfaturamento. Alguém tem notícia do apurado?

Há também o mal explicado caso dos comissionados. O presidente Carlos Pinna recebeu requerimento da Assembléia Legislativa, aprovado no dia 18 de outubro, solicitando que apresentasse em 30 dias as devidas informações referentes aos cargos comissionados e aos contratos de emprego formalizados pelas empresas terceirizadas que prestam serviço ao órgão, relativas ao período de 2004 a 2007. O requerimento, de autoria de Wanderlê Correia, era na verdade uma denúncia do deputado sobre “a relação político-eleitoreira adotada por ele, no Tribunal”. O TCE teria que ter enviado o cadastro de todos os funcionários contratados pelo órgão e pelas empresas, com as respectivas datas de admissão e demissão de cada um. Wanderlê acusava o conselheiro de nomear supostos aliados políticos do filho, vereador Carlos Pinna Júnior, pretenso candidato a prefeito de São Cristóvão. Pois Pinna pai saiu de férias, depois se licenciou do cargo, foi substituído pela conselheira Isabel Nabuco D’Ávila, e nada ficou esclarecido.

 

DESPE-SE A TOGA — A já rasgada toga do TCE de Sergipe foi despida, na verdade, em maio, quando eclodiu a Operação Navalha, da Polícia Federal. Flávio Conceição foi desmascarado, apontado publicamente por uma ministra do Superior Tribunal de Justiça como elo de uma organização criminosa. O esguichar do sangue respingou diretamente sobre outros dois conselheiros, Isabel e Reinaldo Moura. Ela teve sua aura de austeridade obnubilada pela revelação de conversas telefônicas comprometedoras com o Flávio, que prometia a ela um suposto “doce de leite”. Ele, Reinaldo, atendendo pleito de Flávio, conseguiu suspender, no mês de março, a auditoria independente que seria feita pela Deso para analisar sete contratos de obras da gestão anterior. Este fato revelado na Operação Navalha foi dado em primeira mão aqui, nesta coluna.

Em junho, no transcorrer do sepultamento moral da corte, o deputado federal Jackson Barreto fez um discurso na Câmara denunciando nacionalmente o que chamou de “as falcatruas do Tribunal de Contas e os negócios escusos da maioria dos seus conselheiros”. Diante dos clamores sobre o afastamento daquele diretamente envolvido com a Construtora Gautama, quase eleito bode expiatório da crise, o deputado indagava: “Por que afastar somente o conselheiro Flávio Conceição? Este é o momento de passarmos a limpo o Tribunal de Contas de Sergipe e redefinirmos seu papel. Tribunal de Contas não é um poder, mas sim um órgão auxiliar do Legislativo”, afirmava, arrematando com uma comparação bem jackseana: “Tenho certeza de que nos presídios sergipanos tem cidadãos cumprindo pena com uma vida mais limpa e honesta do que alguns desses conselheiros”.

Jackson enumerou “acertas, negociatas, pagamentos e até doce de leite para uma conselheira” e afirmou que os conselheiros “não resistiriam a uma investigação sobre a origem dos seus bens, grandes patrimônios, incompatíveis com suas origens de funcionários públicos, (…) que têm seus negócios privados, usam o cargo para ampliá-los, pressionando, coagindo prefeitos, obrigando-os a fazer negócios com suas empresas e outros usando o Tribunal de Contas para seus projetos políticos, ameaçando e chantageando. Coitado do prefeito que não se submeter às vestais do Tribunal de Contas. Estarão com seus dias contados”.

E denunciou que os gabinetes da maioria dos conselheiros são verdadeiros comitês eleitorais. “Acordos, negociatas, ameaças, chantagens, pressões. Tudo é feito em nome dos seus ‘projetos’. Definem de forma solidária julgamentos e condenam de acordo com seus interesses políticos e econômicos. É uma vergonha! Ao seu bel prazer os conselheiros transformam prefeitos honestos em desonestos, e prefeitos desonestos em honestos. Tramam nos bastidores contra cidadãos para torná-los inelegíveis e assim facilitam a vida dos seus aliados e dos seus negócios”.

E, por fim, atacou com sarcasmo o empreguismo, o compadrio e a superlotação de servidores. “Evidente que o Tribunal de Contas é a galinha dos ovos de ouro dos conselheiros e familiares com altos cargos comissionados, dobrando assim a renda salarial de suas famílias pobrezinhas”.

É, deve ser mesmo uma missão espinhosa presidir este Tribunal de Contas.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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