OBRAS PARA VER, MOTIVAR E MODIFICAR

A Galeria Jenner Augusto, inserida no Complexo Cultural da Sociedade Semear, está mostrando uma coletânea que tem chamado a atenção de todos pela qualidade dos quadros expostos, todos eles pintados pelos mais consagrados artistas brasileiros. A mostra somente está sendo possível em decorrência de um convênio firmado com a Galeria José de Dome, que muito tem contribuído para a divulgação da arte no solo sergipano. Burle Marx, Rapoport, Carlos Bracher, Castagneto, Manabu Mabe, Volpi, Visconti, Antônio Bandeira, Iberê Camargo, João Batista Costa, Belmiro de Almeida, Sigaud, Gustavo Dall’Ara, Antônio Parreiras, Cícero Dias, José de Dome, Jenner, Florival Santos, Chico da Silva, José Lima, Álvaro Santos, Jordão de Oliveira, Maria Vasco, Manoel Santiago, José Benigno Ribeiro, Tadashi Kaminagai, Caribé, Reynaldo Fonseca, Mário Zanini, Santa Rosa, Ademir Martins e Antônio Parreiras estão à disposição de todos aqueles que apreciam o belo.

Para melhor socializar o amor e a importância da arte, a Galeria implantou um interessante sistema de visitas monitoradas, como fazem a melhores galerias, permitindo que os seus visitantes se integrem no mundo mágico dos artistas, das obras expostas e dos movimentos que os inspiraram. Expressionismo, modernismo, cubismo, surrealismo, academismo, impressionismo, figurações líricas e expressivas, art déco, realismo, dentre outros movimentos artísticos, deixam de ser nomes desconhecidos ou distantes, sendo expostos ao olhar daquele que ali comparece. É difícil não se encantar com as obras expostas, ainda mais quando acompanhadas com as igualmente belas aulas das monitoras-voluntárias Renata Saladino e Graziele Ferreira.

O resultado não poderia ser diferente, várias escolas, inclusive do interior do Estado, têm visitado a Galeria, todas elas acompanhadas e motivadas pelos professores encarregados pela área de cultura. Mas são as visitas e os interesses demonstrados pelas crianças que têm surpreendido a todos, mesmo quando não estimuladas pelas brincadeiras das monitoras e dos professores que as acompanham. E foi uma dessas crianças, mais precisamente quando se recebia os alunos da Escola de 1º Grau Sérgio Francisco da Silva, localizada no Bairro Lamarão, quem levantou o questionamento que agora narro.

Tinha ela percebido que em alguns dos quadros expostos estavam colados pequenos adesivos vermelhos, sem qualquer explicação do que significavam. Descobriu depois, para satisfação de sua curiosidade inata, que os adesivos simbolizavam que os quadros que estavam vendidos, não pertencendo ao acervo da Galeria. Eis então que saiu com a sua pérola reflexiva, interrogando uma das monitoras, com visível ar de decepção:

– Minha Tia, quer dizer então que quando se voltar para outra exposição este quadro que eu tanto gostei não vai mais estar aqui? Ele vai estar trancado em alguma casa particular? Eu tenho que me despedir dele agora?

As questões, como postas, demonstraram que uma criança de apenas doze anos de idade compreende muito bem a importância e a diferença entre o público e o privado. Deixou claro que a arte deve ser sempre encarada como integrante do patrimônio cultural de um povo, devendo ser estimulada com a construção de museus e galerias públicas. Disse ainda, embora sem saber que assim dissera, que deveria ser cadastrado o vasto acervo de obras que estão se perdendo nos vários órgãos públicos, várias delas abandonadas em porões, impedindo que a população possa se usufruir do patrimônio artístico que é seu.

Uma outra constatação atende pelo nome da continuidade, pois a criança dizia que queria voltar outra vez para a Galeria, pois ficara satisfeita com o mundo que acabara de descobrir. E esta se tornou também a nossa preocupação, vez que o despertar daquela criança não poderia ser posteriormente frustrado, não poderíamos tirar-lhe o doce que havia gostado de saborear. A nossa responsabilidade aumentou consideravelmente a partir da sua indagação, motivando-nos para que outros acervos e outras visitas fossem agendados.

Aquela criança, não sei se consciente ou não, denunciava que estava cansada de tantos projetos sociais que se acabam no mesmo instante que terminam os governos que os criaram. Ela tinha dúvida se voltaria algum um dia para aquele lugar que tanto gostara, pois sabia que sua vida era assim mesmo, um dia tinha alguma coisa, outro dia a coisa desaparecia no tempo. As obras assistenciais dos governos federal, estadual ou municipal que prometiam rios de esperança para suas vidas, independentemente dos nomes que os faziam navegar, eram sempre interrompidos quando desaguavam no mar da política eleitoral.

Aquela criança nos ensinou que a arte deve ser sempre vista com os olhos do coração solidário e coletivo. Nos mostrou que as obras, ainda as melhores intencionadas, somente podem começar se tiverem a coragem, a sinceridade e a ousadia de levá-las até o fim. Nos disse, finalmente, que demos modificar o curso das obras que são pintadas pelo pincel da falsa esperança.

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(*) Cezar Brito é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear.
cezarbritto@infonet.com.br

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