O “delinquente” e o deliquescente.

Diz-se do delinquente, ser alguém que praticou um delito; que infringiu alguma lei; um amoral contumaz; um bandido a ser caçado no laço, perseguido, e a prêmio procurado; alguém cuja cabeça, a justiça busca alcançar, por deferida e prolatada, em sentença já exarada.

Se não é assim, o delinquente pode ser no máximo um pretendente ao cometimento de um delito a si já apontado.

Digo assim, porque preceitua-se a cada um, assim já se postar, embora o transitado não esteja ainda definido e publicado.

Exige-se tantas instâncias para isso acontecer, que no final há um embaralho tamanho em cascatas advocatícias, que as delendas se sucedem em calendas, a perder de vista…

Em outra vista, se a delinquência pertence ao reino comportamental dos humanos em sua difícil convivência, na deliquescência desfaz-se uma propriedade física dos sólidos, dos sais principalmente, de se desfazerem em desconserto, absorvendo a humidade presente no ar, se desmanchando e se desmoronando, enquanto edifício inteiriço, ordenado e cristalino, dissolvendo-se, perdendo a forma e a solidez, se desfazendo.

Diz-se dos sais, por natureza iônica, esta propriedade icônica: os sais se desmancham no ar em maioria, alguns se solubilizando com os íons sendo separados pela água presente na humidade do ar, caso da deliquescência, e até mesma da dissolução, pura e simples, enquanto assim o permitir por mergulho na água, por solubilidade em prévias de saturação.

Há uma frase notável, retirada de Marx e Engels em seu hoje quase esquecido, Manifesto Comunista, que foi utilizada como título por Marshal Berman (1949-2013) no seu estudo sobre a modernidade, desde os diálogos mefistofélicos de Goethe, aos poemas de Baudelaire e os crimes de todos os castigos de Dostoievski.

A frase virou titulo do bestseller muito festejado: “Tudo que é solido se desmancha no ar”, o que me faz lembrar antigos textos perdidos meus, quando tentei permear assuntos iguais ou parecidos, adentrando no alemão execrado como nazista (Quem não o foi na Alemanha àquele tempo?; que assista o filme: “O Leitor”!), Martin Heidegger, de “Ser e Tempo”, de sua aluna mais famosa; Hannah Arendt, uma judia; autora de “Eichmann em Jerusalém”, “Homens em tempos sombrios” e “A Condição Humana”, só para falar destes, e até do letão, Isaiah Berlin de “O porco-espinho e a raposa” , tentando refletir como ordem cristalina e definitivo na busca do ideal, diante do declínio das ideias utópicas acontecidas no ocidente, hoje num esquecimento tardio, ao qual ninguém percute.

E nesse desprezar sem refletir,  por que não repercutir o boêmio, Stefan Zweig, segundo quem, “Só os vivos criam o mundo”; ele um homem pacífico, alucinado, temendo tudo e sendo ameaçado em “Cette Ivresse Sauvage”, aquela embriaguez selvagem, por ele denunciada, em texto inédito, no qual mergulhara a sua Europa Antiga, em prévias guerreiras inúteis, de si fugindo, e dali correndo, em barbária correnteza, para morrer no aqui, no nosso ameno paraíso tropical, tão  lúdico, bom de samba e insoneiro, com a sua Lotte amada, no mesmo tálamo e por final no seu ideal cheiro?

O tema, por mal cheiro apenas, não restou assim em responso escrito, criminal e bucaneiro mundo afora, desprezando, a olhos vistos, um indolente Biden, e apontando, por melhor alvo o “delinquente”, Trump, quase a requerer uma delituosa repetência perigosa, para bem arrimar (quem o sabe?), uma melhor pontaria de outros balaços mais perfurantes e definitivos, “só para assear, definitivamente, a disputa e o duelo”?

Não é assim que a imprensa glosa?; publicando a versão e falseando a verdade, lema válido desde o cinema, exemplarmente epigrafado, em o “Homem que matou o facínora””, que vale a pena assistir (The Man who Shot Liberty Valence), com Lee Marvin, no papel de  Liberty Valence, o “facinora”,  James Stewart, posando de herói covarde, mas vencedor como o senador Ransom Stoddard, e John Wayne, como o cowboy, Tom Doniphon, o verdadeiro matador do marginal pistoleiro, mas o fazendo por tocaia, escondido e sem bravura, e para sempre restar assim envergonhado, sobrando até para Vera Miles, a bela mocinha, findar como prêmio concedido em himeneu, ao varão que lhe não era; o merecido!?

Porque bem-merecido restou apenas a frase terminal do filme de John Ford: “Quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda!”

 

Pois é! Quando a lenda supera a delenda, o crime se faz na simples contenda a conquistar, nem que seja falseando, por arrimo no Trio Nordestino; “amarrando a corda direito, pra corda não rebentar”.

Porque foi assim, mal amarrado e pior alinhavado, o que foi cerzido e costurado nos comentários da velha imprensa, sobre o último debate entre os contendores, ambos longevos, Joe Biden e Donald Trump, à Presidência dos Estados Unidos da América.

Se a juventude vende tudo, de perfume, tira prega, e até mal cheiro de sovaco, todo tipo de rabujo, escabujo que não dá nem mesmo nódoa nos dentes, da velhice e quem a sente, muita coisa demente, será dita ainda, algumas para denegri-la, outras para enaltecê-la, como se fora a “melhor idade!”

O General Charles De Gaulle, que não gostava de seu superior o Marechal Philipe Pétain, dissera dele um dia: “La vieillesse est un naufrage”; a velhice é um naufrágio!

De Gaulle, um ser austero e disciplinado, via no Marechal um ser, mais bafejado pela sorte que no mérito, enquanto  “Herói de Verdun”, e vencedor maior pela França na 1ª Grande Guerra.

O Marechal se fizera personalista, apreciando sobremodo companhias femininas, ele um celibatário em anos vencidos, amante dos comentários nocivos daqueles que enalteciam a sua, dele Marechal, virilidade, tudo acontecendo sem a necessidade de desforços azulinos e  masculinos.

Nada melhor para um velho que se lhe diga estar ainda enxuto, saudável, a despertar olhares de cobiço sem crítica nem berlinda.

O velho, que não se vê no espelho, e se quer assim, insubstituível e imperecível, crê-se irreal e quase igual ao Retrato de Dorian Grey ou semelhante à bruxa má de Branca de Neve na berlinda.

Fora assim em 1942 com Pétain, aos oitenta e seis anos de idade, “ofertando sua vida para salvar a França da destruição nazista”, palavras confessadas via rádio, rendendo-se perante o inimigo, aceitando a vilania de se curvar perante Adolf Hitler, virando um seu preposto Presidente, um seu esbirro  serviçal.

E porque foi assim como serviçal que acabou no final os idos iniciados em 1942 e findos no pós-guerra, depois de 1945!

E como o tempo é inexorável, De Gaulle viu-se também, algumas décadas depois, agora nos idos de 1968, sendo enxotado pelos jovens Sorbonnard, geração “baby boomers”, os nascidos como eu após a bomba atômica, em coro estridente pelas ruas do “Quartier Latin” em Paris.

Os jovens “soixante-huitards”, meus contemporâneos, gritavam em passeata querendo que o General Herói, fosse “despachado do Palácio Presidencial do Eliseu para a História e ao Museu!”

Recado que foi ouvido e conscientemente obedecido, um ano depois, em renúncia imediata do velho General, justo em meio a um seu mandato presidencial, quando um referendo por ele convocado, lhe fora negado por reforma pretendida.

De Gaulle, com 78 anos de idade, sentira-se velho e resolveu ir embora, afinal amigos e adversários, dele já se tinham enfastiados.

Não é o caso do Presidente Biden, nem do seu oponente o Candidato Trump, ambos passados dos anos como eu próprio, contando histórias somente, estórias que ninguém mais deseja ouvir.

E neste relatar por existir, os jornais ao refletirem o debate presidencial acontecido na TV, exaltaram um “delinquente”, posto com aspas afins ao seu desagrado, para o Republicano Trump,  não vendo um deliquescentecandidato, como assim o mundo todo viu; o pretendente Democrata, o Presidente Joe Biden, que agora renunciou da candidatura, ou foi forçado assim.

E é assim por fim, que eu encerro esse texto do “delinquente” e do deliquescente, enquanto eu mesmo me deliquesço, verbo difícil de conjugar e bem a si aceitar, teimando em não delinquir, evitando por demais apodrecer, de tanto amadurar no prosseguir.

Deus nos conserve a todos, alegrando a nossa eterna juventude!

E que Ele nos perdoe os erros, perante Quem nenhum homem é justo!.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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