OS APONTAMENTOS E A MEMÓRIA DE TRAVASSOS

Antonio José da Silva Travassos, o Comendador que exerceu em Japaratuba e em Santo Amaro das Brotas a sua profícua existência, dedicada política e administrativamente a Sergipe, é, sem dúvida alguma, o mais injustiçado dos autores sergipanos, apesar de ter uma obra pioneira, rica de informações. Seus textos Apontamentos históricos e topográficos sobre a Província de Sergipe e Memorial histórico da política da Província de Sergipe são, ainda hoje, fontes valiosas de pesquisa, que orientaram os historiadores do passado, e muitos deles sequer conheciam da autoria. Felisbelo Freire, o consagrado autor da História de Sergipe, cuja 1ª edição saiu no Rio de Janeiro em 1891, escreve sobre a canalização dos rios sergipanos e sobre a chamada revolução de Santo Amaro apoiado nas informações de Travassos, citando-o ou ignorando-o como autor dos manuscritos que existem na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, duas grandes casas de consultas históricas, sempre surpreendentes pelo material que guardam, em honra da memória nacional. Vários outros historiadores, seguindo as trilhas de Felisbelo Freire, têm seus textos abonados pelos Apontamentos de Travassos, ou pelo Memorial. Luiz Mott é um deles, ainda que não tenha, à época que escreveu sobre as populações de Sergipe, identificado Travassos como autor dos documentos consultados na Biblioteca Nacional. Finalmente e felizmente o Governo do Estado, através da Secretaria da Cultura, coloca ao dispor das novas gerações a obra de Travassos, reunindo os dois importantes trabalhos. A Secretaria da Cultura, pela visão do Secretário José Carlos Teixeira, fai mais longe do que queria o Conselho Estadual de Cultura e os programas editoriais propostos, ao mandar organizar para publicação os dois textos citados, e não apenas os Apontamentos. São dois livros distintos, ainda que haja certa e compreensível repetição, por tratar-se de um mesmo autor, escrevendo sobre a história da mesma terra. Os Apontamentos históricos e topográficos sobre a Província de Sergipe, escrito em três dias, segundo testemunho do Dr. João José do Monte, neto e editor de Travassos, foi feito para ser entregue ao Imperador Pedro II, que no final de 1859 empreendeu viagem pelo baixo São Francisco e em janeiro de 1860 entrou na barra do Aracaju, demorando-se em visita à nova capital sergipana e aos pontos principais da Província. De fato o texto foi entregue ao Imperador pelo Comendador Travassos, no dia 12 de janeiro de 1860. Já o Memorial foi escrito para servir de informação política ao Dr. José Pereira da Silva Moraes, que em 1866 chegava a Aracaju para presidir a Província de Sergipe. É um texto de história política, que narra fatos da Província, principalmente depois da Independência do Brasil e da Emancipação Política de Sergipe, notadamente aqueles referentes aos conflitos entre as diversas lideranças que surgiram, com seus partidos, e seus interesses. A Revolução de Santo Amaro é tratada com mais abrangência, sob a ótica de um influente líder, aquela altura travestido de autor, a quem seria exigida a isenção na anotação dos fatos. Os Apontamentos entregues a Pedro II permaneceram inéditos, em manuscritos, até a publicação de um dos originais, pelo neto do autor, que teve convivência direta com o avô, em Japaratuba. É uma obra póstuma (Rio de Janeiro: Instituto Tipográfico do Direito, 1875) e certamente de tiragem reduzida, pois é livro raro, existindo apenas um único exemplar, no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O texto tem diferenças do que foi publicado em Aracaju, pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Ano III, 1915 – volume III, Fascículos I, II, III e IV (Aracaju: Imprensa Oficial, 1916), e no final o autor faz uma síntese da visita imperial a Sergipe, informando datas dos locais visitados. O cotejo dos dois textos, o manuscrito e o impresso, aponta para a especulação de que o segundo tanto é mais completo, por conter informações sobre a viagem da comitiva imperial a Sergipe, quanto por corrigir dados, algumas vezes ampliando-os ou dando nova redação. Já em relação ao Memorial, que contém o mesmo texto explicativo dos Apontamentos, com pequena variação, não há como estabelecer termos comparativos. O único exemplar conhecido é o existente no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, bem conservado, embora sem as Notas , que está no mesmo volume dos Apontamentos, fazendo, ainda que tardiamente, justiça ao seu autor, que nasceu e viveu em Sergipe, de 1804 a 1872, de linhagem portuguesa, fazendeiro, rábula, tabelião, membro do Conselho da Província e deputado provincial, proprietário de uma tipografia montada em Santo Amaro das Brotas, na qual imprime o jornal O Conciliador, defendendo o pacto de conciliação proposto por Pedro II, como ele próprio narra em suas obras. Visionário, Travassos pensou na ligação, através de canais, dos rios sergipanos, desde o São Francisco até o Real, pondo recursos próprios na contratação de engenheiros que levantaram as plantas técnicas, que são também fontes de pesquisas pelo que contém de dados sobre as povoações e vilas de Sergipe. Mais tarde ele recebeu privilégios (mais ou menos equivalentes aos incentivos fiscais de hoje) para a navegação a vapor, na barra do Cotinguiba, em Aracaju. Quando da epidemia do Cólera Morbus Travassos transformou Santo Amaro das Brotas num grande hospital, mandando buscar receitas no Pará, na Bahia, no Rio de Janeiro, distribuindo remédios, cuidando pessoalmente da população acometida do terrível mal que quase dizimou a população sergipana, nos anos de 1855/56. Nos seus textos há uma crítica forte a economia escravocrata, e a defesa do trabalho livre como remédio para atualizar e melhorar a indústria do açúcar em Sergipe. O empreendedor, o político, o filantropo, louvado pelos seus contemporâneos e pelos pósteros escondeu, por muitíssimo tempo, o autor magistral com suas obras inaugurais da historiografia sergipana. Finalmente os Apontamentos históricos e topográficos sobre a Província de Sergipe e o Memorial histórico da política da Província de Sergipe, desde a época de sua independência, escrito com toda imparcialidade, são editados e entregues à leitura dos sergipanos e dos brasileiros, justo no ano do bicentenário de nascimento do seu autor. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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