Os Garcia Moreno de Sergipe – Uma história a perquirir VIII.

1. A pergunta que ainda não quer calar.

 

A pergunta que continua e permanecerá sem uma resposta definitiva é esta: teria sido o Farmacêutico Pedro Garcia Moreno, o tronco primeiro dos Garcia Moreno de Sergipe, um filho do Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro, o austero e respeitado Vigário da Cidade do Lagarto?

 

Concretamente, sabe-se que não há disso uma prova maior; porque jamais houve um reconhecimento público, nem houve ao que parece, uma confissão, uma revelação amorável de paternidade.

 

Dos pais retorna o brocardo latino; “Pater is est, quem iustae nuptiae demonstrent, nisi evidentibus argumentis contrarium probatur”, pai é aquele que as núpcias demonstram a menos que se evidencie prova em contrário.

 

A antiga certeza: “Mater semper certa est, pater autem incertus”, a mãe é sempre certa, o pai, porém, incerto, hoje constitui uma excedente ignorância.

 

A ciência deslinda tudo. Os testes de DNA, não sendo fraudados, elucidam qualquer filiação. E hoje, praticamente inexistem certidões de nascimento como as de Pedro; sem pai.

 

Mas estamos falando de tempos idos, onde só valia o testemunho, em evidente comprovação visual.  

 

E neste ponto, sabe-se apenas, de relatos orais e da própria memória de Pedro, que este fora criado pelo Padre Daltro, desde os quatro anos de idade, a quem chamava Ioiô, igual a toda cidade do Lagarto, cidade do seu vicariato.

 

Uma criação que ensaiava uma suspeita generalizada de paternidade, sobretudo numa cidade pequena, onde tudo se faz público e notório, mas que permanecendo duvidosa, não lhe fora suficientemente esclarecida, perdurando por toda a vida, desde o tempo de menino, passando pelos bancos universitários na Bahia, perdurando toda sua atividade laboral, como profissional respeitado e pai de família, e de prole de continuado mérito, em muitos filhos e extensa descendência, chegando à velhice e à morte.

 

Uma pergunta não de todo respondida, questão que não cabe calar, mesmo porque nos textos públicos de Pedro Garcia Moreno, há sempre uma reverência amorosa àquele que teria sido o seu verdadeiro pai, o Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro.

 

2. “Guardião de Memória” recupera traços escapados de confissão e dúvida.

 

No seu opúsculo “São Sebastião de Poço Verde”, publicado em 1955, a título de “Notas, Impressões e Reflexões acerca de uma Excursão”, o Farmacêutico Pedro Garcia Moreno, então com 74 anos, deixa passar algumas suspeitas, esboçando um pouco de memória da sua infância.

 

Hebdomadário Simãodiense “A Semana, edição nº 159 de 15 de outubro de 1955. 

Suspeitas que não passaram despercebidas pelo jornalista Francino Silveira Deda, quando de sua resenha “O Opúsculo do Dr. Pedro”, publicada no hebdomadário Simãodiense, A Semana, edição nº 159 de 15 de outubro de 1955, texto resgatado por seu sobrinho, o advogado Carlos Alberto Deda, e obtido por mim numa consulta advocatícia particular, que afortunadamente evoluiu, desviando-se para a descoberta de seu acervo jornalístico, um hobby de grande dedicação. 

 

Carlos Alberto Deda é um velho conhecido, desde o tempo do Governo Celso Carvalho, por extensão de ligação que tivera com meu pai, Manoel Cabral Machado.

 

Em tempos mais recentes, Carlos Alberto fora advogado no processo de inventário de um familiar de minha esposa, e os nossos encontros se repetiram em maior frequência.

 

Foi num destes encontros mais recentes, que o assunto resvalou para a saga do Padre Daltro do Lagarto e o seu provável filho, Pedro Garcia Moreno.

É que Carlos Alberto, sem que eu o soubesse até então, possui um hobby notável de pesquisar coisas antigas de Simão Dias e de sua vizinhança.

 

Ao vê-lo agora no seu escritório particular, desconhecido por mim até então, cercado das edições catalogadas de jornais antigos e de variada documentação, afigura-se-me, Carlos Alberto, um destes templários cavaleiros medievais, trajando armadura invisível de guardião deste tesouro, conforme eterna promessa de missão, sem a qual, tudo estaria perdido, soterrado pela poeira do tempo, lacunas irrecuperáveis de voracidade da traça, tudo que é possível quando é permissiva a irresponsabilidade do homem.

 

E assim, com ajuda deste “Guardião de Memória”, Carlos Alberto Deda, eis mais um texto descoberto, a ser citado nesta minha persistente procura

 

3. O texto de Francino Deda.

 

Como dito anteriormente, no texto “O Opúsculo do Dr. Pedro”, de autoria de Francino Silveira Deda, o autor se refere ao livreto “São Sebastião de Poço Verde”, publicado em 1955, a título de “Notas, Impressões e Reflexões acerca de uma Excursão” do Farmacêutico Pedro Garcia Moreno,  recebido em duas cópias, uma do próprio autor e outra do destacado intelectual de “Efemérides Sergipanas”, Epiphânio da Fonseca Dória.

 

Em sua resenha, Francino Deda destaca: ”O atraente Opúsculo está escrito em linguagem escorreita, francamente acessível, positivamente assimilável, caprichosamente revista e o autor ajuntou por coordenação de modo perfeito, Notas, Impressões, e Reflexões, a cerca de uma excursão à nova e florescente Cidade de Poço Verde, revendo Simão Dias, sua cidade natal, e Lagarto dos seus tempos de menino”.

 

Percebe-se, de notável a destacar no presente momento, que o cronista Simãodiense encontra nas entrelinhas do texto analisado, aquilo que fora denunciado sem o querer e que não se podia afirmar, mas que trazia consigo, uma relação de intimidade amorável, que não passaria despercebida de seus circunstantes, ou seja; a tradição oral, transmitida em conversação rápida, mas sigilosamente respeitosa, dizia ser Pedro Garcia Moreno um filho do sangue do Padre Daltro.

 

Texto Resenha de Francino Deda.

E o texto de Francino Deda destaca esta suspeição, enquanto circundância e convivência de Pedro com seus afins, mantendo o mesmo comedimento, externando apenas o acessório, esquadrinhando suspeitas ou indícios, sem poder fulminar com evidência comprobatória, o aclaramento de excedentes lacunas de uma história já não tanto nebulosa, em muitas dúvidas e mistérios.

 

E por já conhecer toda a história, e dela já não ter mais qualquer dúvida, o cronista Simãodiense questiona a lacuna acontecida, feito que passaria despercebido aos leitores menos avisados ao drama filial de Pedro, angústia que nunca o pacificara de todo.

 

Vamos, porém, às apreciações e lacunas despertadas por Francino Deda, inserindo grifos para melhor explicitar sua cobrança:

 

“A publicação daquele trabalho de fino gosto foi feita em homenagem póstuma aos instituidores do Encapelado de Santa Cruz de Poço Verde, em segundo lugar aos ampliadores do patrocínio do mesmo Encapelado e por último ao Simãodiense ilustre, Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro, Vigário do Lagarto; aí o observador expedito notará entre uma e outra das duas linhas homenageantes da página 5, a omissão feita pelo autor, de alguma cousa mais que ali devia aparecer e essa omissão vamos perceber nas entrelinhas daquele “passeio matutino”, no final da página 10, naquela mistura de sangue português e africano, e quase dito na linha 16 da página 17 do Opúsculo”.

 

 

 

4. “Passeio Matutino”, em lembranças de cristãos provados na fé.

 

No final do “Passeio Matutino”, empreendido por Pedro Garcia Moreno na madrugada de 27 de dezembro de 1953, descrita na folha 10 do seu Opúsculo São Sebastião de Poço Verde, o autor divaga e confessa revelação que não passou despercebida à resenha de Francino Deda:

 

“Levantei-me ao nascer do sol.

Cumpridas as abluções matinais, troquei de roupa e saí a observar a localidade e seus próximos arredores. Desde os anos de minha juventude distante repontaram em mim as heranças ancestrais de amor à natureza e de estima às atividades pastoris. Não é debalde que, misturados, nas veias e artérias me fluem e pulsam sangue de lavradores de terras portuguesas dentre Aveiro, Douro e Beira, e sangue de agricultores negros de regiões africanas banhadas pelo Atlântico”. (grifo nosso)

 

Que Pedro contivesse sangue africano, a pele já o denunciava em suficiência.

 

Como poderia, porém, afirmar sua ascendência portuguesa em proximidade?

 

Seria uma reles pretensão, a “de possuir longa tradição de terra lusa, de antepassados cristãos velhos e provados na fé”, como Pedro descrevera na folha 8 da mesma obra, “os da progênie de Manuel de Carvalho Carregosa, capitão das milícias de el-rei, senhor do Engenho Moendas, termo de Estância”, um nome de “olor bíblico”?

 

Estaria completando o que dissera em continuidade na mesma folha 8, sobre a posteridade do pioneiro dos Carregosa: “Nestas terras da antiga América Portuguesa, de sua abençoada progênie tem saído longa teoria de homens ilustrados e ilustres. De puro sangue ou de sangue caldeado.” (grifo nosso).

 

Estaria ele, própria e deliberadamente, se inserindo entre os “Monsenhores e cônegos doutores, médicos, advogados, desembargadores, engenheiros militares, oficiais da marinha de guerra, farmacêuticos, agrônomos, odontotécnicos, fazendário”, todos da descendência de Ana Francisca de Meneses e Manuel de Carvalho Carregosa? (grifo nosso)

 

5. Cavalgando junto ao próprio pai. Que pai?

 

Na folha 17, continua Pedro em seu relato, agora retornando da viagem a Poço Verde e mais uma vez o Jornalista Francino Deda descobre lacunas não de todo elucidadas:

 

“Paripiranga, Anápolis do Caiçá. Lagarto, Posto Fiscal de Salgado. Anoitece. Entretenho-me a fazer o retrospecto da região que acabo de rever. Onde a mata da braúna ou pau preto que, adolescente, a cavalo, sozinho, ou em companhia de meu pai, varei tantas vezes, tomando à direita do caminho que subia para Patrocínio do Coité, em busca da casa grande da Fazenda Baixão? Do canto da cerca do velho tanque do Tavares, parece-me, começava, seguindo com a estrada, o quinhão de mata que constituía o patrimônio sacerdotal do Padre Daltro. Em frente à vasta casa do Baixão, com o seu terreiro de secar café, fronteado a alguns metros pela casa do benefício, se dilatava, a seguir, um bom pedaço de floresta, por entre a qual corria para, adiante, à direita, desaguar no profundo tanque, um córrego, de águas que diziam salobras. Que é feito daqueles trechos da mata?” (grifo nosso)

 

Relato que denuncia sua proximidade muito íntima com a Casa Grande do Baixão. Lembrança de uma filiação havida, mas nunca explicitada? Ensejando uma dúvida, jamais elucidada por ninguém, e que foi denunciada lacunar por Francino Deda no seu artigo resenha?

 

Uma dúvida entre muitas certezas que nunca explicitamente foram de todo desvendadas. Porque no final restou a Pedro a certidão de óbito nº 14.649, do 2º Distrito de Aracaju,  transcrita no Livro C nº 15 às folhas 255, do Cartório do 7º Ofício de Aracaju e datada de 21 de junho de 1956, onde consta sua paternidade desconhecida.

 

Mas, a história dos Garcia Moreno de Sergipe, e a saga de Pedro o seu tronco maior, ainda não iria parar.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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