Os Garcia Moreno de Sergipe – Uma saga a perquirir IV.

I. Das dificuldades do resgate testemunhal.

 

Como dito anteriormente, para compreendermos a figura do Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro, como genitor provável de Pedro Garcia Moreno, à falta de uma documentação mais contundente, que lhe revele a ação, o pensamento e a sua história, enquanto sacerdote e homem público, temos que nos amparar no noticiário da sua circundância.

Daí a divagação, o afastamento, a ampliação do seu entorno, alcançando um universo que se poderia pensar distante, remoto, inalcançável mesmo, diante das dificuldades de comunicação próprias do tempo.

 

II. Um século de luzes em meio à escuridão.

 

Durante todo o século XIX, um tempo de outras luzes, a eletricidade, por exemplo, era ainda um mito, um sonho, um inexplicável fenômeno a suscitar medos, espantos em misto de feitiçaria.

O nascimento do futuro Monsenhor Carvalho Daltro, 1828, acontecia justamente um ano após a notável descoberta de Hans Christian Ørsted, que um dia ensejaria à 2ª Revolução Industrial, com a substituição da máquina a vapor pelo motor elétrico.

Mas tal evolução ainda estava bem distante. A experiência de Ørsted, mera perturbação de uma bússola por uma corrente elétrica, inseria-se tanto nos eventos estranhos, que houve necessidade testemunhal para ser creditado cartorialmente pelo seu descobridor.

E ver-se-ia muito tempo depois, que tal experimento de simplicidade franciscana, seria o primeiro testemunho de que a Eletricidade e o Magnetismo não eram ciências estanques e independentes como se pensara por séculos a fio, por auto-suficiência ou indiferença.

Faíscas elétricas eram coisas satânicas, perigosas e letais. E o magnetismo era coisa de azougue, de fascínio e repulsa, empatia a fundar simpatias recíprocas e antipatias incanceláveis.

Várias décadas passariam ainda para que o Magnetismo e a Eletricidade, enquanto ciências estanques e independentes, fossem vistas segundo a mesma fenomenologia, constituindo um mesmo campo de forças, tão imbricados e entranhados, que ninguém mais entenderia a obscura ignorância que os afastara, milenarmente.

 

III. Um longo caminho para iluminar os homens.

 

Mas, só o podemos dizer hoje e agora, com os olhos contemplando duzentos e tantos anos de ensaio e erro, experimentação sucessiva, iniciados por Alessandro Volta, o mesmo das corrente voltaicas e das pilhas galvânicas, promessa dos futuros acumuladores de chumbo, geradores químicos, baterias, com o homem usando os esforços de André Marie Ampère (1827), explicando e quantificando a nascente interação eletromagnética.

Lembrar também que em igual conjuntura, o mundo em sua distração contumaz e comezinha não dera tanta importância às vibrantes descobertas de Michael Faraday (1837), sem as quais a geração elétrica seria assaz tímida para revolucionar o mundo.

E sem falar que o mundo enquanto cavalgava o elétron, antes se revolucionara e não seria mais o mesmo desde a incorruptibilidade fanática de Roberspierre com os homens destronando reis e mitos, entronizando-se, por conta e risco, enquanto cidadão comum, comandante e determinante de sua história.

Mas este mundo que tanto se iluminara, liberto do cetro e do báculo, aclarado pelas idéias humanistas de liberdade de bem pensar, livre agir e poder reagir, este mundo permanecia com as suas noites escuras, com o homem, igual ou quase igual, ao troglodita ancestral, eivado de medo, preconceito e ignorância, e utilizando da violência para submeter e escravizar seu circunstante mais frágil e mais débil, em meio a noites mal alumiadas por candeias bruxuleantes ou velas incipientes, sem falar no obscurantismo do prejulgamento e da ignorância.

De modo que a escuridão era física e social. Física porque a iluminação a gás ainda seria, por décadas, restrita somente aos povos que destilavam o carvão, e o petróleo, jazendo nas entranhas do solo, era inservível por não sonhada utilidade, ainda. Social porque imperava a desigualdade e a servidão negreira.

 

IV. O lento despertar para a modernidade.

 

Se no século XIX houve o lento despertar do elétron e dos íons, suas noites ainda permaneceriam tenebrosas. A iluminação a gás, por exemplo, foi um luxo das cidades cosmopolitas, como Londres, Paris, chegando ao Brasil quando já caía de moda.

Em terras sergipanas, como no Brasil em geral, a iluminação teve na lenha o seu grande combustível, com os óleos, animais ou vegetais, empregados nas velas e candeias, mesmo com farto extermínio de baleias.

Era um tempo, é preciso relembrar e repetir, em que imperava a obscuridade social e racial, só para situá-las em meio ao medo e à ignorância, tão afeitas à obscuridade soturna e à escuridão noturna. Tempos de atraso, inclusive quanto ao grande feito da luminotecnia de então, porque o cilindro de vidro contornando a chama do candeeiro ainda não fora descoberto, muito menos a camisa incandescente, feitos aqui conhecidos só no século seguinte.

De forma que toda a nascente tecnologia, que fora por Eça de Queiroz tão bem glosada e bem melhor restou gozada no seu “A Cidade e as Serras” (1901), comparando a Paris feérica com o bucolismo ramerrão da lusitana e caipira Guiães, bem poderia ser igualmente inserida a cidade de Salvador, em atabaques de baiana capital, a nossa São Cristóvão, de recém nomeação igual, e Lagarto, e Laranjeiras, e Maroim, e Santo Amaro, replenos de engenhos de bangüê e almanjarra, de progresso lento e atrasado, com o negro suando no eito e o senhor emprenhando a mucama no seu leito.

Só para dizer que os fluidos e as excitações eram os mesmos; indomáveis e sem respeitar barreiras. Onde valia tudo e tudo ainda valeria, na rama e na cama, com a servidão negreira sem inspirar poemas, muito menos falta censurável a recomendar penitência. Afinal Castro Alves (1847-1871) ainda não nascera, e o mulato Tobias Barreto (1839-1889) preferia discutir outros temas, fustigando a dogmática católica, por exemplo, assunto que o Padre Daltro lhe não endossaria, se o examinasse.

Porque o Padre era um homem fiel a sua fé, à ortodoxia da Igreja e isso seria demonstrado pela sua ascensão no ministério sacerdotal, à falta de uma maior prova testemunhal.

 

V. A dificuldade de resgatar o Padre Daltro.

 

E por ser rala a prova testemunhal, traçar-lhe o perfil suscita o desafio e a continuidade. Afinal relata-se como um folclore ou uma história contada de uma geração a outra, que Monsenhor Daltro tivera farta influência no processo de fragmentação das terras do Lagarto, exigindo dos casadoiros a propriedade de um animal e de uma pequena gleba para subsistência familiar.

E assim, por tal providência e real previdência, o município de Lagarto, difere-se dos demais em Sergipe por possuir vasta gama de pequenos proprietários.

Mas a despeito desta ampla aceitação por pesquisadores, comentadores e contadores de causos, falta-nos um discernimento maior para descrever a sua ação no Lagarto, em Simão Dias e no Riachão.

Em site de Riachão do Dantas na Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, lê-se, citando ANDRADE JUNIOR, 2000. p 32:

 

“Em 20 de agosto de 1856, foi dada aprovação canônica da nova freguesia (Freguesia de Nossa Senhora do Amparo do Riachão) que pertencia à Arquidiocese de São Salvador da Bahia. O primeiro pároco da nova freguesia, foi designado o Pe. João Batista de Carvalho Daltro, que assumiu suas funções eclesiásticas em 1856 . O seu paroquiato foi bastante proveitoso, porém no início enfrentou muitas dificuldades, por conta da epidemia de cólera morbus que vitimou milhares de pessoas em Sergipe nos anos de 1855 a 1856. Padre Daltro permaneceu em Riachão até 1870, ano da emancipação política da cidade, foi transferido para a Freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto e devido aos seus trabalhos nessa comunidade, ele foi elevado ao título de Monsenhor. Faleceu em 1910 Pode-se se dizer que dos trabalhos prestados pelo então Pe. Daltro na Freguesia de Nossa Senhora do Amparo do Riachão resultou na emancipação da mesma em 9 de maio de 1870, portanto, ele foi precursor da autonomia política daquela localidade .”

 

Como visto acima, os relatos são curtos e toscos, e a figura do Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro continua a merecer um biógrafo, alguém especialista que bem deslinde seu passado e ação.

Era esse também o desejo de seu neto mais famoso, o Médico e Psiquiatra Garcia Moreno, externado na crônica “O Vigário”, publicada em 1960 no seu livro “Doce Província.”, Livraria Regina Aracaju – SE.

 

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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