Cartas do Apolônio
Os sábios conselhos do Ancelmo
Lisboa, 19 de novembro de 2004
Caros amigos de Sergipe:
Como todo escritor que se preza, também estou atravessando a crise da folha de papel em branco. Nos dias que correm seria até mais adequado chamar de ‘surto da tela vazia’ mas deixemos essas modernagens de lado, pois são coisas de metrosexuais, abichanados e congêneres.
Para os não iniciados nas artes literárias, um pequeno esclarecimento: a tal crise nada mais é do que uma total falta de inspiração.
É mais ou menos como se a gente quisesse fazer um poema à beleza da Luana Piovani e na memória só aparecesse a imagem de Nivaldo Fernandes ou de Pedro Firmino. Parece grave mas tem cura.
Cada autor tem a sua maneira de driblar esta crise. O Mário de Sá Carneiro, por exemplo, procurava rapazes atléticos para lhe socorrer cantando-lhes algumas palavras doces ao pé do ouvido. Decididamente, este não é o meu caso.
O Zé Saramago certa vez me confessou que toda vez que é vítima desses malgrados lapsos de criatividade, vai ao banheiro e sempre sai de lá com alguma coisa nova pra mostrar aos outros.
Apesar de achar que essa técnica um tanto quanto exibicionista, topei a empreitada. Fui ao banheiro e num esforço hercúleo consegui verter apenas pequenos parágrafos semelhantes a minúsculas bolotas literárias de baixíssimo valor estilístico, diga-se de passagem. Logo desisti da jornada lítero-escatológica.
Telefonei então para o amigo Ancelmo Góes, que como se sabe, escreve diariamente a sua prestigiada coluna n’O Globo, não podendo, portanto, dar-se ao luxo de ter crises de criatividade.
Contei-lhe o meu problema e o simpático homem do bigodão me aconselhou a tirar umas férias com a Zenóbia, pois estariaa eu com estafa.
Férias! Férias? Inquiri ao homem de ‘O Globo’ se não seria melhor umas férias conjugais. Ele não objetou.
Comprei então uma passagem para o Afeganistão e ofertei à minha patroa sexagenária que, desconhecendo a difícil realidade daquele país, adorou a idéia. Quis voar no mesmo dia. Pela expressão alegre no seu semblante, tive certeza que valeu a pena comprar-lhe a tal passagem de ida.
Sim, porque evidentemente não comprei a de volta. No Afeganistão nunca se sabe como será o dia de amanhã (nem mesmo se haverá ‘amanhã’). Poderia estar pondo em risco os nossos parcos recursos.
Mas, como o vetusto jornalista se safa das eventuais crises de criatividade? Perguntei. O gajo acabou por confidenciar-me que toma regularmente um tal chá de Marupuana que, segundo dizem, é um verdadeiro Viagra para as funções intelectivas.
Tanto que o colunista raramente recorre ao batalhão de redatoras-escravas que mantém sob o seu comando, justamente para esses casos, tratando-as todas a pão e água que é pra não ficarem mal acostumadas.
Antes de mandar pegar o chá, pensei em treinar a Sulamita, minha secretária bilíngüe e boazuda para esta nobre função. Se Flodualdo, o meu leopardo de estimação aprendeu a abrir a porta para receber os meus credores, por que raios a Sulamita não aprenderia a dizer outras palavras além dos ‘ohhh’, ‘unfff’ e ‘uis’ que tão bem sabe balbuciar em nossos laboriosos serões?
Exultai Frei Paulo! Esse Ancelmo é mesmo um gênio!
Até semana que vem.
Um abraço do
Apolônio Lisboa.