OXENTE! TÁ TODO MUNDO DOIDO?

Contou-me uma amiga-irmã (Flor Martins), residente em Salvador, que certa vez levou uma sobrinha para que assistisse a peça teatral em que estreava como atriz principal. A pequena espectadora, uma garotinha de apenas oito anos de idade, estava radiante, pois os seus diminutos pés nunca tinham sentido o calor mágico de um teatro, ainda mais tendo a sua predileta tia como personagem de destaque. Sentou-se ela, toda faceira, na primeira fila, sendo rodeada por uma legião de vaidosos parentes.

 

No auge dramático da peça, quebrando o silêncio que reinava na platéia, a personagem principal apontaria para o vazio escuro do teatro, fazendo crer que estava a avistar um portentoso navio. E realmente cumprindo o papel destinado à sua personagem, em planejados e estudados gestos, olhou para o vazio, declamando em voz alta: “- Vejam todos! Um navio se aproxima. Estamos salvos, finalmente voltaremos para casa. A esperança não fora náufraga”.

 

Diante do brado eufórico e apaixonado de sua tia, a curiosa menina olhou para o fundo do teatro em busca da salvadora embarcação. Ao perceber que nada  de especial navegava diante do seu olhar, não conseguiu atracar em sua garganta a sua conclusão, dizendo em voz igualmente alta: “- Ôxente! Tia Flor ficou doida,  num tem nenhum navio aqui. E onde já se viu navio andar na terra. doida mesmo”.

 

Apesar da risada geral, a peça continuou sem grandes atropelos, arrancando, no final, os merecidos aplausos da platéia. Todos compreenderam o episódio, fruto da sinceridade de uma criança que desconhecia os ilimitados recursos imaginários de um teatro. Ademais, o inocente incidente deu uma pitada de charme à estréia, quebrando a tensão que sempre acontece quando se desvirgina para o mundo.

 

Quando escutei esta história, imediatamente me lembrei de que não é diferente a minha reação quando sou transformado em espectador da peça “A Duplicação da BR 101”. Mesmo sabendo que o script continua sendo o mesmo durante anos, com apenas algumas variações nas falas do atores, não consigo conter a mesma e inocente dúvida daquela criança soteropolitana. E olhe que os atores principais fazem um esforço muito grande para demonstrar que participam de um drama aparentemente duradouro, mas que terá um final feliz, próximo e moderno.

 

Esclarecendo melhor este drama da vida real, o clímax da peça, mais precisamente a parte que provoca o meu incontido grito de incredulidade e espanto, acontece no exato momento em que escuto o ator da vez entrar em cena. Ele é um dos vários videntes da história, encarregado de explicar o motivo do sofrimento de que a mocinha da história (a Br 101) padece. Cabe a ele esclarecer que fora ela vítima do seu inimigo principal (o desvio irregular de verbas públicas), e que, por isso, definha esquecida e abandonada.

 

Também a ele cabe a missão de arrematar, como bom profeta, que o final feliz da história já esta escrito e previsto no roteiro, pois a já autorizada restauração da obra impediria o triunfo do vilão da trama. Este é o ponto-chave, o momento em que, empolgado com o texto, recita, em voz alta, que a esperança finalmente desfilará faceira e cheia de vida no asfalto negro que corta o Brasil. Em outras palavras, quando arremata: “ -As mortes e os acidentes causados em função da interrupção  irregular não mais ocorrerão,  pois a Br 101 trafegará livre, faceira e  feliz rumo à integração nacional”.

É nessa hora que, inocentemente, esqueço que a desculpa, a encenação e a retórica também fazem parte do teatro do mundo real. É neste instante que, como fez aquela criança, olhando em minha volta e percebendo que a obra de duplicação continua parada, bem assim que motivo de sua interrupção permanece exatamente o mesmo, não consigo segurar a minha ingênua observação: “- Ôxente, estão doidos, tudo igual! E se duplicação está parada porque foram desviados recursos a ela destinada, por que ainda não descobriram ou puniram os responsáveis?”.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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