Piso Salarial Nacional do Magistério Público – Parte Final

Na semana passada, aproveitamos o ensejo da cobrança pública efetuada pelos professores da rede estadual de ensino público – por via do seu sindicato (SINTESE) – no que diz respeito ao efetivo cumprimento, pelo Governo do Estado, da legislação que trata do piso salarial nacional do magistério público, para abordar todo o complexo jurídico-normativo que dispõe sobre a matéria.

 

Fizemos, então, um retrospecto da evolução constitucional e legislativa sobre o piso salarial do magistério, até o advento da Lei n° 11.738/2008, com parciais conclusões quanto aos seus comandos jurídicos. Noticiamos também que os Governadores de cinco estados da federação (Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará) propuseram, em 29 de outubro de 2008, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4167, mediante a qual pediram ao Supremo Tribunal Federal a declaração de inconstitucionalidade das normas dos §§ 1° e 4° do Art. 2°, dos incisos II e III do Art. 3° e do Art. 8° da Lei n° 11.738/2008. Dissemos ainda que em 17 de dezembro de 2008, o STF efetuou o julgamento dos pedidos cautelares – fixando interpretação provisória, até o julgamento do mérito – de modo a possibilitar a aplicabilidade dos dispositivos legais, com os devidos esclarecimentos, a partir de 1° de janeiro de 2009.

 

Finalmente, deixamos para a segunda parte do texto, publicada hoje, a análise dos termos dessa decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal e as suas conseqüências para o implemento da legislação do piso salarial profissional nacional do magistério público.[1]

 

O que os Governadores propuseram

 

Pretendem os Governadores (do MS, PR, SC, RS e CE) que o STF declare a inconstitucionalidade das seguintes normas da Lei n° 11.738/2008:

 

Art. 2o  (…)

§ 1o  O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.

(…)

§ 4o  Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.

 

Art. 3o  (…)

(…)

II – a partir de 1o de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor referido no art. 2o desta Lei, atualizado na forma do art. 5o desta Lei, e o vencimento inicial da Carreira vigente;

III – a integralização do valor de que trata o art. 2o desta Lei, atualizado na forma do art. 5o desta Lei, dar-se-á a partir de 1o de janeiro de 2010, com o acréscimo da diferença remanescente.

 

(…)

 

Art. 8o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ou seja, pretendem os mencionados Governadores que o STF declare a invalidade jurídica: a) da proibição de fixação do vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica, para jornada de no máximo 40 horas semanais, em valor inferior ao valor do piso salarial nacionalmente estabelecido; b) da imposição do limite máximo de 2/3 da carga horária dos profissionais do magistério público da educação básica para o desempenho de atividades em sala de aula; c) do cronograma legalmente estabelecido para o total implemento dos comandos referentes ao piso, segundo o qual a partir de 1° de janeiro de 2009, deve ser efetuado acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor do piso e o vencimento inicial da carreira vigente e a total integralização do valor do piso deve ocorrer a partir de 1° de janeiro de 2010, com o acréscimo da diferença remanescente em relação ao cálculo anterior; d) da entrada em vigor da Lei n° 11.738/2008 na data de sua publicação (17.07.2008).

 

Fundamentaram esses pedidos, em síntese, nas seguintes teses: a) os Estados teriam autonomia constitucional para dispor sobre distribuição da carga horária dos seus profissionais do magistério e para dispor, mediante lei estadual e iniciativa privativa de cada Governador, sobre os valores dos seus vencimentos; b) que a imposição de tais obrigatoriedades jurídicas por meio de lei federal representa violação, pela União, do pacto federativo e das autonomias regionais.

 

E, tendo em vista a “repercussão negativa, dos pontos de vista pedagógico, jurídico e financeiro, não apenas para os estados do CODESUL, que ajuízam a presente ação, mas também em outras unidades da federação”, configuradores do perigo da demora e da espera pelo julgamento definitivo da ação, requereram a concessão de medida cautelar “para suspender a aplicabilidade dos dispositivos impugnados até seu julgamento definitivo”.[2]

 

O que o STF decidiu

 

Na sessão de 17 de dezembro de 2008, o STF efetuou o julgamento dos pedidos cautelares efetuados, do seguinte modo:

 

a) deferiu parcialmente a cautelar para “fixar interpretação conforme ao artigo 2°, da Lei n° 11.738/2008, no sentido de que, até o julgamento final da ação, a referência ao piso salarial é a remuneração”; ou seja, “Os Ministros definiram que o termo ‘piso’ a que se refere a norma em seu artigo 2° deve ser entendido como a remuneração, mínima a ser recebida pelos professores. Assim, até que o Supremo analise a constitucionalidade da norma, na decisão de mérito, os professores das escolas públicas terão a garantia de não ganhar abaixo de R$ 950,00, somados aí o vencimento básico (salário) e as gratificações e vantagens. Esse entendimento deverá ser mantido até o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4167”[3];

 

b) deferiu a cautelar em relação ao § 4° do Art. 2°;

 

c) deu “interpretação conforme ao artigo 3° para estabelecer que o cálculo das obrigações relativas ao piso salarial se dará a partir de 01 de janeiro de 2009”;

 

d) negou a suspensão cautelar do inciso II do Art. 3°, ficando vencidos, nesse ponto, os Ministros Ricardo Lewandowski e o Marco Aurélio (este último ficou vencido em todos os aspectos, porque deferia os pedidos cautelares em sua íntegra, tal como formulados).

 

Em suma, o STF decidiu que:

 

1) todo o cálculo das obrigações referentes ao piso salarial deve ocorrer tendo como marco inicial a data de 01 de janeiro de 2009;

 

2) até o julgamento do mérito da ação, fica suspensa a eficácia da norma que impõe o limite máximo de 2/3 da carga horária dos profissionais do magistério público da educação básica para o desempenho de atividades em sala de aula (sem prejuízo da autonomia de cada estado em estabelecer, se quiser, até mesmo um limite mais baixo de carga horária a ser prestada em sala de aula);

 

3) já a partir de 01 de janeiro de 2009, deve ser garantido que nenhum profissional do magistério da educação básica receba remuneração inferior a R$ 950,00, admitido o cômputo de gratificações e/ou outras vantagens remuneratórias na composição desse valor, isso até o julgamento definitivo da ação;

 

4) o cronograma estipulado pelo Art. 3° da Lei n° 11.738/2008 deve ser obrigatoriamente respeitado pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que possuem o dever de efetuar, já a partir de 01 de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor do piso e o vencimento inicial da carreira vigente

 

Conclusões

 

De acordo com informações que o SINTESE tem colocado publicamente, o Governo do Estado não vem cumprindo os termos da Lei n° 11.738/2008, nos parâmetros fixados cautelarmente pelo STF. Isso porque: a) estaria tão somente efetuando o complemento do valor faltante, em forma de abono, para que a remuneração dos professores de nível médio alcance o valor de R$ 950,00; b) não estaria cumprindo a exigência do inciso II do Art. 3° da Lei n° 11.738/2008, cuja suspensão cautelar foi indeferida pelo STF; c) não estaria efetuando o pagamento dos percentuais proporcionalmente equivalentes aos professores de nível superior.

 

A ser mesmo assim, parece assistir razão aos professores. O STF expressamente indeferiu o pedido de suspensão cautelar da eficácia do inciso II do Art. 3° da Lei n° 11.738/2008, razão pela qual já a partir de 01 de janeiro de 2009 o Estado de Sergipe deveria programar a integralização do valor do piso ao vencimento inicial das carreiras dos profissionais da educação básica pública, com acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor do piso e o vencimento inicial da carreira vigente, para fins de cumprimento da primeira etapa do cronograma estabelecidos legalmente e mantido pelo STF.

 

Além disso, o magistério público é organizado em carreira (Art. 206, inciso V da Constituição Federal) – o que pressupõe agrupamento e escalonamento de tarefas e responsabilidades, admitida a progressão funcional [“(…) o que importará acréscimo de remuneração e às vezes no exercício de atribuições mais complexas, mas de mesma natureza de trabalho”.[4] Isso implica dizer que a integralização do valor do piso ao vencimento no ponto inicial na carreira do magistério (formação em nível médio, na modalidade normal) implica integralização do valor proporcional ao vencimento nos demais pontos da carreira, impondo uma recomposição geral dos vencimentos-base de todos os seus escalões. E isso, de acordo com o cronograma estabelecido pela lei, deve ser feito do mesmo modo anteriormente apontado: já a partir de 01 de janeiro de 2009 o Estado de Sergipe deveria programar a integralização do valor do piso ao vencimento inicial das carreiras dos profissionais da educação básica pública, com acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor do piso e o vencimento inicial da carreira vigente, aplicáveis tais disposições aos vencimentos iniciais de todos os níveis e classes da carreira, tal como regulamentada atualmente na legislação estadual.

 

Do contrário, ter-se-ia a elevação dos vencimentos dos professores de nível médio e a estagnação dos vencimentos dos professores dos demais níveis na carreira, com evidente achatamento salarial e negação do princípio básico da organização da carreira do magistério público. Evidentemente, não foi essa a intenção das normas constitucionais e legais que dispõem sobre o piso, mas, ao contrário, promover a “valorização dos profissionais da educação escolar”, sendo os planos de carreira – a partir do piso salarial nacional – instrumentos de sua realização, tudo em prol de uma educação pública de qualidade.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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