Poder Judiciário e Reforma Política

Na última terça-feira (16/10/07), o Tribunal Superior Eleitoral, respondendo à Consulta nº 1.407, decidiu que os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral majoritário, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda”. Ou seja: decidiu que a titularidade do mandato pelo partido político também se aplica aos cargos cujo sistema de eleição é o majoritário (Senador da República, Presidente da República, Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito de Município).

Assim, o TSE estendeu o entendimento já anteriormente manifestado quando da resposta à Consulta nº 1.398 (ratificado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos mandados de segurança nº 26602, 26603 e 26604), no sentido de que “(…) os partidos políticos e as coligações conservam o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda”.

A maior dificuldade de extensão dessa compreensão era que, no sistema majoritário de eleição, o voto é atribuído aos candidatos individualmente considerados que, sendo mais votados, são os eleitos, enquanto no sistema proporcional o que conta mesmo para a eleição é a votação proporcionalmente atribuída ao partido político ou à coligação partidária (soma dos votos dados aos candidatos integrantes do mesmo partido político ou coligação partidária e dos votos dados às legendas partidárias). Assim, no sistema proporcional, via de regra, a votação recebida individualmente é insuficiente para a eleição, que só se concretiza quando do somatório da votação partidária. Daí a conseqüência lógica de que o mandato obtido por essa via pertence ao partido político. Conseqüência lógica que não ocorre no sistema majoritário de eleição.

Essa dificuldade, porém, foi superada pelo substancioso voto do Ministro do TSE, o sergipano Carlos Ayres Britto, que o fundamentou, resumidamente, nos seguintes termos: a Constituição prevê a necessária intermediação dos partidos políticos como veículos da democracia representativa. O povo somente se faz representar por representantes que, seja em eleições proporcionais ou majoritárias, integrem partidos políticos. A filiação partidária é condição de elegibilidade (Art. 14, § 3º, inciso V).

Como já disse neste mesmo espaço, as decisões do STF e do TSE servem de alerta para o Congresso Nacional, para os partidos políticos, para os políticos e para os governos: é preciso consolidar a democracia brasileira mediante o fortalecimento dos mecanismos da efetiva representação da vontade soberana do cidadão. Para tanto, era preciso tornar concreta a previsão constitucional da fidelidade partidária, o que foi feito por via judicial.

Todavia, não dá para esperar que o detalhamento regulamentador da fidelidade partidária e de outros mecanismos fortalecedores da efetiva representação da vontade popular advenha do Poder Judiciário.

Só para se ter uma idéia, o TSE já anuncia para essa semana a edição de resolução regulamentadora do processo através do qual será possível ao parlamentar ou ao partido político exercerem sua ampla defesa, a fim de justificar a desfiliação partidária ou de reivindicar a titularidade do mandato. Além disso, várias outras consultas foram formuladas ao TSE, a fim de que esclareça pontos que remanescem não suficientemente claros (por exemplo, na Consulta nº 1.479, o TSE é questionado: a) se “é correto afirmar que o instituto da fidelidade partidária pôs fim à possibilidade de se formarem coligações partidárias no âmbito das eleições majoritárias e proporcionais?”; b) como fica o preenchimento da vaga de senador em caso de desfiliação partidária do titular, se o primeiro suplente pertence a outro partido político que não o partido detentor do mandato? c) de igual modo, como fazer para suprir a vaga de deputado federal, deputado estadual ou vereador que se desfiliou do partido político titular do mandato, mas o primeiro suplente é de outro partido que integrou a mesma coligação para disputar a eleição, ou ainda em caso em que não há qualquer suplente eleito integrante do partido político detentor do mandato?).

É verdade que em todo o mundo o Poder Judiciário assumiu, na contemporaneidade, papel de protagonista das relações sociais e mesmo políticas. Entretanto, é algo temerário entregar ao Poder Judiciário a missão de efetuar, “na marra”, a necessária reforma política. O Poder Judiciário não pode se transformar no guardião paternalista da sociedade. A missão de efetuar a reforma política é dos poderes precipuamente legiferantes (Poder Legislativo, em especial, mas também o Poder Executivo), que possuem a legitimidade democrática que o voto popular lhes confere para tal fim. Entregá-la ao Poder Judiciário representa uma perigosa agudização da cada vez mais contemporânea tendência da chamada judicialização da política. O Poder Judiciário exerce importantíssima missão de guardião dos direitos fundamentais, em especial na proteção das minorias contra os eventuais abusos da maioria. Mas não é sua a missão precípua de estabelecer as regras de conduta e de convivência.

A reforma política (que aprimore a democracia, que moralize as práticas políticas e eleitorais, que fortaleça a efetiva representação) é uma demanda popular. Que o Congresso Nacional saia, portanto, do seu estado de inércia e letargia. E realize a reforma política, antes que o Poder Judiciário o faça por inteiro!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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