Qual o prato que mais identifica Sergipe?

Pontualmente, estava a semana que passou na sala de espera do Aeroporto Marechal Cunha Machado, na bela e histórica São Luiz, capital do Estado do Maranhão.  Ansiava ouvir a ensaiada voz que se repete em todos os aeroportos brasileiros, pois não via a hora de retornar à Aracaju. Entretanto, sem qualquer aviso prévio, outra voz se fez ouvir ao meu lado, agora carregada do conhecido, carinhoso e gostoso sotaque nordestino. Seu convite era bastante interessante, embora estivesse ela a me confundir com algum cidadão maranhense.

A dona da voz, uma senhora de aproximadamente sessenta anos, estava colhendo assinaturas para um abaixo-assinado em que se reivindicava transformar o arroz-de-cuchá em patrimônio imaterial do Maranhão e do Brasil. Antes que me devorem pedindo uma explicação, de logo esclareço que o cuchá é um conhecido prato típico maranhense, uma mistura interessante de arroz, gergelim, camarão seco, vinagreira e postas de peixe frito. E a transformação do prato em patrimônio imemorial significa que seria padronizada e registrada a receita original, preservando-a definitivamente na História, para que possa ser utilizada por gerações de gerações.

Não poderia ser mais oportuno convite, pois ele surgiu no momento em que eu saboreava o exótico Jesus, um refrigerante popular no Maranhão, conhecido como “sonho cor de rosa”, por ser um xarope cor rosa fosforescente, parecendo conter cereja e canela. É evidente que tal fato não passou despercebido pela reivindicante, servindo de ilustração para a sua proposta de preservar as coisas da terra, como aquele refrigerante inventado por um padeiro português, comunista e ateu, que morava em São Luiz.

Embora não seja um maranhense, assinei convencido o abaixo-assinado, contribuindo para tornar o arroz-de-cuchá um patrimônio de todos os brasileiros. Já no vôo, rejeitei, mais uma vez, o horrível, requentado e desrespeitoso sanduíche de queijo-com-alguma-coisa fornecido pela TAM, marcando um gol contra sua proposta de qualidade e respeito para com o passageiro. Com certeza, se algum abaixo-assinado circulasse entre os passageiros da TAM, a sua alimentação seria transformada em patrimônio imemorial do desrespeito.

E como a fome provisória provoca a gula do pensamento, fazendo buscar comida em outras paradas, comecei a me alimentar em pensamento de outros pratos já transformados em patrimônio imaterial do Brasil.  Assim, degustei o acarajé da Bahia, a moqueca capixaba, o arroz-de-pequi de Goiás, o pato a tucupi e o açaí na tigela paraenses, a costela de tambaqui de Roraima, o arroz-de-capote do Piauí e outros que se identificam com as culturas de cada estado brasileiro. Aí, já quase saciado, percebi que o meu pensamento não tinha me alimentado com algum prato típico de meu querido Sergipe. E antes que o meu assumido bairrismo fizesse culpado pelo “crime de ingratidão alimentar”, castigado em forma de indigestão, passei a buscar em minhas lembranças algum prato sergipano que, por sua exclusividade, pudesse ser considerado patrimônio imaterial de Sergipe e do Brasil.

Assim, em busca do meu próprio perdão, passei a freqüentar a cozinha da minha terra, catando o chamado alimento especial que, bastando pronunciar o seu nome ou a sua receita, imediatamente fizesse lembrar a terra do Cacique Serigy. Em pensamento, degustei da carne do sol bem amaciada do Restaurante Miguel, provei também daquela salgada em Cedro de São João, comi a maniçoba lagartense que se tornou famosa nos bares aracajuanos, consumi o amendoim cozido que inunda os bares da orla, arrisquei o arribacão de Porto da Folha, tirei uma lasquinha da moqueca de pitu que se espalha nos bares da ponte de Propriá e, de quebra, misturei acarajé com tapioca em uma das barracas da orla de Atalaia. E durante todo o vôo pousei pesadamente em várias cozinhas do meu Sergipe.    

Depois de saciado ou talvez por ter comido exageradamente, repentinamente fui acometido de uma indisposição alimentar. É que, antes de chegar a uma conclusão, relembrei que os pratos que devorei, assim como o cuscuz, a buchada, o queijo-coalho, a feijoada e o carangueijo-uçá são iguarias também consumidas em outros estados brasileiros. Nenhuma delas, salvo por algum preparo levemente diferenciado, são consideradas receitas registradas ou exclusivas do Estado de Sergipe, fazendo-se se destacar como nossa propriedade imemorial.

Eis então um desafio para este ano tão eleitoral, descobrir o prato típico sergipano que mereça ser chamado de patrimônio imemorial de Sergipe e do Brasil.  O legal desta eleição será a agradável tarefa de sair comendo pelos restaurantes e cozinhas da vida ou, para não engordar, pesquisar nos livros de receitas das nossas avós. O risco, porém, será descobrir a nossa completa ausência de criatividade ou diferencial cultural. É ver para crer ou comer para descobrir. A sorte está lançada.

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