Quebra de sigilo.

O noticiário está revoltado com uma quebra de sigilo do imposto de renda de algumas figuras da política nacional. Fala-se de um “receitagate”, alusão ao Watergate, célebre escândalo que terminou derrubando o Presidente americano Richard Nixon.

 

E Watergate ficou como desses golpes desnecessários e fatais, porque Nixon não precisava trapacear por já virtualmente vitorioso no pleito. No entanto seus aliados, violando a campanha adversária em busca de trunfo e vulnerabilidade, contaminaram todo o processo eleitoral e o mandato adquirido, levando o presidente à renúncia por medo de impeachment.

 

Agora, quando Dilma Roussef se apresenta imbatível também, procura-se estabelecer uma sua culpabilidade, por mando, no vazamento de informações que são entendidas por legalmente sigilosas.

 

Informações que jamais deveriam ser sigilosas, afinal uma declaração de imposto de renda é algo firmada como verdadeira, e jamais deveria permanecer encoberta por segredos e silêncios, sobretudo se o declarante de uma maneira ou de outra movimenta ou recebe recursos públicos, quer com funcionário, servidor ou ordenador de despesa, seu gestor e até legislador e julgador.

 

Nenhum servidor público deveria ser cercado de segredos em suas finanças e fianças, afinal este é o ônus da função, tentar-se mais transparente que a mulher de César se desnudando em provas e constatações de seriedade.

 

Se a lei assim não entende, trata-se de um mau uso da liberdade, em utilização esperta de más intenções. A liberdade não veio para tal derivação encobridora do crime. E o cidadão comum nada tem a esconder, a não ser o seu maior temor; submissão ao estado, o inimigo que finge protegê-lo.

 

Por outro lado, o sigilo é algo que sempre será, bem e melhor, quebrado. A tecnologia será inexorável, neste sentido. Diga-se como exemplo a facilidade atualmente existente nas gravações, em som e vídeo, avançando barreiras de opacidade e impenetrabilidade. As câmaras escondidas estão cada vez mais eficientes e a informática em rapidez e perfeição analisa números crescentes de dados; coisa que seria impossível pensar até ontem.

 

Recentemente, nas gravações de Copa do Mundo, vimos a rede Globo de televisão, no ilimitado dever de fiel informar, convocar deficientes auditivos e especialistas em leitura labial, para desvendar os palavrões do técnico Dunga, suprindo o que não fora captado por microfones direcionais.

 

E todos viram que, para não serem ouvidos ou traduzidos por leitura labial, os atletas punham a mão na boca, encobrindo-a, quando queriam dizer algo de íntimo ou merecer restar em segredo. Ou seja, não existe o “em off”. Ou melhor; só existe o famoso “em off”, quando há a molecagem do sigilo da fonte.

 

Mas, o mundo não para. Dia virá em que o pensamento não restará recluso à carcaça craniana, a menos que o homem saia às ruas qual guerreiro medieval, munido de capacete que isole suas ondas cerebrais dos demais. Porque não estará longe o tempo em que nossos pensamentos serão vasculhados via internet, só para provar que o pecado por pensamento fulmina de modo igual àquele das palavras e ações. Pelo menos era assim a recomendação do catecismo ao penitente ajoelhado no confessionário do perdão.

 

Faltas à parte, quem não deve, não teme! Pelo menos era assim que o carrasco firmava o cutelo no pescoço de sua vítima, que seria recebida por anjos e santos na eternidade dos sem culpa.

 

Mas, do mesmo modo como eu nunca vi um carro na contramão, um motoqueiro invadir a faixa de pedestre, ou um motorista avançar um semáforo, eu também nunca vi um bisbilhoteiro ser mal visto por fuçar a vida alheia. Isso não existe, sobretudo, se este detiver a guarda dos dados individuais e coletivos, arquivados por senhas e contra-senhas.

 

Eu mesmo já tive minha conta bancária acessada com retiradas nos remotos rincões do Tocantins e do Mato Grosso, lugares onde nunca transitei ou conheci. Estavam me roubando lá no pantanal e no bananal, e eu não percebera a vulnerabilidade virtual de minha rala poupança eventual.

 

Felizmente o banco não me culpou e repôs o prejuízo. Eu refiz os meus códigos, e não mais tenho usado a internet para pagamentos. Não sei também se o meu “sócio” foi identificado, admoestado ou punido.

 

Aliás, se a identificação é difícil e a admoestação é politicamente incorreta, a punição se faz mais improvável e impossível. Isto está tão fora do comum, que ninguém condena e todos o absolvem.

 

Mas, voltando à quebra do sigilo de políticos e familiares, a imprensa, sem elucidar interesses e objetivos, vem se fartando do escândalo maximizado.

 

Diferente da TV e do radio, em sua fugacidade de notícia e em programação de ficção ou reality show, os jornais perdem, sobremodo, com tais escândalos, em denúncia vazia. Porque depois os meandros processuais desmitificam todo o escarcéu opinativo de colunistas e comentadores, livrando o réu, sobrando a desesperança e a incredulidade nas folhas que mais deformam.

 

Talvez tenha sido também por isso, que recentemente o Jornal do Brasil fechou as portas. No tempo da Ditadura Militar, exibiu-se maximizando a censura, denunciando a mordaça e a algema que manietavam o seu livre direito de informar.

 

Pois é! Aqueles anos de chumbo lhe foram tempos áureos! Cessada a censura, o JB perdeu a graça, depauperou-se, morreu de inanição, e os leitores o abandonaram sem lhe carpir maior lágrima. E olhe que no JB havia o suplemento Idéias, o melhor caderno literário brasileiro! Só para dizer também, que literatura pouco vende!

 

Hoje a internet está desafiando Harpias e Cassandras, estimulando, por pior, o ataque solerte, desferido anônima e irresponsavelmente. E ainda acham que isso deva ser permitido como suprema missão da liberdade.

 

Será o sigilo quebrado mais grave que este ataque?

 

Não seria bem melhor que os atuais candidatos presidenciais se comprometessem a editar uma medida provisória extinguindo qualquer sigilo de ordem econômica e fiscal?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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