Reedição de um tema atual.

O recente caso de amordaçamento dos “pardais” de Aracaju, com tanta gente posando de bom mocismo em defesa da barbarização dos costumes e contra a punição pecuniária do infrator no trânsito, fez-me lembrar um texto não publicado, que escrevi em maio de 2010, no qual um deficiente físico baleara um motorista sadio que lhe ocupara a vaga de estacionamentos destinada por lei, delimitação de solo e placa sinalizadora bem visível, por dificuldade locomotora.

 

O assunto tomou as raias do absurdo, com condenação geral do retorno aos idos medievais e aos desmedidos desforços físicos e intolerantes, atos que já se supunham extintos e já extirpados do convívio dos homens.

M

as, quando o Estado falha e se omite na defesa da lei e do cidadão ofendido, é muito difícil a acalmia e serenidade dos injustiçados.

 

E assim, se a violência não é compreensível à luz da moderna convivência entre os homens, não se creia improvável que, por ira insana ou colérica sanidade, retorne-se à exacerbação como estupidez de remédio.

 

Agora, por exemplo, com o recente, total e desmoralizante, desregramento do tráfego de Aracaju, vale a reflexão atualizada em novo questionamento:

 

Precisamos dos loucos?

 

Recente noticiário (Maio de 2010) fala de um jovem que alvejou um homem no pátio de um dos nossos shoppings.

 

A notícia fala de um motivo fútil; uma discussão de vaga de estacionamento de um automóvel, destinada aos portadores de deficiência física.

 

A vítima, um canadense ou escocês, alguém de quem se esperaria uma melhor educação, pelo menos é assim, em complexo de meia-casta, que os brasileiros se sentem diante dos que falam um idioma estrangeiro.

 

O agressor, alguém que já se envolvera num outro fato delituoso, mas fora absolvido, o que em tese significaria uma ficha lavada e enxaguada; coisa definida em processo transitado e julgado.

 

Mas o agressor, mesmo com ficha alimpada ou alvejada, se revelou novamente violento e inconsequente. E por isso irá novamente ao banco dos réus defender-se de seu ato, de sua resposta excessiva, como estão a dizer os calmos, os mansos e até os pacíficos, quando não vivem o problema, nem sentem na pele a ofensa desferida.

 

Porque a vítima, a tomar como verdadeiras as justificativas do agressor, não se poderá vestir com a pele dos cândidos, meigos e dóceis, afinal estava utilizando uma vaga de estacionamento que lhe era proibida, por destinada e marcada só para uso de deficiente físico. Uma falta leve, comezinha, que todos cometem; menos os burros, os néscios e os incapazes de qualquer coisa.

 

Acontece que o atirador não era nada disso, embora estivesse deficiente físico, alguém que em tese exibiria um aleijão, só para utilizar uma injuriosa conotação politicamente incorreta daqueles em carência de locomoção, sempre menosprezados e modelos de chacota; estes que são os exclusivos destinatários da vaga de estacionamento invadida.

 

Mas o agredido, anglo-bretão ou gelado canadense, não se sentindo invasor, talvez na contemplação de sua história épica galesa, entendia que a vaga de deficiente físico melhor lhe serviria para aumentar a agilidade, dar-lhe maior mobilidade, levando mor vantagem, porque com cuspe e jeito, quem o sabe: até um boi pode entrar nos fundos de um sujeito, do reto às fuças; agora dando mau uso direto de um mote aprendido na molecagem brasileira.

 

E assim o ofendido agravou o bom senso, crendo-se maior no contra-senso, gargalhando contra os que crêem na lei, e rejeitam a canalha regra de levar vantagem; sempre: achando ser possível enfiar o boi, com chifre, mamilo e cauda, impunemente.

 

Ocorre que neste rescaldo o injuriado encontrou pela frente alguém que não faz parte desta inerme e vilipendiada maioria que aceita a ferida na pele e o avanço contraventor, diante do Estado que faz o regulamento e se fragiliza no seu respeito e acatamento.

 

Porque o Estado não pode imaginar que os homens são santos. E como tais, não foram angelicais, nem o agressor pelo excessivo uso de uma arma de fogo, nem o agredido por espoliador daquilo que o próprio Estado, e o bom senso geral lhe disseram não ser de seu uso.

 

Mas volta a imagem do jeitinho brasileiro, em que com cuspe e jeito sempre podemos enfiar qualquer coisa pelos fundos de um sujeito; um boi, repete o motejo; de casco a rabo.

 

E assim, eis o império da lei de Gerson encampado até por importados e aqui chegados: “Todo mundo gosta de levar uma vantagem! Certo?”

 

Certo não o é; mas todo mundo só fala no agressor, afinal estava portando um revólver, o que é mais ilegal ainda, e porque baleou a vítima em baixa pontaria.

 

E aí eu me lembrei que no sul do país um indivíduo foi reclamar de um excessivo barulho numa festa realizada num posto de gasolina altas horas da noite, com caixas de som potentíssimas, em flagrante desrespeito à lei do silêncio.

 

O coitado não teve sorte; de nada adiantaram os argumentos inermes. O reclamante levou uma surra dos contraventores barulhentos que baixou no hospital, só lhe restando mostrar a cara edemaciada na televisão em rede nacional, ao vivo e em cores.

 

Reportagem em que a própria autoridade estatal em apoio ao contraventor também botou a cara no vídeo para se apresentar emasculada, incapaz de solucionar com meios e homens tais problemas recorrentes nas noites na capital do país. Igual ou parecido com os automóveis estacionados em lugares indevidos pelos despossuídos de cartões autorizadores.

 

É assim; os homens fazem as leis, desarmam e desamparam o povo, e nós estamos à mercê de marginais e bandidos, e até de outros indivíduos que não chegam a tanto, mas que desrespeitam a regra e o bom senso, seja avançando num semáforo vermelho, seja violando a faixa de pedestre, e agora um espaço proibido.

 

Apreciando o acontecido em Brasília com o reclamante espancado, é conveniente sofrer mansinho porque ninguém deve recriminar um infrator ou quem nos pisa um calo, sob pena de apanhar e sofrer pior. A não ser que resolva se submeter ao cutelo da lei, infringindo-a educativamente com o próprio ônus, como foi o caso acontecido no shopping sergipano, infausto que deve ser refletido por ambos os lados, porque vivos e sem novo aleijão, com baixa pontaria restaram todos portando as suas histórias e cicatrizes.

 

Por fim, que se lamente, reprove, mas que não se censure tanto, porque tal ato pode ser repetido; sempre!

 

O fato acontecido parece vingar da idade da pedra, onde as relações se impunham sob ação do melhor porrete, algo que a modernidade baniu, entendendo que os homens deveriam conviver no respeito a uma regra embasada na aceitação dos limites mútuos.

 

Mas o respeito mútuo, embora pareça razoável e transparente, só constitui virtude de mão dupla quando há desarmamento de espíritos e até um desejo de aperfeiçoamento dos seres, enquanto personagens de uma mesma trama.

 

Ora, no teatro da vida as cenas sempre podem ser trágicas ou cômicas. O que foi é o que será. O homem é o mesmo em suas angústias e sonhos; uns explorando os outros: é verdade!

 

Mas, diante de quem nos assaca e humilha, estamos precisando ser loucos ou dos loucos e furiosos para nos defender?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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