Renúncia de Mandato Parlamentar e Inelegibilidade – II

Como dissemos na primeira parte, publicada na semana passada (https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=120830), a renúncia de mandato passou a ser adotada por muitos parlamentares de todas as esferas federativas como estratégia para evitar a consequência da inelegibilidade “para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subseqüentes ao término da legislatura” (art. 1º, inciso I, alínea “b” da Lei Complementar nº 64/90, com redação conferida pela Lei Complementar nº 81/94), quando publicamente acusados de práticas incompatíveis com o decoro.

Essa estratégia foi socialmente repudiada. A cidadania percebeu que a renúncia do parlamentar, nos casos acima descritos, traduzia subterfúgio para impedir o julgamento e a sua conseqüência mais protetora do interesse público, em caso de condenação: a inelegibilidade temporária para qualquer cargo eletivo.

Com efeito, já em 1993, diante de diversas renúncias de mandato de deputados federais submetidos a processos de cassação devidamente instaurados (acusados de práticas incompatíveis com o decoro parlamentar, detectadas durante a “CPI do Orçamento”), a sociedade civil demonstrou claramente o seu inconformismo e a sua indignação ante esse subterfúgio.

Dessa mobilização cívica resultou a aprovação, pelo Congresso Nacional, da emenda constitucional de revisão (emenda aprovada durante a revisão constitucional, realizada entre o segundo semestre de 1993 e o primeiro semestre de 1994) n° 6, em 07 de junho de 1994, que acrescentou a norma do § 4° ao Art. 57 da Constituição da República, para prever que “a renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2° e 3°”.

Com essa normatização, a estratégia da renúncia do mandato às vésperas da data marcada para o julgamento definitivo (pela Casa Legislativa) como forma de evitar a inelegibilidade temporária para qualquer cargo eletivo foi suficientemente coibida. Isso porque, quando já definitivamente instaurado pela Mesa Diretora da respectiva Casa Legislativa – de ofício ou mediante provocação de partido político nela representado – o devido processo de cassação de mandato, a renúncia do parlamentar processado não teria efeito jurídico imediato, de modo que o processo de cassação poderia transcorrer normalmente e se, ao final, a decisão da maioria absoluta fosse pela cassação do mandato (ou seja, julgamento de procedência da acusação), o seu mandato seria perdido pela cassação, e não pela renúncia, com o que de qualquer modo lhe seria, sim, aplicada a conseqüência da inelegibilidade temporária.

Noutras palavras: a partir da inclusão do § 4° do Art. 55 pela Emenda Constitucional de Revisão n° 6, de 07/07/1994, parlamentares não mais podiam adotar a estratégia de renunciar ao mandato às vésperas da data marcada para a sessão de julgamento no processo de cassação como forma de evitar a inelegibilidade temporária.

Ocorre que, a partir de então, diversos parlamentares de todas as esferas federativas, quando publicamente acusados de práticas incompatíveis com o decoro, passaram a adotar uma variante da estratégia anterior. Tendo em vista que a norma do § 4° do Art. 55, incluída na Constituição pela Emenda Constitucional de Revisão n° 6/1994, impôs que a renúncia ao mandato somente teria os efeitos jurídicos suspensos quando o parlamentar já estivesse “submetido” ao processo de cassação, vários parlamentares passaram a renunciar ao mandato antes mesmo da instauração formal do respectivo processo pela Mesa Diretora, não obstante já pendente, em muitos casos, provocação formal formulada por partido político representado na Casa Legislativa.

É verdade, perdiam o mandato pela renúncia. Mas escapavam da inelegibilidade, podendo ser candidatos a qualquer cargo eletivo já nas eleições seguintes. E como a renúncia ocorrera em momento no qual ainda não se encontravam “submetidos” a processo de cassação de mandato, a renúncia não tinha o seu efeito jurídico suspenso, aplicando-se imediatamente, impedindo a própria instauração do processo de cassação, com o que se impedia a eventual conseqüência da inelegibilidade, em caso de condenação por procedimento julgado incompatível com o decoro parlamentar.

Como foram inúmeras as situações em que as renúncias ocorreram nessas condições, a cidadania reagiu mais uma vez. E, no amplo contexto da iniciativa popular para aprovação da lei que ficou conhecida como “lei do ficha-limpa” (Lei Complementar n° 135/2010), novo e significativo passo foi dado para coibir essa estratégia da renúncia do mandato parlamentar como subterfúgio para impedir inelegibilidades futuras.

Com efeito, a “Lei do Ficha Limpa” incluiu como mais uma hipótese de inelegibilidade a “renúncia ao mandato”, “desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura” (alínea “k” do inciso I do Art. 1° da Lei Complementar n° 64/90, incluída pela LC n° 135/2010).

Logo, a partir da entrada em vigor da “Lei do Ficha Limpa” e da sua integral eficácia jurídica, a renúncia de parlamentar, mesmo que ainda não submetido a processo de cassação, mas quando já formulada representação ou petição apta à instauração do processo, caracterizará situação jurídica de inelegibilidade. Assim, coibida ficou a prática da renúncia ao mandato como subterfúgio para impedir a inelegibilidade fuura. A renúncia ao mandato, quando já pendente de apreciação petição ou representação da qual possa gerar a instauração do cabível processo de cassação, tornará o renunciante inelegível temporariamente para qualquer cargo eletivo.

Essa norma, que, ao meu sentir, representa uma vitória da cidadania, na coibição de condutas reprováveis por parte de mandatários eletivos, está com a sua constitucionalidade posta em exame no Supremo Tribunal Federal (ADI 4578), e já conta com o voto do Relator, Ministro Luiz Fux, a favor da declaração de inconstitucionalidade. Para Luiz Fux, impor inelegibilidade para renúncias que ocorrem quando pendente apenas uma petição ou representação, da qual nem sequer antecipadamente pode-se definir como apta para a instauração do processo de cassação, é medida desproporcional ao fim visado, restringindo excessivamente direitos políticos sem uma mínima base razoável de sustentação.

Penso que essa interpretação não leva em conta todo o contexto histórico-evolutivo (aqui apresentado, tanto na primeira quanto nesta segunda parte) de renúncias como estratégia deliberada de evitar a inelegibilidade, que a sociedade procurou, legitimamente, coibir, inicialmente com a inclusão do § 4° do Art. 55 na Constituição Federal e, posteriormente, com a inclusão da alínea “k” no inciso I do Art. 1° da LC n° 64/90 pela “Lei do Ficha Limpa”.

Aguardemos a decisão final do STF sobre esse específico tema. Quando esta ocorrer, a ele voltaremos, para uma análise da decisão final.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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