Retalhos de dois debates; inovações e manipulações.

Há uma atenção sobremodo importante das redes de TV com os seus telespectadores; emburrecê-los, torná-los mais inúteis e vazios. Quanto menos formá-los e mais deformá-los, melhor. Uma missão, sem exceção, em programação besteirol, onde a fantasia se imiscui no noticiário vazio, permeando o devario e até o bestiário.

 

O objetivo é agarrar a audiência, em arranho de carrapicho capa-cahorro, prendendo-o em derredor da ficção e da novela, erigindo o folhetim ruim como suprema majestade perante a desfocada realidade. E o curioso é que, diferentemente da produção literária pátria ou exótica, a TV não exibe o realismo fantástico do conto e da ficção, em gestos heróicos e pureza de ações.

 

Em sua ótica não há nem mesmo o anti-herói em inocência de chanchada. Pelo contrário! Desgracia-se até a história, pública, real e verdadeira, enaltecendo a piada e valorando a versão, se isso for engraçado e suscitar o jocoso e o gaiato. Ou seja; mote de palhaço, trejeito de palhaço, mas sem o mau jeito do palhaço.

 

Porque o palhaço sabe que seu cenário é o picadeiro, e sua missão é ocupar um espaço em desvio de atenção. E as TVs não se crêem nem palhaços nem picadeiros quando se exibem e se expõem, desviando, desfocando e ocultando a realidade do seu entorno e circunstância. As TVs se crêem sérias mesmo quando não exibem nem a graça decente nem a prudente preocupação com a formação, como instrumento orientador de massas, função que lhe deveria ser a precípua e originária.

 

No entanto, em busca do riso fácil em digestão sem solidez, perquire em pesquisa de opinião, aquilo que mais deforma a população de maneira a referendá-la acriticamente como verdade hialina, reforçando o aplauso equivocado das massas ignaras, espécie de gelatina inconsistente sem rumo e solidez. Ou seja, faz circo, pelo circo, pelo aplauso em gargalhada, mas não se quer um picadeiro.

 

Assim, e em prova maior que a seriedade e a realidade devem ceder ao divertimento da ficção anedótica, eis os debates políticos alocados pelas TVs nos horários mais inóspitos e vazios, para disputar com o cantar das corujas e os gorjeios de morcegos.

 

E mais! E bem pior! Não há nem respeito com o cidadão torcedor de futebol, com a novela “escanteando” o jogo madrugada adentro, esvaziando os estádios, tornados arenas de vadiagem e marginalidade; uma culpa também da TV, que não beija nem sobeja “geraldinos” e “arquibaldos”.

 

Dito isso como preâmbulo, desejo agora falar um pouco do último debate acontecido na segunda-feira dia 20 pela RECORD, que vencido o sono e a exaustão do dia, consegui assistir o que seria uma programação para morcegos, fantasmas, habitantes vadios da noite ou notívagos desocupados, tal o adiantado da hora, espancando a seriedade Brasil a fora.

 

Porque o debate aconteceu no país inteiro no mesmo horário. E por maravilhas da comunicação, eu pude não só assistir o debate daqui com os candidatos João Alves do DEM, Marcelo Deda do PT e a Professora Avilete Cruz do PSOL, como também o ocorrido em São Paulo, onde discutiram Geraldo Alkmin do PSDB, Aloísio Mercadante do PT, Celso Russomano do PP, Paulo Búfalo do PSOL, Fábio Feldman do PV e Paulo Skaf do PSB.

 

Desnecessário dizer que em mudanças de canal sucessivas eu não pude assistir a integralidade das discussões, de forma que o meu relato será uma colcha de retalhos, superficial e sem ousadia de análise profunda.

 

No plano estadual, constatei uma mudança notável nos candidatos João e Deda. João se destacando na percuciência de suas afirmações e cobranças, e Deda sem exibir a precisão e presteza de seu florete.

 

Deda saiu-se mal? Não. Mas, já foi bem melhor, deitando e rolando em promessas e cobranças.

João saiu-se bem? Sim, sobretudo se lembrarmos sua história de debates anteriores, em que a palavra não lhe fluía tão rápida na exibição estatística de realizações.

 

E por que isso? Porque o debate não tangenciou a promessa, não ensejou o sonho e a esperança de um novo tempo; um futuro auroral e quimérico. Debateu-se o presente e o passado recente em realizações e frustrações. E a comparação suscita a análise de fatos, em ponderação de feitos, permitindo uma constatação cartesiana e racional, uma discussão em termos de lema ou teorema, na qual não há bom afino de fonema e de poema, tudo o que espanca a eloqüência garbosa e a retórica enganosa.

 

Porque é difícil desmentir a estatística, é quase impossível manipular a matemática. Elas são tão exatas que nem Deus as violenta. E a professora Avilete ali estava para estabelecer justamente este contraponto, inserindo uma âncora para firmar a discussão nas angústias e deficiências do presente, testemunhando a insatisfação de professores e trabalhadores humilhados, em cobrança ética e em desconfiança exegética.

 

Uma presença amadurecida, irônica por descrente, diga-se de passagem, comungando a coerência reivindicativa incomodativa e sindical com sua ausência em virulência corrosiva. Ou seja, um PSOL mais adulto e menos orgulhoso de si mesmo.

 

Se no debate sergipano a discussão derivou para o “quem fez mais e o quem menos fez” em polarização de discussão, em São Paulo o tema fluiu sem maniqueismo.

 

O candidato Alkmin conseguiu habilmente fugir da discussão evitando polarizá-la com Mercadante, seu oponente mais próximo. Sem fugas nem rugas, Alkmin bem se utilizou das regras só questionando Búfalo, Skaf, Feldman e Russomano, assim mesmo para louvar a si e o seu partido, enaltecendo até o seu candidato a presidente José Serra.

 

Mas, se em Sergipe falou-se bastante sobre estradas construídas, hospitais em descalabro e escolas mal servidas, em São Paulo foi unânime a crítica ao regime educacional em aprovação sucessiva, esta novidade que o PSDB inseriu para piorar o ensino.

 

Houve, entretanto, algumas coisas interessantes. No caso de São Paulo, a presença de Paulo Skaf, empresário bem sucedido que insatisfeito em gerir apenas suas empresas, contraiu a febre que antes atacara seu colega e mais famoso, Ermírio de Morais, e quer mostrar por demais, ser também um bom administrador da coisa pública. E neste tom de quem é quem como melhor gestor, o debate se fez risonho para Alkmin, por único testado, dali saindo mais afagado pela audiência, que batido por tantos egos e alter-egos.

 

Nesta guerra de super ego, em Sergipe não foi tão diferente. Constatou-se, porém, que não vivemos um cenário de felicidades. Dados foram refutados, insatisfações várias foram repetidas; de professores, de policiais, de médicos e enfermeiros, sem falar da inoperância de hospitais e descalabro escolar. Até a chamada “rota do sertão” restou esburacada. E eu pensava ser uma pista magnífica! Uma realidade que contradiz a outra realidade; a virtual, em nuança computacional.

 

Em São Paulo, Mercadante mesmo exibindo um discurso bem fundamentado em argumentação e propostas, terminou falando sozinho e sem empolgar. Fábio Feldman do PV tentou inserir a preocupação com o desenvolvimento sustentável, esta anódina ficção agora em moda. Já Russomano externou a insatisfação dos consumidores e a insegurança com a polícia sendo repelida pelos bandidos do PCC.

 

Se em Sergipe não aconteceu o diálogo “paulistério” de surdos, houve uma inversão no bom desempenho de João e Deda diante da telinha, com João mostrando-se mais solto e convincente que outrora. Ninguém lhe pôde colocar, desta vez, qualquer guizo de mau gestor, pelo contrário; restou reluzente e brilhante.

 

Quanto a Deda, continuou brilhando também. Mas mostrou-se incomodado, e bem ferido, embora continuasse a se apresentar chistoso e encantador, mimetizando canduras de bom mocismo, em sorrisos enigmáticos e comentários anedóticos.

 

Neste sentido, tentou até permear a pilhéria, insinuando haver ódio e rancor nos pronunciamentos da Professora Avilete. Gracejou-lhe em profilaxia ilegal de dermatologia, preceituando-lhe conselhos e comportamentos em busca da estética da pele. Um conselho ao qual a Professora só fez responder em sorriso de Mona Lisa e em viso de Gioconda.

 

Já em São Paulo, o notável foi a desconstrução ideológica da propaganda e dos partidos políticos. O candidato do Partido Socialista Brasileiro, Paulo Skaf, aquele que prega a redução dos impostos e a revisão drástica da CLT e das conquistas trabalhistas, “aparelhando-se” do partido, crê-se o verdadeiro socialista, o socialista do século XXI.

 

Para Skaf, o empresariado é que é o verdadeiro socialista, em revisão de Engels, Saint Simon, Owen, o próprio Marx, e até Rosa Luxemburgo, sendo assassinada novamente por tola e equivocada. Uma ousadia tamanha que confrontado por Búfalo sobre o programa do PSB, em missão de estatização dos meios da produção, Skaf jurou-lhe fidelidade jesuítica, afirmando-se um defensor da não privatização da Petrobrás. Algo que por certo deu muitas cólicas em Roberto Campos no seu túmulo.

 

Ah, país! Aqui se desvirtua tudo! E o que foi nunca persistirá em pureza e credibilidade. Mesmo sendo repetido por bordão: “Quem bate cartão não vota em patrão”. Será simples retirar o não do chavão! Que o diga o novel camarada Paulo Skaf.

 

E nessa geléia geral de mistificação e enganação, restou-me um dado significativo e notável: Sergipe está construindo uma estrada de Niterói a Vaca Serrada.

 

Será que ouvi assim? De Niterói a Vaca Serrada? Mas, não é Niterói de Araribóia, não! Não é também a tramóia do nada chegando ao lugar nenhum! É de Vaca Serrada a Niterói!

Tome jeito, rapaz! Conheça seu Estado! Porque essa estrada foi o feito mais importante dos debates.

 

No mais, restou a divergência de ação do Governo Lula contra a última gestão de João. É um bem feito ou um não mal feito? Se houve este defeito, “foi João que se quis ‘ruim’”, espremido em Sergipe, ousando “desestabilizar” o governo de Lula na sua crítica à transposição do São Francisco.

 

Coisas passadas, como as águas que seguem e já não mais nos banham, nem modificam o pensar do eleitorado.

 

E afinal, quem ganhou nos dois debate? O povo, em maioria, que dormiu e nada ouviu.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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