Rua Laura Fontes III – O lado ímpar.

Como dito anteriormente, o casario do lado ímpar do segundo trecho da Rua Laura Fontes foi construído por último, possivelmente no final de 1973 ou início de 1974. As casas eram construídas em série e rapidamente levantadas dos alicerces aos telhados, sempre no sentido Norte-Sul aterrando os alagados com areias alvas trazidas por caminhões sucessivos.

 

No primeiro terreno, um grande lote da Avenida Anízio Azevedo, o Dr. Hercílio Cruz, psiquiatra famoso na cidade, iniciou a construção de uma casa ampla e robusta que se constituiria a melhor edificação da região.

 

Enquanto o Dr. Hercílio construía a sua casa por administração própria o Sr. João Alves, pai, e a sua Construtora Alves Ltda. (CAL) perseguia semeando residências vencendo pântanos e apecuns.

 

Enquanto construia a sua casa, o Dr. Hercílio Cruz adquiriu à CAL a primeira casa do lado ímpar, a de número 147, passando a habitá-la. Conjugava bom senso, eficiência e assistência familiar, afinal esta casa facilitava o acompanhamento da sua construção vizinha, bem como permitia que sua esposa, Da. Yolanda, pudesse dar uma melhor assistência à sua mãe, Da. Leonor, que já bem idosa morava do outro lado da rua, como dito no artigo anterior.

 

O casal Hercílio e Yolanda Cruz chegou à Rua Laura Fontes por volta de 1974 a 1976. Neste tempo já havia nascido Daniela, minha filha mais velha, o mesmo acontecendo com Daniel, filho de minha vizinha Cristina Setton, neto de Dr. Aron e Da. Laura Setton.

 

Dr. Hercílio era um homem gentil de compleição forte com boa conversa e excelente cultura geral. Era talvez o homem mais ilustrado da rua. Possuindo hábitos frugais e gostos simples, Dr. Hercílio gostava de sentar-se na calçada da esquina da sua casa numa cadeira de balanço onde recebia os amigos e vizinhos, usando um pijama longo em boas conversas nas noites cálidas.

 

Lembro prenunciar um excelente futuro para minha filha Daniela, achando-a precoce e inteligente. O Dr. Hercílio era amigo de nossas famílias. Fora amigo de meus sogros Aldegebran Garcia Moreno, já falecido então, e de Da. Júlia, e de meu pai Cabral Machado, grande amigo de seu irmão o Professor Acrísio Cruz.

 

Em testemunho desta ligação, o psiquiatra repetia em voz clara e empostada: “estou visceralmente à disposição de vocês”.

 

Sua esposa, Da. Yolanda Valois estava sempre ao seu lado, cuidando dos filhos, todos homens, e que já ingressavam na adolescência: Hercílio, Yolando; Manoel, Sílvio e Mário.

 

O Dr. Hercílio teve uma morte inesperada. Ninguém sabia que estivesse com qualquer moléstia. Por sua compleição física e passos lentos possivelmente padecesse de distúrbio cardiovascular e hipertensão arterial. O fato é que sua morte se deu dormindo para surpresa de todos. Quanto às duas casas, todas ainda pertencem à família Cruz. Da. Yolanda continuou morando na maior, enquanto na vizinha, a de número 147, morou o filho Yolando enquanto casado.

 

Alem dos familiares do Dr. Hercílio, em tempos mais recentes esta casa abrigou uma firma de publicidade pertencente a Luiz Sérgio e Sacuntala Guimarães.

 

Quanto à residência ampla da esquina, esta sediou por um tempo a Creche Dom Luis Mousinho da Fundação São Lucas, posteriormente uma escola de dança e agora está sendo reformada por Sílvio, um dos filhos do Dr. Hercílio, que ali pretende montar uma galeria comercial.

 

Destes vizinhos direi em acréscimo que há um fato a lamentar; o falecimento trágico de Manoel num acidente de moto. Manoel talvez dos irmãos fosse o mais alegre e festivo. Se houvesse explicação ou premonição, parecia que Mané iria morrer cedo, tal a sofreguidão como curtia o colorido da vida em toda extensão de brilho e sonoridade. Ele era amigo das motos, seu ginete de muitos cavalos. Sentia-se bem com o seu ruído e velocidade ensejando a criatividade de sinuosas acrobacias.

 

Um dia, num tempo em que não se pensava em capacetes e protetores, a moto lhe foi mais rápida jogando-o ao chão em queda fatal. E todos sentiram na rua, afinal todo mundo gostava de Mané que deixou esposa com um filhinho.

 

Seguindo a seqüência de números vem a casa 157. Nesta casa o Sr. João Alves, pai, colocou para morar uma de suas namoradas, a Sra. Jane.

 

Para quem não o conheceu, o Sr. João Alves fora ao longo da vida um homem vocacionado para a poligamia. Ao dizer isto, não lhe estou querendo ensejar uma vida picaresca de farsante ou de Don Juan lascivo. Há homens vocacionados para a poligamia como os há para a poliandria. O errado é nivelá-los.

 

Uma vez, ouvi esta pérola de sem-vergonhice ditada por uma mulher condescendente com as espertezas, trampolinices e “trampiculinagens” de seu marido: ”O homem tem uma natureza poligâmica”. Não é verdade! Há muitos homens cisnes, fiéis por toda a vida. E mais: se alguém não consegue manter uma fidelidade entre parceiros poderá com maior firmeza exibi-la nas demais relações humanas? Difícil, senão impossível.

 

Mas, excluídas as relações adulterinas, a poligamia é um hábito muito comum ainda em alguns povos semitas, muçulmanos e árabes, embora seja considerada uma grande heresia no mundo ocidental.

 

Ora, a despeito desta ojeriza na chamada civilização cristã ou européia, a poligamia vem acontecendo despercebidamente numa forma mais degradada com a quantidade de casamentos desfeitos e recomeçados, e com os nascimentos de filhos de casais separados.

 

Poder-se-á dizer que estas múltiplas separações e troca de parceiros não representa uma poligamia, afinal não existe o casamento e a convivência em harmonia de um homem com várias mulheres. Não é a mesma tradição de Abraão, de Jacó, de Davi e Salomão, com Sara encrencando com Hagar.

 

Não é também um casamento como o de Jacó com Lia e Raquel, as irmãs que em briga promíscua e troca de leveduras de um uro a outro uro, inseriam nesta permutação uma outra cepa bacteriana oriunda de um caráter ancilar, libertário e democrático, incluindo as escravas Bala e Zelfa, na trama, no drama, na transa e na suruba.

 

Sem falar por pior da poligamia de dezenas de mulheres que não impediram o adultério davídico com a Betsabé de Urias, e nem as centenas de mulheres e concubinas de Salomão, o mais sábio rei, que insaciado teve mor tesão pela rainha de Sabá, aquela que veio lhe desvendar a sede da sabedoria, com charadas, amplexos e meneios de quadril.

 

Coisas tão bíblicas quanto não profanas que pouco chamava a atenção no seu tempo.

 

Quanto ao Sr. João Alves, um homem inegavelmente fascinante, pelo que se diz e ainda se comenta, era possuidor de várias namoradas, deixando uma série de filhos, todos bem assistidos, educados e mantidos. E na casa 157 da minha rua, durante vários anos, sobretudo quando o Sr. João Alves estava vivo, morou Jane, uma dessas suas namoradas, que era loura e de bons predicados de beleza.

 

De Jane e João nasceram a menina Tereza e, salvo engano, um menino danado chamado Eduardo (?), o Dudu. Quanto à Tereza de Jane, como assim a conhecíamos, era uma menina alegre e simpática, suplantando um defeito de ordem física e de fala que não a impedia de bem se relacionar com todos.

 

Tereza de Jane ao ficar mocinha despertou o amor de um dos rapazes da rua, morador da casa 197, cujo nome não restou na lembrança.  Sei apenas que os dois se casaram, vivem muito bem, porque Tereza de Jane deu uma boa esposa e mãe, alegrando a vida de seu marido.

 

Quanto ao agoniado Dudu, não mais o vi. Deve estar com 30 anos de idade, aproximadamente.

 

Depois a casa permaneceria sem muitas mudanças, até que foi reformada e ampliada pelo Senhor. Jethro Moreira, um homem calmo, tranqüilo, vivendo solitário, que depois adoeceu e faleceu. Das minhas poucas conversas com o Sr. Jethro lembro-o um homem ameno e terno, vivendo solitariamente, mas de nada reclamando. Depois contraiu um mal degenerativo que o prendeu ao leito, vindo a falecer. Quanto à casa, hoje abriga a Renovar uma instituição Oficina Pedagógica de Educação Especial, para onde convergem crianças e jovens necessitados de cuidados especiais.

 

A casa seguinte, a de número 167, sofreu uma grande alteração estrutural com a inclusão de um pavimento superior. Tal reforma foi executada pelo casal Paulo e Lourdinha Maciel que ali ainda resistem como proprietários.

 

Não lembro muito dos seus primeiros moradores. Parece-me que o meu colega Jorge Moura Silva, professor do Departamento de Física da UFS foi um dos seus inquilinos. Posteriormente morou um casal com vários filhos Era uma família grande e muito animada. Praticamente todos os finais de semana aquela casa se caracterizava por animados festejos com muito ritmo e batucada. Estou a ouvi-los repetindo à exaustão a música em voga de Raul Seixas e o seu refrão: “Quem não tem colírio, usa óculos escuros”.

 

Parece-me que o chefe da casa, um senhor moreno, gentil e sorridente era percursionista de um conjunto musical. A família vivia em muita unidade e todos se reuniam ao derredor dos pais em evidência de muita amizade.

 

Quanto aos seus nomes relembro apenas os de Claudionor, Sirleide, Meirinha e Mito. Claudionor e uma irmã casariam na rua com dois irmãos. Claudionor com a médica Maria das Graças e uma sua irmã com o engenheiro civil Valdir Santos. Maria das Graças e Valdir moravam na casa vizinha, de número 177, pertencente a seus pais Dona Raimunda e Seu Valdemar Santos.

 

Quanto a Mito, o irmão mais novo, era de todos o mais relacionado da rua, com seu gênio afável e amigueiro.

 

Da sua família lembro ainda uma queimadura de fogos juninos em Meirinha, e o falecimento de um seu irmão, que era funcionário da Petrobrás, vítima de acidente de carro.

 

Depois deste infausto acontecimento a família de Mito mudou-se, indo morar na proximidade, numa casa da Avenida Anízio Azevedo em confluência com Acrísio Cruz, sendo a casa 167 depois adquirida Paulo e Lourdinha Maciel, casal de economistas e funcionários públicos, que realizou uma grande reforma e melhoramento com a edificação de um pavimento superior.

 

Paulo trouxe consigo seus filhos Gustavo e Ana Paula, amigos e companheiros de folguedos de meus filhos, dos quais terei muito a contar, e o cachorrinho Buby, pequenino e branquinho, que alegrou a todos da família Maciel, por mais de doze anos, salvo engano.

 

Na casa seguinte, já defronte a mim, no número 177, salvo engano, o primeiro morador foi um casal oriundo do Rio de Janeiro, que ali viveu por algum tempo.

 

Este casal não tinha filhos. Talvez existisse uma filha que já casada morava no sul do país. Há em mim uma rala lembrança deste dado. O marido era um homem alto e robusto que me pareceu ser um dos familiares, um outro irmão talvez, dos irmãos Lisboa, atletas de basquetebol e funcionários do BNB. Talvez eu esteja enganado sobre isto, mas a semelhança física, uma visita esporádica ou um comentário longínquo enseja-me tal desconfiança. Este casal, porém, permaneceu pouco tempo. Logo seria substituído por um outro de origem em Capela e Dores.

 

Este segundo casal, parente de meu colega Fernando Prado tinha três filhos; uma moça, Maria de Fátima, e dois rapazes. Maria de Fátima enamorou-se pelo médico André Setton, filho de meu vinho Dr. Aron e Dona Laura, casaram-se e hoje bem felizes vivem na proximidade do bairro.

 

Quanto à casa 177, depois foi adquirida pelo casal Waldemar e Raimunda Santos, seus filhos Maria de Fátima, Maria das Graças, Waldir, Waldson e os netos Tadeu e Viviane. Dos filhos de Dona Raimunda e Seu Waldemar, três casaram na rua, Maria das Graças com Claudionor, irmão de Mito, Valdir com uma irmã também de Mito e Waldson com Dinda, moradora da casa 197.

 

Seu Waldemar, hoje falecido, era uma figura que congregava filhos e netos. Hoje resta Dona Raimunda acompanhada de sua inseparável Josina. Quanto a Waldson casado com Dinda mora com os filhos na casa 166 adquirida a Dr. Aron Setton, que em face de viuvez preferiu uma residência que não lhe ensejasse saudades em tristeza.

 

Na casa 187 só houve um morador; o Sr. Elison Chagas que ali chegou jovem em início de casamento. O casamento teve pouca duração. Os dois preferiram a separação e Elison não quis mais constituir família, permanecendo na casa tendo a melhorado e ampliado.

 

Quando rotineiramente as chuvas são torrenciais e o canal da Anízio Azevedo se alarga desmedidamente com as águas invadindo a rua enveredando casas à dentro, é Elison quem nos avisa prestativamente por telefone: “Acorde, as águas estão invadindo a sua casa”.

 

Elison teve um acidente vascular cerebral, ficou algum tempo no leito, oportunidade em que o visitei algumas vezes. Hoje já se encontra restabelecido, tendo retornado a dirigir, inclusive.

 

Na casa seguinte, a de número 197, mora a família Paes. É um pessoal alourado com quem tive pouca aproximação. Uma proximidade maior aconteceu somente com os rapazes Márcio e Erik, netos dos Paes. Dos filhos deste casal, dois se casaram com pessoas do mesmo trecho da rua: Dinda casou com Waldson de Dona Raimunda e um rapaz dali casou com Tereza de Jane, conforme dito anteriormente.

 

Nesta casa de número 197 morou algum tempo um contemporâneo de estudos no Ateneu e na UFS, chamado Acrísio Salustiano de Jesus, pessoa alegre e eufórica. Infelizmente Acrísio adoeceu, ficou impressionado com a repressão encetada pelo movimento militar de 1964, sentindo-se perseguido e ameaçado, mas isso aconteceu muito tempo depois em que viveu na Rua Laura Fontes.

 

Já na casa seguinte, a de número 207 sempre morou o casal Jurandi e Janete Conrado. Jurandi já era um velho conhecido, colegas que fomos, nos cursos de inglês no IBEUS, Instituto Brasil Estados Unidos de Sergipe.

 

O IBEUS funcionava no andar superior do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe no prédio da Rua Itabaianinha. Ali fomos alunos de Miss Doris, José Romário e Manoel Messias.

 

Jurandi e Janete Conrado quando chegaram à casa 207 já tinham os filhos Marcelo e Márcio. Na rua nasceria o filho mais novo Marcos, o Marquinho, muito amigo de meus filhos.

 

Na casa 217, que permanece igual, viveu um casal de pouco relacionamento na rua. Deste casal, cujo nome se perdeu, lembro de um filho chamado Sérgio que casou com Rita, filha do meu vizinho Dr. Aron Setton. Foi um outro namoro iniciado na rua e que resultou em casamento. Desta união, o feito notável é o nascimento de Bruno Setton que se revelou um rapaz estudioso e muito atencioso, tendo inclusive se destacado como articulista nos nossos jornais. Bruno também fora um dos companheiros de folguedos de meus filhos.

 

Finalmente a rua se encerrava com a residência de número 227 pertencente ao Sr. Resende que era um homem alto, forte e careca e ali abriu um abatedouro de galinhas bastante freqüentado. Um dos netos do Sr. Resende, de nome Augusto César Leite de Resende, ficou grande amigo de meu filho Machado Neto, amizade de muitos feitos engraçados e curiosos e que os conduziu ao Ministério Público de Sergipe, já que juntos estudaram e galgaram vitórias no vestibular de Direito na UFS e no concurso para Promotor de Justiça de Sergipe.

 

Esta casa do Sr. Resende, por ter uma terreno bem mais largo, abriga hoje a clínica CECLIN do Dr. Sérgio Andrade e de Da. Ana Elma, a papelaria PAPELART, o bar BRANDS, antes tendo sido um açougue, um restaurante, uma farmácia e uma mercearia.

 

Para terminar este relato, desejo relembrar a figura de Acrísio Salustiano de Jesus em vários momentos. No primeiro, no Atheneu, jovem idealista, estudando o curso clássico, sendo cultor das letras. No segundo na Rua Laura Fontes onde parecia ter parado os estudos por estafa. No terceiro encontrando-o quase alucinado no calçadão da Rua João Pessoa, relatando que fora internado no manicômio como louco, enviado pelas multinacionais. Chegava a chamar atenção dos transeuntes, mostrando pouca sanidade: “Mas, eles (as multinacionais) vão se arrombar comigo!” No quarto me remetendo cartas com denúncias sofridas por órgãos repressores. Num quinto momento, calmo e apolíneo, retornando aos estudos na UFS, salvo engano no curso de História. É um momento em que a diabete o atinge, um pé é necrosado e amputado.

Está na minha memória sua presença no campus da UFS, continuando os estudos, empurrado por amigos numa cadeira de rodas, sempre eufórico e irradiando esperanças, esta alegria dos açúcares descompensados tão comuns aos que amam demais a vida, e sem limites.

 

Acrísio Salustiano de Jesus um dia faleceu. Soube-o depois, deixando-nos, a mim e a muitos, muitas lembranças e saudades.

 

Ao falar da Rua Laura Fontes, eu tenho oportunidade de escrever uma crônica que faltou a Acrísio da parte de todos nós que o amaram e o admiraram, pela sua eterna pureza de criança.

 

Quanto à Rua Laura Fontes o sorriso das crianças ainda iria alegrá-la, mas este é um assunto para outro dia.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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