Salário Mínimo por Decreto? – Parte II

Na semana passada, apontamos a existência de controvérsia sobre a constitucionalidade do Art. 3° da Lei n° 12.382/2011 (que dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua política de valorização de longo prazo). Isso porque o referido dispositivo legal prevê que Os reajustes e aumentos fixados na forma do art. 2o serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto, nos termos desta Lei.”.

 

A apontada inconstitucionalidade estaria nessa autorização legal concedida ao Poder Executivo para que, por meio de decreto presidencial, estabeleça o valor do salário mínimo a partir do ano de 2012, quando a Constituição Federal exige, no seu Art. 7°, inciso IV, que o salário mínimo seja fixado em lei.

 

Como antecipei na semana passada, não compartilho desse entendimento. De fato, nos termos constitucionais, o salário mínimo, direito fundamental dos trabalhadores, deve ser fixado em lei. Pois é exatamente o que a Lei n° 12.382/2011 faz, por deliberação amplamente majoritária do Congresso Nacional: define, em seu Art. 2°, os critérios objetivos que balizarão o reajuste e o aumento real, anual, do valor do salário mínimo.

 

Não é difícil perceber. O § 1° do Art. 2° da mencionada lei é taxativo: para o reajuste, será utilizado o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor. E o § 4° do Art. 2° é igualmente taxativo: para o aumento real, percentuais equivalentes à taxa de crescimento real do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos anteriores:

 

Art. 2o  Ficam estabelecidas as diretrizes para a política de valorização do salário mínimo a vigorar entre 2012 e 2015, inclusive, a serem aplicadas em 1o de janeiro do respectivo ano.  

§ 1o  Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário mínimo corresponderão à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste

(…)

§ 4o  A título de aumento real, serão aplicados os seguintes percentuais

I – em 2012, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto – PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2010;

II – em 2013, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2011; 

III – em 2014, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2012; e 

IV – em 2015, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2013. (grifou-se).

 

Observe-se: a lei não dá ao Poder Executivo nenhuma, repita-se, nenhuma margem de discricionariedade para o estabelecimento de qualquer regra ou definição de qualquer percentual ou fixação de qualquer valor para o salário mínimo dos anos de 2012, 2013 e 2014. O decreto do Poder Executivo, ao qual alude o Art. 3° da lei, limitar-se-á a formalizar o valor do salário mínimo, a partir de operação aritmética singela, tão logo estejam disponíveis os índices definidos na lei.

 

Não é o decreto da Presidenta da República que vai “fixar” o valor do salário mínimo a partir de 2012. O decreto vai apenas formalizar para o mundo jurídico e social o valor nominal do salário mínimo, encontrado não por vontade arbitrária ou unipessoal da Presidenta da República, mas por meio  de uma operação matemática realizada a partir do momento em que os índices estabelecidos em lei forem divulgados.

 

Portanto, ao contrário do que sustentam o PPS, DEM e o PSDB na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4568, não se verifica qualquer delegação de poderes à Presidenta da República. O Congresso Nacional não abriu mão de nenhuma prerrogativa, e definiu – goste-se ou não da definição aprovada – os critérios objetivos para a fixação do valor do salário mínimo a partir de 2012.

 

Também não procede o argumento – utilizado pelo PPS, DEM e PSDB na mencionada ação direta de inconstitucionalidade – segundo o qual o Congresso Nacional não poderá se manifestar sobre o valor do salário mínimo nos anos de 2012 a 2015, e isso por dois motivos: a) o Congresso Nacional já se manifestou, e já estabeleceu tais valores, prospectivamente, por via da fixação dos índices que deverão ser utilizados no cálculo do reajuste anual e aumento real do valor do salário mínimo; b) como a Lei n° 12.382/2011 é uma lei ordinária, nada impede que, se assim o desejar, por maioria simples de votos, o Congresso Nacional altere a Lei n° 12.382/2011 e estabeleça outro regramento ou outro valor do salário mínimo diferente daquele resultante da aplicação dos atuais critérios objetivos já previamente fixados.

 

E tanto isso é verdadeiro que a mencionada ação direta de inconstitucionalidade se limita a pedir ao Supremo Tribunal Federal a declaração de inconstitucionalidade do Art. 3° da Lei n° 12.382/2011 (Art. 3o  Os reajustes e aumentos fixados na forma do art. 2o serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto, nos termos desta Lei. Parágrafo único.  O decreto do Poder Executivo a que se refere o caput divulgará a cada ano os valores mensal, diário e horário do salário mínimo decorrentes do disposto neste artigo, correspondendo o valor diário a um trinta avos e o valor horário a um duzentos e vinte avos do valor mensal”).

 

Ou seja: ainda que o STF julgue procedente a ação, restará incólume o Art. 2°, e portanto restarão incólumes os §§ 1° e 4° do Art. 2°, com o que permanecerão em vigor os critérios objetivos estabelecidos na lei para a fixação do valor do salário mínimo. E mesmo que o valor nominal do salário mínimo não venha a ser indicado por decreto da Presidenta da República, será esse valor nominal publicamente conhecido a partir da divulgação dos índices impostos pela lei. O que significa dizer que, no fim das contas, quem terá definido o valor do salário mínimo será, mesmo, o Congresso Nacional, quando aprovou a Lei n° 12.382/2011.

 

Aguardemos, porém, o julgamento da ADI 4568, distribuído à relatoria da Ministra Carmem Lúcia, quando voltaremos a abordar o tema, com análise da decisão final do Supremo Tribunal Federal.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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