Os noticiários, ávidos por manchetes catastróficas, foram rápidos na divulgação da grave e inédita onda de pavor que sacudiu o Estado de São Paulo. Não poderiam mesmo perder tão importante espaço jornalístico, afinal, como narravam, o mais poderoso pedaço de terra brasileiro havia se quedado, inerte, diante do crime organizado. Os mais exaltados diziam até que o Iraque havia se transferido para o rincão governado pelo pefelista Cláudio Lembo. E, carregando na pauta sensacionalista, comparavam a tragédia provocada pela invasão estadunidense com os nossos policiais assassinados, agentes penitenciários martirizados, cidadãos tombados, delegacias explodidas, ônibus queimados, rebeliões em presídios, balas perdidas, fuga desesperada da população, comércio e escolas fechadas e alguns outros exemplos de armas utilizadas pelo “novo conquistador brasileiro”. Esquecem eles que São Paulo não sofre qualquer ameaça estrangeira, salvo a atabalhoada propaganda de corte do gás boliviano. A população paulistana prossegue respirando a mesma garoa acinzentada, apesar dos espasmos desorientados de seu governo. A BOVESPA permanece intacta na sua capacidade de gerar e apagar riquezas, assim como os ônibus seguem, amontoados de operários, circulando a pobreza. Os presídios e delegacias continuam verdadeiros depósitos de desesperançados, a despeito dos fartos recursos públicos prometidos em tempos falecidos. Definitivamente São Paulo não é e nunca será o combalido Iraque. São Paulo é tão-somente o retrato atual do Brasil. É bem verdade que a ação do governador paulista tem dado um tempero adicional à crise, talvez porque calouro na tarefa de administrar, talvez para encobrir erros do governante anterior. Afinal, é absolutamente inaceitável rejeitar publicamente a parceria do Governo Federal, segundo consta por “relevantes razões eleitorais”. Não se pode aceitar que seja verdadeira a versão de que concordara com a negociação direta e submissa com os comandantes do crime organizado, embora os fatos demonstrem que algo ocorrera nos porões dos presídios. É igualmente absurda a sua proposta de gravar as conversas dos presos com os seus advogados, salvo se estivesse com saudade dos tempos ditatoriais, quando os presos eram torturados, incomunicáveis e destituídos do direito de defesa. É verdadeiramente intolerável não assumir erros praticados, pois somente acerta aquele que sabe compreender a sua própria falha e ousa partir para a superação. Aliás, transferir para outras pessoas ou instituições responsabilidades que são próprias de um governante estadual é lugar comum no Brasil. É do governador a tarefa de investimento nos aperfeiçoamentos técnicos e éticos dos policiais e agentes penitenciários, expulsando aqueles que são cooptados pelo crime organizado. É seu dever construir presídios seguros, impedir a superpopulação carcerária e a transformação de homens que cometeram pequenos delitos em fieis soldados dos comandantes do crime. É sua a função proibir o acesso do uso de celulares ou a comunicação externa, assim como não permitir que as penitenciárias sejam sedes de um Estado-paralelo, infrator e intocável. Não é muito diferente algumas reações de dirigentes federais, mesmo porque também a União é responsável pela política de segurança pública. Despesas orçamentárias com esta finalidade são constantemente cortadas. Não se construiu o tão prometido presídio federal. As fronteiras continuam livres para o contrabando de homens, armas e drogas. A corrupção e o desvio de verbas públicas ainda campeiam livres em vários órgãos, prendendo-se tão-somente a esperança de um país justo, humano e igual. Não se pode falar em inocentes quando se trata de omissão pública, ainda mais quando se está em discussão a segurança do cidadão. Finalizando, embora se possa afirmar que parte das conseqüências do drama brasileiro seja comparável ao terror iraquiano, o exagero da afirmação deve parar por aí. A crise paulista não é de soberania, tampouco é institucional. É crise que assola São Paulo é estrutural mesmo. O Estado paulista sofre porque faliu a sua estrutura governamental, chora em razão do descaso com a segurança do seu público, se desespera por ter desprezado a sua população carcerária e lamenta que a desigualdade social ainda reside constrangida ao lado de suas mansões. A crise do Estado de São Paulo é, portando, a crise do próprio Brasil.
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