Sempre uma questão de impunidade também.

Preso por uma indisposição dos que amam bastante e não ficam indiferentes às más novidades do noticiário, eis-me retido no leito, sem ter o que fazer, afastado dos meus hábitos e cômodos, tentando cumprir à risca admoestações, recomendações e necessários cuidados de profissionais médicos e paramédicos, todos eficientes, gentis e dedicados, sendo furado aqui, cutucado ali, mensurado, aferido, conferido, auscultado, com o açúcar louco, subindo e descendo, que nunca fora assim, e enfim, eis-me impedido de ir e vir como gostaria, sendo paparicado como nunca pensaria nem desejaria tanto.

Vem-me então a dúvida: estarei ao pé da cova? Se estiver, o fim está chegando numa boa hora, sem dívidas, nem dúvidas.  Se não fiz mais e melhor, outrem poderá fazê-lo, porque a vida é assim, uns superando outros, em recordes bem feitos e até corrigindo os malfeitos.

Não deixo dívidas nem carrego dúvidas. Dívidas financeiras, todas pagas, antes do prazo como deve ser. Se há prestações a vencer, bloquetos que virão ainda, há uma sobra compatível com a sobriedade dos meus custos.

Se dívidas deixo, porém, com a vida, o entorno e a circunstância, e todos as temos impagáveis ou não retribuídas, não as negarei, mesmo repetindo que primei por pedir assaz pouco e suplicar ou adular jamais. Mas não as rejeitarei como se fora um fanfarrão a se creditar andarilho solitário, inconsciente da desprovisão da própria suficiência. Não, junto a mim estavam muitos, em estímulo e esforço, e até aqueles que se fizeram barreiras e constituíram desafios. Como foi bom tê-los comigo, vencendo e até perdendo , como deve ser também, por missão e realização. Viverão sempre na minha gratidão memorial como antífona inarredável “Deus lhes pague!”

Se dúvidas possuo, pretendo carregá-las como ônus da racionalidade que não desejo renegar. Creio que a dúvida sempre fertiliza, e neste campo acho-me um teísta em busca de fé. Deus está na minha vida, não o devo arrancar daí, mas ousarei sempre duvidar do dito, do escrito, do pregado e do prescrito, seja sacro, vago ou santo, que conflitue com o meu pensar único e inderrogável. “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”, só para citar o poeta em idêntica constatação avocada.
Mas o mundo me chama à realidade até quando procuro afastar o pensamento de questões existenciais procurando matar o tempo com uma palavra cruzada, “coquetel desafio difícil destinada a cobrão”. Surge a pergunta como se fora algo realmente inusitado: Estimula o crime no Brasil, com dez letras. Resposta imediata: IMPUNIDADE.

Abandono as Palavras Cruzadas e vem-me a vontade de escrever usando o meu notebook ligado à rede wireless por gentileza do Hospital Primavera em modernidade e eficiência.

Mas o noticiário fala de novo em misérias esperadas e constatadas, tudo fruto da IMPUNIDADE, aquela que com dez letras estimula o crime no Brasil.

A notícia nova é o ENEM, mais uma vez, de novo e novamente; com os mesmos erros, agora no Ceará. E logo no Ceará que não tinha “disso não”, segundo o velho baião. Mas agora teve escancaradamente, e querem fingir que nada houve, aplicando um esparadrapo no roto trabalho detectado, refazendo a prova de um colégio, como se um manchão de um curativo mal ajambrado saneasse a seriedade do certame.

E querem que tudo fique a critério dos advogados públicos, pleiteando o impensável e o imaginável na defesa do vício.

Uma coisa terrível, porque se ao vicioso é compreensível a ampla defesa, até por contratação do venal por tudo, e do inescrupuloso capaz de tudo, é estranhíssimo um advogado público se prestar, num desvio deletério de missão impessoal, conflitando com o que lhe é assegurado por lei em termos de estabilidade, inamovibilidade e independência, para defender o vício, impondo uma versão que jamais consertará o erro do seu chefe, comprovadamente imprevidente, desidioso ou culposo visceral.

Porque não há revolta, nem recusa, menos ainda uma manifestação vergonhosa da própria corporação, denunciando qualquer pejo por pleitear o “alimpamento” do concurso nauseabundo enlameado.

E assim, longe de espancar o vício, soa bem melhor nada apurar, nem consertar, virar virtuose bem afinado de tal concerto dissonante e mal sonante, em ruídos e zumbidos, regido pelo administrador imprevidente, desidioso, ou doloso criminal, tudo regiamente pago pelo erário, invocando o desaparecimento e o esquecimento mantido o cochichado zombeteiro, afinal isso é coisa do Brasil, no próximo ano teremos outro ENEM, promovido pelos mesmos sábios de agora, ou seus prepostos que ficaram de fora. Por que fazer tanta celeuma se as questões foram bem feitas e bem postas, e não há sigilos em terras brasílicas?

Cabe, porém, a pergunta: é correto usar todo o arcaboiço jurídico e protelatório para tornar o leproso ENEM bem lisinho e esticadinho, sem ruga, sem purulência ou mau odor, bem repassado em photoshop?

Que não me acusem de politicamente incorreto por usar os doentes mais curados por Cristo, na comparação por argumento.

É que o morfético ENEM precisa de quem o saneie e não de quem o sacaneie, repetidamente todo ano.

E assim eu me volto para a minha fragilidade denunciada, comprovada e aferida, contemplando a própria finitude enquanto limitação do ser, e a ilimitada caminhada de corrupção, imorrível impunidade do noticiário.

Nada fica, nada acontece e os julgamentos se eternizam. Querem que o poder judiciário resolva tudo, e os votos viram verdadeiros tratados de inutilidades, sem ensejar nem mesmo revolta.

Somos um povo ordeiro, pacífico, mas como gostamos de roubar, fraudar, dilapidar o que é de todos e de ninguém! E tudo em pleno estado de direito, em amplo e inigualável fastígio da lei, o que é estagnante, porque ninguém mais ousa mudanças exóticas.

Mas, se não temos alucinados terroristas ou inconformados camicases, em proceder de galera de time de beco, no noticiário de boca miúda acovardada na internet há muitos que se ufanizam, com a enfermidade noticiada do Presidente Lula, inclusive dando vivas ao câncer que ameaça sua vida e sua voz.

O ser humano é assim, regozija-se com a infelicidade daquele que lhe não é do agrado.

É a velha pusilanimidade dos que se orgasmam chutando anonimamente os fraquejados ou caídos. Estofo de gente menor; pequenina, em verdadeira miudez virótica, mesmo usando a internet e a modernidade para desferir o ataque solerte e se escafeder; igual aos deturpadores do ENEM, nunca encontrados.

Sempre uma questão de impunidade também.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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