No piscar das horas, pequeníssimas horas diante do ininterrupto caminhar da humanidade, três notícias vinculadas a uma mesma matriz. No rápido avançar do tempo sou informado de que o próprio tempo resolvera interromper o suspirar alegre de três corações. No veloz ponteiro da história o relógio da vida não mais registraria o badalar firme de três homens, personagens que coloriram o bem-querer da humanidade. Um leve picar, rápido e veloz, a interferir decisivamente nos sentimentos expostos em suas comunidades. Da minha comunidade sergipana, recebi o triste aviso de que falecera o amigo-advogado Divanilton Portela, ex-presidente da Associação Sergipana dos Advogados Trabalhista. Da vizinha cidade de Salvador, a comunicação de que a partida fora executada pelo também amigo-advogado Gilberto Gomes, ex-Secretário-Geral do Conselho Federal da OAB e ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas. Já da distante terra goiana, a dor estaria na constatação de que Agenor Cançado resolvera seguir o mesmo trilhar dos demais amigos. Constantemente acontecimentos como estes, próximos ou não, são anunciados, mudando tão-somente os personagens e as comunidades, nos fazendo pensar sobre a existência humana. Diante deles, surpresos, ficamos a refletir sobre a complexidade dos sentimentos depositados numa comunidade. Confrontados pela dor que provocam, nos fazem compreender que nas comunidades não há espaço livre para a monotonia sentimental, pois tudo e todos interagem compulsoriamente, mesmo quando se pretende fazer do distanciamento social uma razão de viver. Não há redoma de vidro suficientemente forte para isolar o sentimento humano, tampouco algema resistente para prender submissa a dor provocada pela perda de um ente querido. Talvez esteja aí a explicação para confusão sentimental diante da notícia da morte. Diante dela ficamos fragilizados, em dúvida, sem podermos esboçar qualquer reação lógica. Até mesmo um simples ato de solidariedade para com quem ficou é muito ambíguo e dolorido. Não raro, perguntas e mais perguntas imediatamente brotam buscando respostas que demoram a chegar, até porque a morte sempre nos foi apresentada como inimiga da vida. Uma adversária tão bárbara que não admitiria trégua ou compaixão para com sua vítima. Combatentes que não poderiam coexistir pacificamente. E se a vida sempre se queda diante da morte, o que dizer quando a batalha chega ao seu fim? Como agir? Pode-se consolar ou acalmar a dor de quem fico? É mesmo importante dizer que a partida não abala o sentimento daquele que ficou na estação, ainda que atormentado pelo adeus forçado? Vale a pena lembrar, nesta hora, que o desalento pela despedida é um sentimento compartilhado? Será que o silêncio também não pode ser interpretado como desatenção com aquele que permaneceu ou indiferença com quem foi embora? É possível sentir a existência da vida quando nos confrontamos com a vitória da morte? E, para embaralhar o amontoado de sentimentos em conflito, somos ainda obrigados a confortar as nossas certezas. A certeza de que vida efetivamente não acaba quando conquistada pela morte é confrontada, friamente, pela certeza de que o corpo tão querido jamais fará a viagem de volta. A certeza de que o coração continuará vibrando emocionado diante da lembrança é desafiada, diariamente, pela certeza de que o calor do corpo não mais agasalhará o compulsivo coração. A certeza de que extinção do corpo não apaga a história já escrita em nossa mente é provocada, ironicamente, pela certeza de que a escritor perdeu um parceiro. Não poderiam ser diferentes estes conflitos e dúvidas, pois viver em comunidade significa compartilhar sonhos, socializar emoções, absorver frustrações, sofrer desilusões, expandir experiências e, acima de tudo, solidificar relacionamentos. Ainda que se argumente que andarilhos da solidão pipocam em vários cantos e recantos, alguns até infiltrados no meio da multidão, mesmo assim é verdadeiro afirmar que os que vivem isolados provocam e exalam sentimentos sobre aqueles que os rodeiam. É que não se pode viver em comunidade destituído de sentimento, ainda que diante da morte. Talvez encontremos no próprio sentimento o melhor antídoto contra a morte ou a vida vegetativa. Portanto, demonstrar o que sentimos pelo outro é, simultaneamente, manter ativa nossa existência e a daquele que nos deixou marcas profundas. E como sentir é um dos mais profundos e divinos atributos da vida, que seja ele imortalizado em nossas ações diárias ou, plagiando os velhos marinheiros portugueses, “navegar é preciso, sentir é preciso, intensamente”.
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