Sergipe e o Conselheiro (X)

Dom Romualdo de Seixas
Empunhando a bandeira do trabalho, o Clero nordestino (e sergipano) combateu o que classificou como preguiça. Um embate vigoroso, sem trégua, que fixou-se principalmente no século XIX, quando as autoridades provinciais administravam próximos da Igreja.

Ociosidade, vadiagem e preguiça sempre circularam próximos, embora existam diferenças semânticas entre os termos. O ócio jamais foi compreendido, principalmente quando revestido da dignidade e a preguiça tomou fóruns de adjetivos, marcando pessoas, comunidades, etnias, conotados na história, enquanto a vadiagem virou crime na legislação brasileira. Reproduzia-se, assim, conceitos antigos que ainda vigoram, como se fossem modelos disponíveis, aos quais as esferas do Poder recorreriam, em defesa dos seus interesses.

A Província de Sergipe enfrentou sucessivas epidemias que sacrificavam a sua administração e penalizavam, gravemente, a população. Em todas as vilas e cidades eram contados os doentes e os mortos, numa estatística macabra que se repetia, mudando o rótulo e as patologias das doenças. Foram tempos difíceis, de resistência e de resignação, que precisou da força e da coragem dos habitantes do território sergipano. O resultado foi um quadro generalizado de pobreza, alastrado pelos engenhos, fazendas de gado, feiras e atividades comerciais e domésticas.

No Relatório com que entregou a administração da Província ao dr. Tomaz Alves Junior, em 15 de agosto de 1860, Manoel da Cunha Galvão deplora a situação e revela as providências que tomou para diminuir, por exemplo, os preços dos gêneros alimentícios, que rareavam. Muitas vezes o próprio Governo comprava farinha de mandioca e carne seca para atender, como dieta básica, à população. A preocupação positiva do Presidente da Província contrasta com suas conclusões, desairosas para os sergipanos. É que, segundo Cunha Galvão, “era o ócio e a indolência a que se entregavam os habitantes, que em lugar de serem outros tatos produtores. Eram apenas consumidores.”

Importava enfrentar o problema extirpando o mal, por ele considerado, e desenvolver o amor ao trabalho. Diz ele: “Assim o fiz: reconhecendo que aos Juízes de Paz, pela lei de sua organização competia zelar para que não houvesse vadios e mendigos, recomendei-lhes encarecidamente o cumprimento daquele importante preceito da lei; pedi-lhes que fizessem o que tivessem ao seu alcance para acabarem com a ociosidade. Dirigi-me também ao Dr. Chefe de Polícia para que por seu intermédio e das autoridades policiais procurassem tanto quanto estivesse dentro da órbita de suas atribuições, obrigar o povo ao trabalho e abandonar a ociosidade fonte de tantos vícios.

As medidas não surtiram efeito, mas o Presidente continuava buscando alternativas, como diz: “Reconhecendo porém que todos estes meios eram insuficientes, e sobretudo não tinham peso no grande número de mulheres que abunda na Província e que sem o auxílio da nossa Religião eu não poderia realizar os meus desejos, dirigi-me a todos os Vigários da Província, que nas suas prédicas exortassem o povo ao trabalho, por meio do qual obteria a abundância e a satisfação com o auxílio de Deus.

O efeito também não foi o esperado e o Presidente Cunha Galvão apelou para o Arcebispo da Bahia Dom Romualdo de Seixas, o Marquês de Santa Cruz, pedindo uma Pastoral especialmente dedicada aos católicos sergipanos, recomendando-lhes que abandonassem os seus hábitos de ociosidade e indolência e se entregassem ufanosos ao trabalho. Em Carta de 26 de maio de 1860, Dom Romualdo de Seixas manda a Pastoral, antes publicada no Jornal da Tarde, em Salvador. É um texto doutrinário, repleto de abonações e notas, que posiciona a Arquidiocese da Bahia contra a filosofia do século das luzes, contra o Socialismo utópico, o Contrato Social e outras novidades que começavam a circular no Brasil.

Dom Romualdo de Seixas apóia suas exortação ao trabalho nas teses de Guillois (Explicação do Catolicismo) de que “a preguiça não consiste somente em dormir com excesso, em passar uma vida ociosa e indolente, mais ainda em desprezar os próprios deveres, quer temporais, quer espirituais. Pode-se ser preguiçoso e com tudo estar sempre em movimento; assim um moço que prefere o jogo ao estudo é um preguiçoso; um pai de família que em lugar de velar pelos filhos e domésticos não se ocupa senão de espetáculos, de divertimentos e passeios é um preguiçoso e merece esta qualificação ainda quando passasse cada dia na Igreja horas inteiras, porque estaria onde Deus não quer que ele esteja; uma mãe de família que em vez de cuidar na sua casas, emprega todo o seu tempo em visitas inúteis, em leituras frívolas, é uma preguiçosa; um jornaleiro (que trabalha por jornadas) que trabalhasse desde manhã até a noite, mas não tivesse senão indiferença para tudo o que pode contribuir a sua salvação, é um preguiçoso.”

Na verdade, o pedido feito pelo Presidente da Província ensejou todo um discurso católico, alicerçado no magistério moral da Igreja, alimentado pelas teorias que desde Aristóteles estimula uma reação ao desenvolvimento social e filosófico da humanidade. E reforça os ensinamentos bíblicos sobre o trabalho, sua origem religiosa, na síntese de Paulo,em Carta aos Tessalonissenses: “Quem não trabalha não come.” João Silva Franco, descendente direto de escravos dos engenhos de Laranjeiras, é autor de uma trova perfeita, que responde, em quatro versos,ao esforço governamental e clerical em favor do trabalho. Diz a quadra: “Quem não trabalha não come/ é conversa muito falha/porque só vemos com fome/ o povo que mais trabalha.”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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