Pequeno em seu território, tendo que lutar pelos seus limites, nunca decididos, Sergipe entrou na história do Brasil agigantado pelos movimentos sociais e pelo talento intelectual dos seus filhos. Foi a curiosidade de João Dantas Martins dos Reis responsável pelo registro, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe ) nº 16, referente aos anos de 1939-1940, editada em 1942) de uma SANTIDADE nas terras de Riachão do Dantas. O magistrado, de uma das mais tradicionais famílias ambientadas em Sergipe, escreveu seu pequeno artigo, datando de 1939, sobre o ajuntamento no povoado Carnaíbas, dando umas poucas informações sobre a reunião de pobres e mestiços, criando um céu “ao vivo”, em tempo real, no qual as pessoas tomavam nomes de santos e repartiam tudo, vivendo comunalmente, em todos os sentidos. O autor também dá notícia da reação local,dizendo que “as autoridades doRiachão e cidadãos qualificados, alcançando o perigo, resolveram destroçar como o novo céu em formação.” Arivaldo Fontes, professor e militar e Ariosvaldo Figueiredo, ambos há pouco tempo falecidos, tomaram o registro de João Dantas Martins dos Reis, amplificando-o para a posteridade,em seus livros. Silvio Romero tratou, também, do ajutamento do Riachão do Dantas, com a credibilidade de quem primeiro citou Conselheiro em Sergipe, ainda nos anos de 1874. As SANTIDADES motivaram o Inquiridor Geral Heitor Furtado de Mendonça, quando da Visitação da Bahia (que incluía Sergipe), em 1592/1593. Alguns habitantes das terras sergipanas, que então pertenciam a Bahia, responderam a Processos inquisitoriais, e dentre eles são citadas as SANTIDADES. Diogo de Campos Moreno, logo depois, no seu Livro que dá razão do Estado do Brasil (1611/1612), faz referência a SANTIDADES em Sergipe. Correu um Processo, na Justiça de Sergipe, sobre a SANTIDADE de Carnaíbas. O Juiz Municipal de Riachão do Dantas, Antonio Exupero de Almeida enquadrou os integrantes do “céu”, também conhecidos como “almas devotas de Nossa Senhora da Agonia”, em crime de resistência, certamente porque reagiram aos batalhões formados para destroçar o lugar. Neste sentido, o Céu das Carnaíbas precedeu Canudos. Surgiria na cena o jovem Abdias Farias de Oliveira, nomeado para atuar na Promotoria do caso, tomando-lhe o juramento em 24 de janeiro de 1876. Abdias de Oliveira estudou Direito no Recife, foi Juiz em Campos (atual Tobias Barreto) e faria carreira em Pernambuco, aposentando-se como desembargados. A SANTIDADE enfrentou os batalhões que representavam a reação armada, com armas simples, paus e pedras, manejados com coragem e fé, como ocorreu depois em Canudos.Convém relacionar o ajuntamento do Riachão do Dantas com a presença, naquela região sergipana, de Antonio Conselheiro. Sabe-se que gente de Sergipe, alistados sob a liderança de Antonio dos Mares, como também ficou conhecido o Conselheiro, alojou-se no Monte Santo, atraídos pelo misticismo da região das missões, como pare ser o caso de Estevam, cativo de uma viúva residente em Porto da Folha, no sertão sanfranciscano, que foi acusado de “andar embriagado e insultar as autoridades”, como o fizera com o Juiz de Direito da Comarca de Itapicuru, na fronteira de Sergipe com a Bahia. Estevam e outras pessoas, como José Manoel, citados na Delegacia da Vila de Itapicuru, através de ofício datado de 28 de julho de 1876, dirigido ao Alferes Diogo Antonio Bahia, como “fanatizados e partidários do preso Antonio Vicente Mendes Maciel” atestam com os seus nomes o envolvimento de sergipanos no cordão dos seguidores do Conselheiro, que 20 anos depois faria de Canudos uma epopéia de pobres e de mestiços, santificados pela mesma resistência: uma SANTIDADE. A SANTIDADE de Céu das Carnaíbas tem todas as características de um movimento messiânico, e apesar do nome de Antonio Vicente Mendes Maciel não constar do Processo por crime de resistência,em Riachão do Dantas, não significa que o Conselheiro não tenha sido o mentor, o inspirador e até mesmo o organizador. Afinal, preso em Itapicuru, a poucos quilômetros de Riachão do Dantas fica fácil ligar suas influência naquele e noutros ajuntamentos que atuaram como focos de resistência social no Brasil velho. O noticiário dos jornais é pródigo em informações sobre o deslocamento das pessoas, de várias partes de Sergipe, aderindo ao ajuntamento de Canudos. O jornal A Notícia, publicado em Aracaju, divulga na sua edição de 4 de dezembro de 1896, que seguiram tropas para Canudos, onde o “célebre fanático Antonio Conselheiro entendeu de estabelecer-se com seus sectários, subtraindo-se ao regime da lei e a obediência devida às autoridades federais e estaduais.” Na edição de 30 de março de 1897 o mesmo jornal refere-se a uma carta datada de Divina Pastora, situada na região de produção açucareira, de 14 de abril de 1895, tratando da adesão de filhos e moradores de Sergipe ao cenário do Monte Santo. Diz a Carta, dirigida a Lellis Piedade: “A febre emigratória para Belo Monte, outrora Canudos, há chegado, nestes últimos tempos, ao último grau de intensidade no termômetro da ignorância deste povo cá do centro. É uma moléstia fanático-cerebral que vai contagiando até pessoas eu supúnhamos refratárias à ação de tão estranho quão ridículo morbus. E como não ser assim, ilustre redator, se naquela moderna Canaã, ao verbo poderoso de Antonio Conselheiro surgiu o rio de leite, imaginado de uma massa congênere a do cuscus de milho.” O ingrediente da COCANHA, presente em Canudos, mas citado nos séculos anteriores em parte do Nordeste brasileiro, também esteve incrustado nas SANTIDADES, como parte do Mito do Encoberto, ou SEBASTIANISMO, presente na formação da cultura do povo brasileiro.
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