Há exatos 8 de julho de 1820, o rei do Brasil e de Portugal, D. João VI, assinou no Rio de Janeiro a Carta Régia que autorizava Sergipe d’El Rey a ter seus próprios governantes, ou seja, a emancipar-se politicamente da Bahia. Mas por que será que o fato aconteceu? Será que foi emancipação política ou independência? Quais as reais consequências da ruptura política? E a relação que se tem da emancipação política de Sergipe com a Independência do Brasil? Essa e outras perguntas são expostas aqui em dois textos para que possamos conhecer mais sobre o Oito de Julho e os 203 anos de Emancipação de Sergipe.
Historiadores como Feslibelo Freire, Maria Thetis Nunes, e mais recente Samuel Albuquerque, Marcos Vinicius Melo dos Anjos, Edna Maria Matos Antonio, Antônio Wanderley de Melo Correia, Luiz Antônio Pinto Cruz, Amâncio Cardoso, entre outros, ouvidos nesta série, já produziram ao longo de anos de pesquisas respostas para essas e outras perguntas acima. A história de Sergipe é uma fonte descoberta, mas renovável e ainda a ser saboreada. E mesmo que seus descobridores cheguem a águas cristalinas, ainda se tem muito a descobrir.
A Carta Régia assinada pelo rei D. João VI em 8 de julho de 1820 é o fato que emancipou politicamente a Província de Sergipe, com uma recompensa da Sua Majestade D. João VI, a participação de sergipanos na vitória da Corte Portuguesa na Revolução Pernambucana (1817), movimento este que, resumidamente, queria a separação da Colônia e um dos que pedia a Proclamação da República.
No artigo “Sergipe e sua Emancipação no Processo de Independência do Brasil”, publicado na edição do Jornal da Cidade, em 7 de setembro de 2022, o historiador Samuel Albuquerque afirma que “Felisbelo Freire, lançando uma tese repetida, irrefletidamente, por mais de um século, leu o 8 de julho como uma retribuição da Coroa, um ato de gratidão de D. João VI, pelo apoio dos sergipanos ao movimento de repressão aos revolucionários pernambucanos de 1817. Maria Thetis Nunes, tanto em “Sergipe Colonial II”, de 1996, como em “Sergipe Provincial I”, de 2000, ampliou a interpretação de Felisbelo, enfatizando o desenvolvimento da agroindústria açucareira, a partir de meados do século XVIII, como causa econômica para o ato político representado pela carta régia de 1820. Recentemente, Edna Maria Matos Antonio, em “A independência do solo que habitamos”, de 2012, retomou, aprofundou e ampliou as leituras sobre a emancipação de Sergipe, enfatizando a implementação de reformas político-administrativas gestadas pela Coroa antes mesmo de 1817”.
Como não poderia ser diferente, Sergipe acompanhava a efervescência que acontecia entre as capitanias em torno de apoiar ou não da Corte Portuguesa, quer seja por aqueles que por questões socioeconômicas queriam a permanência do Reino do Brasil, quer sejam por aqueles que já vislumbravam o Brasil como um novo país independente da América.
O primeiro governador
Com os desdobramentos da Revolução liberal do Porto, ocorrida em agosto de 1820, ou seja, depois da assinatura da Carta Régia, exigia-se o retorno de D. João VI a Portugal. Antes D. João VI retornar a Portugal, ele nomeou o brigadeiro Carlos César Burlamaque como primeiro governador de Sergipe através do despacho de nomeação de 25 de julho de 1820, ou seja, dias depois da assinatura da Carta Régia.
Contudo, as autoridades baianas rejeitando as novas orientações políticas da Carta Régia e não aceitando a posse do novo governador em Sergipe d’El Rey, Carlos Burlamaque tomou posse em 20 de fevereiro de 1821 e só governou até 18 de março de 1821, quando as tropas baianas invadiram São Cristóvão e prenderam o novo governador da província, levando-o cativo para Salvador.
“A separação política não se efetivou após a referida Carta Régia e as divergências regionais persistiram. Convém assinalar, que, internamente, os criadores de gado passaram a desejar autonomia para desenvolver seus negócios e a rejeitar as restrições e os tributos que os impediam de crescer. A luta pela autonomia ultrapassava os limites econômicos. A questão da liberdade em relação à Bahia começou a ganhar força, e com ela a possibilidade de Sergipe definir seus caminhos. No entanto, vale salientar que a independência nunca foi uma unanimidade, pois havia portugueses e agropecuaristas contrários à causa da separação”, explica o doutor em História, Luiz Antônio Pinto Cruz, professor do Colégio Estadual Prof. Antônio Fontes Freitas é consultor de História de Sergipe do Pré-Universitário Seduc.
Por conta dessa não efetivação e dos conflitos vigentes à época, e da não aceitação de Carlos Burlamaque como Capitão-Mor, Sergipe amargou o retorno à sua antiga condição de capitania anexa. Frustrou-se temporariamente a emancipação política, já que também em terras de Sergipe d’El Rey, mantinham-se senhores de engenhos e comerciantes abastados que eram a favor da manutenção da Corte Portuguesa. Em contrapartida, ganhava corpo por todas as províncias do Sul os movimentos em prol da Independência do Brasil.
Independência do Brasil e a Emancipação de Sergipe
Um Brasil dividido entre aqueles que queriam a permanência das regalias da Corte Portuguesa e aqueles que nutriam a vontade de um país independente. De acordo com a pesquisadora e historiadora, Edna Maria Matos Antonio, autora do livro “A independência do solo que habitamos: poder, autonomia e cultura política na construção do império brasileiro – Sergipe (1750-1831)”, o período era de um processo político com várias facetas, e, obviamente, Sergipe não ficaria de fora mesmo que tivesse que desconstruir os vínculos militares, econômicos, até familiares com a Bahia. “O movimento de independência veio a acelerar esses processos”, destaca.
À medida que as lideranças no Sul vinham se alinhando para construir uma país independente, a regência de D. Pedro I vai se consolidando, em consequência, desmobilizando a tentativa de união de um Brasil com Portugal. Só que para isso as capitanias do Norte teriam que vir junto. Começaram-se as costuras e alianças políticas e a participação de Sergipe nesse processo foi fundamental.“Ai está uma curiosidade: a parte da guerra. Como Salvador estava ocupada por tropas do Bandeira de Melo, tem uma questão de subsistência das tropas, a tática de cerco para que não cheguem munição, nem farda, nem a mais básica da alimentação até Salvador. O Recôncavo vai ser a sede de um governo alternativo ao que estava em Salvador e esse governo fica alinhado a D. Pedro. Eles começam uma intensa negociação entre as Câmaras de Governo, principalmente, de Cachoeira (Bahia) e de São Cristóvão (Sergipe), para irem se alinhando numa proposta de projeto político desenvolvido no sul. Foi fundamental esse posicionamento estratégico de Sergipe, em não se manter como fornecer alimentos e isso acabou sufocando as alternativas de Bandeira de Melo. Depois vamos ter as batalhas que culminaram com a expulsão dos portugueses da Bahia, um capítulo importante da Independência do Brasil”, explica a pesquisadora Edna Maria Matos.
Em 7 de setembro de 1822, com o retorno do rei D. João VI para Portugal, e o príncipe regente D. Pedro I em franca disputa com as Juntas Portuguesas nas províncias, com rebeliões populares em várias delas, o Príncipe Regente grita pela Independência do Brasil.
Afinal, efetivada a emancipação sergipana
Em cartas, documentos, ofícios expedidos e correspondências de nobres sergipanos, documenta-se que muitos, habilmente, aproveitaram-se do apoio dado aos movimentos da independência e, principalmente, passaram a exigir que o decreto da carta de D. João VI fosse efetivado. Muitas dessas correspondências fazem parte do Arquivo Público de Sergipe.
“A elite sergipana, muito habilmente, soube capitalizar esse apoio. Há uma documentação importante, ofícios, cartas, correspondências que mostram as lideranças políticas se aproveitando para exigir que o decreto de D. João VI seja efetivado. Eles mostram o quanto eles são leais, patriotas, abraçaram a causa do Brasil”, disse Edna Maria Matos.
O imperador D. Pedro I, em 05 de dezembro de 1822, confirma a carta assinada por seu pai, ratificando a emancipação política de Sergipe assinada cerca de dois anos antes, ratificando Sergipe d’El Rey como província independente da Bahia.
A partir daí, de fato houve uma ruptura importante, mesmo que política. Com um governador próprio idealizando estratégia sócio-políticas com as características singulares locais, as configurações de relações sendo fomentadas em solo sergipano, com a “cor local”, passe-se então a dizer que Sergipe estava emancipado da Bahia, o historiador Marcos Vinícius destaca como as primeiras ideologias que hoje podem ser chamadas de sergipanidade.
Amâncio Cardoso dos Santos Neto – Mestre em História Social, professor efetivo do Instituto Federal de Sergipe, sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Eden Filipe Santos Vieira – Graduado em História, mestrando em História, técnico do Arquivo Público de Sergipe.
Luiz Antônio Pinto Cruz – Doutor em História, professor da rede estadual de ensino do Colégio Estadual Prof. Antônio Fontes Freitas, consultor de História de Sergipe do Programa Pré-Universitário da Seduc.
Marcos Vinícius Melo dos Anjos – Historiador, professor da Rede Estadual de Ensino, especialização em Formação de Professores do Ensino Superior, autor de oito livros, tal qual “Emancipação Política de Sergipe”, “História de Aracaju para Crianças”, junto com o professor Antônio Wanderley.
Sayonara Rodrigues do Nascimento Santana – Historiadora, diretora do Arquivo Público de Sergipe, professora da Rede Pública Estadual de Ensino de Sergipe
*Matéria escrita pelo jornalista para o Portal Oficial da Educação Estadual do Governo de Sergipe