“Tá com pena”, Bareta?

– Pau no lombo desse marginal!
– É bala, vem no rabecão do IML e mamãe chorando do lado
– Tá com pena, leva pra casa!

De segunda a sexta-feira é a mesma coisa. Quando o relógio marca 12h45, os sergipanos e sergipanas que ligam o seu aparelho televisor na TV Atalaia são apresentados a uma série de violações de direitos humanos. As frases acima – que expressam parte dessas violações – são apenas algumas das repetidas diariamente por Otoniel Rodrigues Amado, popularmente conhecido por Bareta. Frases que têm como alvo, como cantou o rapper Gog, em Brasil com P, “preferencialmente preto pobre prostituta pra polícia prender”.

Utilizando-se de um espaço público (não esqueçamos: televisão é concessão pública, com uma série de preceitos constitucionais), todos os dias, Bareta destila ódio e promove sua opressão de cor e de classe. Quando se trata de jovem negro e pobre do Santa Maria, do Coqueiral, do Rosa Elze e de tantos outros bairros da periferia da Grande Aracaju, Bareta não pensa duas vezes antes de vociferar: “pau no lombo desse marginal” ou “bala nesse elemento”. E para quem ousa dizer um “mas…”, ele dispara: “tá com pena, leva pra casa”.

É sempre bom ressaltar: o "tipo Bareta" não é desprivilégio de Sergipe. Pelo contrário. A turma do “bandido bom é bandido morto” tem espaço cativo em emissoras de televisão de todo o país. Todos os dias, em especial no horário do almoço,  seres humanos – principalmente jovens negros e pobres – têm suas vidas expostas, sua dignidade e seus direitos feridos e são tratados como “elementos” por apresentadores e repórteres que se colocam como justiceiros e acreditam estar acima do “bem” e do “mal”.

Mas quem assistiu o programa Tolerância Zero nessa segunda-feira (26) viu que o tele-justiceiro, defensor da prisão perpétua e da redução da idade penal, parecia outra pessoa. Ao falar sobre Ítalo Bruno Araujo Fonseca e Eduardo Aragão de Almeida, presos em flagrante com armas de uso exclusivo da Polícia, Bareta não fez espetáculo. Não houve repetição de imagens, não houve gritos, não houve encenações, não houve piadas, não houve suas clássicas frases. O que se viu foi um Bareta reflexivo e sereno, de voz baixa e engasgada, convocando os telespectadores a pensarem: “isso podia acontecer na família de qualquer um”, “ninguém sabe o que tem na cabeça de cada um”… Definitivamente, não era o Bareta nosso de cada dia.

Importante frisar que não defendo aqui que Bareta tenha com Ítalo e Eduardo o mesmo comportamento criminalizador que tem com as centenas, milhares de jovens negros e pobres que já foram expostos e ridicularizados nos mais de dez anos de seu programa. Ninguém merece ser retratado dessa forma. O objetivo aqui é apenas um: escancarar como Bareta é seletivo em seu justiçamento. Para negro e pobre, ele defende bala e rabecão do IML. Para enteado de secretário de estado, Bareta convoca à reflexão.

Ainda essa semana, muito provavelmente, as coisas voltarão à “normalidade” na TV Atalaia e Bareta voltará a ser Bareta. Como de costume, escolherá mais um jovem negro da periferia como seu alvo preferencial. Para esse jovem negro e pobre, Bareta será Bareta. Para esse jovem negro e pobre, o caminho defendido por Bareta será a morte, depois de muito pau no lombo, é claro. E não tenhamos dúvida: Bareta, ao pior estilo Bareta, não terá pena.

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p.s.: Abaixo, ainda sobre esse tema, uma poesia-pedrada encontrada no mural do facebook de um sergipano arretado, descrita como "anônima e antiga".

poesia é quando um
trombadinha se revolta e
derruba o repórter Cavernoso e
bate a reportagem na cabeça do
repórter Cavernoso e foge
no carro da TV Atalaia e entra ao vivo
no programa do Bareta
e liberta o anão e assusta dona Lígia
e ela sai gritando
e Bareta não deu tempo de correr
pega Bareta ele preso aqui nessa cadeira pronto
e diz para o cinegrafista

                              CORTE

    PRA CÁ

pra cara desse fanfarrão
que agora eu vou fazer cocô na boca dele e
vá desculpando telespectador
bem na hora da comida eu sei
mas é justo
que o cocô volte pelo canal
de onde ele tem saído
todos esses dias
de segunda à sexta-feira em horário
comercial fazer valentia com a pessoa
que assalta de pouquinho
e não tem nem dois chinelos é bom
eu quero ver esbravejar com a cara
de um malfeitor grandão
sem prender
o rabinho.

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