Tecnologia e Educação Pública em épocas de crise

Mônica Porto Apenburg Trindade

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)

E-mail: apenburg@getempo.org

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Desde a confirmação do primeiro caso do Novo Coronavírus no Brasil, em 26 de fevereiro de 2020, o país tem atualizado, a cada dia, o número de mortes, casos suspeitos e pessoas que testaram positivamente para o COVID19. Além disso, não sabemos ainda ao certo, quais os impactos políticos, econômicos e sociais que este tipo de moléstia causará à nação, quando o fluxo da pandemia diminuir. Todavia, já podemos citar um aspecto que merece destaque em meio à crise estabelecida.

Um ponto que tem despertado a atenção nesse período está relacionado com a forma como o país tem lançado mão da tecnologia em favor da educação, objetivando solucionar os problemas que certamente atingirão esse setor, por conta da pandemia. Não é novidade que as tecnologias servem como ferramenta indispensável para uma educação que auxilie tanto o professor em sala de aula, ao mesmo tempo em que confira aos estudantes, uma maneira mais interativa de aprendizagem.

Contudo, na época de crise em que o Brasil se encontra, onde as escolas e universidades públicas estão todas fechadas, essa ferramenta tem sido de fato utilizada como recurso para a interatividade entre alunos e professores? Ademais, a rede de Ensino Pública do país, está preparada para aplicar, de forma emergencial, o modelo de educação remota, com o objetivo de sanar os danos que certamente serão causados pelo tempo de fechamento desses ambientes?

O Ministério da Educação publicou, em 18 de março de 2020, a portaria nº 343/2020 que “dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus – COVID-19”. No entanto, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, considerada como centro de excelência em ensino e pesquisa no país e na América Latina, decidiu por não substituir as aulas presenciais por aulas através de meios digitais. A Universidade alegou, entre outras dificuldades, que existe uma parte do corpo discente que não dispõe dos recursos tecnológicos necessários para acesso a conteúdos ministrados na modalidade EaD.

Esse tipo de alegação constata, na verdade, que o problema de aderir a sistemas EaD, mesmo que temporariamente, está na própria condição da Educação Pública brasileira. Primeiramente, não há uma preocupação por parte dos órgãos competentes no sentido de capacitar os docentes para ministrarem aulas de forma remota. Parte destes profissionais obteve uma formação voltada para o modelo tradicional de ensino, cuja busca de recursos tecnológicos se constituem como ferramentas secundárias ou complementares, muitas vezes pouquíssimo utilizadas nesse processo, e não como essenciais. Além disso, a própria estrutura das escolas e universidades públicas não dispõe de mecanismos necessários como uma estrutura física adequada, conexão estável de internet, computadores, entre outros elementos, que promovam a efetivação das aulas online.

Semelhantemente, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), também declarou não ter condições de oferecer aulas de forma remota, devido à falta de recursos tecnológicos necessários para acesso a conteúdos ministrados na modalidade educação à distância. Isso acontece principalmente por conta da vulnerabilidade socioeconômica de uma parcela considerável dos discentes. Nem todos têm acesso a uma internet razoável ao exercício das atividades propostas nessa modalidade e alguns deles, nem sequer possuem computador.

De acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2019, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, baseados em dados retirados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), dentre as regiões do Brasil, a que possui o maior percentual de domicílios com acesso ao computador é o Sudeste, somando 46%. Esse resultado revela que menos da metade dos domicílios nesta região possuem o computador como um tipo de ferramenta disponível. Enquanto isso, a situação agrava-se ainda mais ao observarmos a realidade das regiões Nordeste e Norte, locais com menor percentual de acesso ao computador em relação a todas as outras regiões do país, contabilizando, respectivamente, 30% e 29% dos lares brasileiros que possuem esta condição deveras reduzida de privilégio tecnológico.

Em relação às residências que têm acesso à internet, mais uma vez a região sudeste lidera o ranking, totalizando 75% de domicílios com acesso à conexão. Em seguida a região Norte, representando 72% dos lares e por último o Nordeste, apresentando 65% das casas que possuem internet domiciliar. Outro ponto importante a ser observado, diz respeito à velocidade dessa internet, imprescindível para uma eficiente realização das atividades remotas. No Sudeste, os domicílios com acesso à internet, por velocidade de conexão entre 9 Mbps a 10 Mbps, por exemplo, apresenta um percentual de apenas 9%. Enquanto isso, no Nordeste o índice é descendente, representando somente 8%, o que se torna uma condição ainda pior quando pautamos a região Norte, que aponta um percentual de 6% de acordo com os dados obtidos.

Diante dos exemplos, nada práticos no cotidiano das (os) estudantes brasileiras (os), bem como a partir dos dados expostos anteriormente, percebe-se claramente o quanto a realidade nacional ainda está bastante distante de um modelo de educação pública que possa se utilizar da tecnologia enquanto ferramenta viável, tanto para solucionar situações de crise – como esta que se instaurou com o COVID19 – quanto para adotar modelos EaD ou de aula remotas que atuem com a finalidade de substituir a modalidade presencial de ensino, mesmo que de forma temporária. Precisamos, de fato e com urgência, encarar a Educação como um investimento necessário – não enquanto um gasto sobresselente e arbitrário –, assim como fomentar maior utilização de tecnologia, na perspectiva de ferramenta complementar às formas tradicionais de ensino, nos mais diversos ambientes escolares, de maneira a atingir as diferentes classes, raças e gêneros na sociedade. Somente assim, estaremos preparados para superar alguns obstáculos relacionados a esse setor, seja em épocas de crise, ou na escrita cotidiana da história da Educação em nosso país.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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