É regra corriqueira dizer que as leis brasileiras não são eficazes, especialmente aquelas que objetivam combater a corrupção eleitoral. Embora se aponte o Brasil como viciado em aprovar leis para todos os assuntos, as leis eleitorais, segundo esta compreensão geral, não passam de discursos legais para enganar criancinhas. E este raciocínio ganhou força nos tempos de mensalão, recursos não contabilizados de campanha, caixa dois ou outro nome ainda a ser inventado. É que, nestes casos, todas as defesas apresentadas pelos parlamentares flagrados, governistas ou oposicionistas, são exageradamente idênticas, isto é, têm em comum a afirmação de que fizeram apenas o que todos conhecidamente fazem nos submundos das campanhas eleitorais. E este desalento se torna mais grave quando se percebe que a recém iniciada campanha presidencial faz da corrupção a sua vedete principal. Não no sentido de se apontarem medidas enérgicas para que seja compulsoriamente retirada do palco político. Mas, sobretudo, para estabelecer uma estranha exibição em que somente será vencedor aquele que obtiver o maior número de denúncias contra o oponente. Contestam-se os escândalos das verbas publicitárias do governo federal com os alegados desvios praticados pelo Governo Alkimin com as verbas da Nossa Caixa, igualmente dirigida aos seus fieis partidários. Combatem-se as negociações envolvendo o filho do presidente Lula com as verbas supostamente investidas na empresa do filho do candidato do PSDB, agora elegantemente coloridos pelos vestidos de sua esposa. Em suma: o melhor candidato, segundo esta teoria, deve ser o portador do potencial antiético menos ofensivo, não mais quem é competente, tem melhores propostas ou é mais humanista. O desânimo e a aceitação destas teses conformistas se tornam mais acentuados quando se procura criar a imagem de que são absolutamente incompatíveis o pensamento da opinião pública e o pensamento do eleitor. É como se os defensores destas práticas tivessem a certeza de que as urnas não são influenciadas pelo querer do público, mas tão-somente pelos métodos “convencionais” de persuasão eleitoral. Escrevendo em outras palavras: o que valeria seria o marketing eleitoral, o uso da máquina estatal, a compra de votos ou outros mecanismos a viciar o querer do eleitor. A opinião pública, mesmo que tenha querer diferenciado, não seria a melhor conselheira do eleitor na hora solitária do voto. Mas se assim é, como querem que acreditemos, as próximas eleições seriam casos perdidos. A compra de voto, o uso indevido da máquina eleitoral e seus parceiros já seriam os verdadeiros e únicos candidatos vitoriosos. Mais ainda, como não é correto se nadar contra a maré, a aceitação poderia ainda ser lucrativa para o conformado eleitor. Afinal, se é impossível combater a corrupção eleitoral, pois vencido o querer da opinião pública antes de ingressar na cabine eleitoral, deve o eleitor aceitar a cesta básica oferecida, o dinheirinho precisado, os desvios de verbas públicas e outros penduricalhos fornecidos quando da eleição. E se tudo está perdido, por que várias entidades da sociedade civil lançaram, mais uma vez, a Campanha Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral? Não estariam a OAB e a CNBB, com a parceria da CBJP, ANPR, AMB, ABMPE, CÁRITAS BRASILEIRA, RITS, ABONG, UNIFICO, INESC, FENAJ, IBASE. CUT. CONTAG, ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA, CNTE, CONAMP fazendo uma promessa enganosa? Não estariam plantando em terreno conhecidamente árido apenas para brincarem de bons mocinhos? Não estariam pregando falsas esperanças? Com todo respeito a quem pensa em contrário, a propaganda enganosa está exatamente do lado de quem prega a acomodação e a aceitação prévia da derrota. Plantando em terreno infértil está quem arrisca ser eleito viciando o querer do eleitor. A esperança de uma eleição séria, como quer a opinião pública, é uma realidade tão visível que desesperadamente preocupa os autores das teses do desalento e do desânimo. Afinal, não existe lei mais eficaz no Brasil do que a Lei 9.840/99, aprovada após uma histórica mobilização que envolveu mais de um milhão e trezentos mil brasileiros. A lei que inspirou o lançamento da Campanha Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral já possibilitou o afastamento, por perda do registro ou cassação de diploma legal, de um governador, um senador, dezenas de deputados federais e estaduais e centenas de prefeitos e vereadores. E assim está acontecendo porque a cidadania, mesmo perdendo várias batalhas, não abdicou de seu querer, não desistiu de sua luta por um Brasil livre da corrupção eleitoral. E assim está acontecendo porque os cidadãos continuam participando dos Comitês 9840 espalhados pelos cantos e recantos do país. E assim está acontecendo porque eleitores e opinião pública, conjuntamente, continuam compreendendo que “voto não tem preço, tem conseqüências”.
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