Um contador de histórias

A Sobrames Sergipe vai relembrar a vida e a obra de um dos maiores escritores sergipanos, o alienista Renato Mazze Lucas, na programação de novembro do seu Café com Letras, que acontece dia 5, a partir das 18 horas, na Sociedade Médica. O autor de "Anum Branco e outros contos", falecido em 13 de dezembro de 1985, aos 66 anos, era descendente duplamente de italianos. Seu avô paterno, Caetano Lucas Leão, veio da Itália diretamente para morar em Mangue Seco, no extremo do litoral norte da Bahia, à época um local distante e deserto, mas de beleza natural invulgar.Já sua avó materna, também imigrante italiana, instalou-se nas redondezas,  no povoado Terra Caída, no outro lado do rio, nas terras sergipanas. Os filhos dos imigrantes, Raimundo Lucas, por um lado, e Petrina Mazze, por outro, trouxeram ao mundo o menino Renato, em abril de 1919, na cidade de Pojuca, na Bahia. Cresceu pois o garoto num ambiente praiano,  o que explica uma parte de sua temática e a psicologia dos seus personagens, na maioria gente simples e rústica, como os pescadores, por exemplo.

A necessidade, o empenho e a força de vontade fizeram-no um médico. O prazer na natureza e o amor à aventura, um pescador. Pescador de peixes e de almas, após especializar-se em psiquiatria. Mas sobretudo, além disso, destacou-se nele o contista. Na Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, primaz do Brasil, ainda como estudante, conviveu  com lideranças como Jorge Amado e Carlos Garcia, que lutavam contra o nazi-fascismo que avançava em quase toda a Europa. Sensível às injustiças sociais, filiou-se ao Partido Comunista de Luiz Carlos Prestes e Astrojildo Pereira. Em 1943, graduou-se médico e veio exercer a medicina em nosso estado, atendendo convite de Armando Domingues, inicialmente em Japaratuba e Aquidabã e depois em Itabaiana, onde permaneceu residindo por dez anos. A partir de 1955 transferiu-se para Aracaju, atendendo convite do pediatra Dr. Machado, enveredando pelo campo da psiquiatria, e aperfeiçoando-se, anos depois, no Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro.

Seu livro de estréia foi "Anum Branco e outros contos", publicado em 1961 pela Editorial Vitória, do Rio de Janeiro, uma coletânea de 22 contos escritos na década de 50, com prefácio de Astrojildo Pereira, um dos fundadores do PCB e primorosas ilustrações do artista plástico sergipano Leonardo Alencar, lembrando, sobremodo, as publicações de Jorge Amado, tão bem enriquecidas com a arte de Carybé. Um primor!

  O conto que dá título ao livro foi escrito em 1956 e conta as aventuras e desventuras de Marinho, mais conhecido como Anum Branco, 37 anos, "marinheiro dos bons, que cheirava a fumo de corda, a maresia e a cachaça, magro como um caçote, tinha o espírito de uma criança," na narrativa de Mazze Lucas, seu companheiro de pescarias no barco "Pyroscapho". Destemido, corajoso, forte, é comovente o seu esforço, não obstante os riscos, para salvar do afogamento o passageiro que transportava na baleeira "Wanda", de sete metros, que fazia a cabotagem entre São Cristóvão e Aracaju. O conto Anum Branco denota a principal característica de Renato Mazze Lucas, a de exaltar sempre as qualidades positivas de seus personagens, o espírito forte que distingue o homem brasileiro, em texto assinado por L.F.(possivelmente um militante do Partidão que não podia se identificar), na apresentação do livro.

  Em 1967, é lançado o seu segundo livro,  Anum Preto, com 21 contos, pela Editora Leitura, do Rio de Janeiro, também pertencente ao PC,  porém dessa veja não teve a mesma receptividade de Anum Branco. A crítica lança dúvidas sobre a qualidade da obra e sua identidade literária. No entanto, não falta quem o eleve, como Alberto Carvalho: "(Mazze Lucas)é um contador de histórias antes mesmo de ser um contista; é o narrador linear, o homem dos casos, da história com princípio, meio e fim".

  Passados 30 anos de sua morte, os contos de Renato Mazze Lucas permenecem vivos, na memória de escritores e  leitores sergipanos, que se reunirão dia 5 de novembro, para reverenciá-lo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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