Sexta-feira, 27 de outubro de 2006, o despertador do celular, pontualmente, cumpre o seu incômodo papel. Sou acordado exatamente às 4h30. O barulho que explode no quarto me faz lembrar, nostalgicamente, da época em que o cantar poético de um galo fazia o dia nascer alegre e esperançoso. Sobra-me, infelizmente, pouco tempo para lembrar das coisas gostosas da vida. O avião, embora parceiro das nuvens, não costuma ser parcimonioso com os sonhadores. Pouso o pensamento na tarefa de embarque.
Dentro do avião, leio o jornal que acabara de receber de uma bela e gentil aeromoça. Uma matéria de logo se destacou. O aviso em que o Ministério Público do Trabalho em Sergipe, com frases sugestivas, conclama o cidadão para que exercite a sua cidadania, mais precisamente estimulando-a a denunciar, através do telefone 3226-9100 ou do endereço eletrônico www.prt20.mpt.gov.br, os casos de contratação de pessoal sem o devido e necessário concurso público. “Você conhece casos de contratação de pessoal sem concurso para prestação de serviços para seu Município ou para o Estado?”, “Sabia que isso é ilegal?” e “Permita que você, seus filhos e netos possam disputar um cargo público em igualdade de condições com os demais”, eram as mensagens que mais se destacavam no convite-cidadão.
Coincidentemente, tinha levado para leitura de bordo um livro que tem como principal tarefa difundir o papel do Ministério Público na fiscalização, controle e uso dos bens e recursos públicos. Estava, na viagem, disposto a aprender com o texto editado em livro (‘O controle da administração pelo Ministério Público’) por Paulo Guedes, fruto da sua experiência de ex-promotor de Justiça em Sergipe e atual procurador da República. O querer-aprender também tinha uma utilidade neste dia, pois à tarde, eu seria palestrante no 4º Congresso Estadual da Advocacia Pública, promovido pelos procuradores do Estado do Rio Grande do Sul. O tema da palestra, abandonando as coincidências, ‘O controle social sobre políticas públicas’.
Em razão destas inexplicáveis conexões que humilham os brasileiros, permaneci estacionado duas horas em Brasília. Dentro do aeroporto duas grandes manifestações agitavam os passageiros. Um grupo de manifestantes cobrava dos últimos e raros parlamentares que voltam para as suas respectivas bases eleitorais um maior vigor na apuração e punição daqueles colegas envolvidos na máfia das sanguessugas. A outra, saudava a chegada de representantes de uma ONG que ganhara um prêmio internacional, exatamente porque desenvolvia um eficiente trabalho que exigia controle, divulgação e transparência nos gastos públicos.
Por fim, chego a Porto Alegre às 15 horas, depois de uma greve dos aeroviários de Brasília, em que reivindicavam melhores condições de trabalho e maior segurança nos vôos. Os organizadores do evento me aguardam. O grupo que integra a oposição ao atual presidente da OAB/RS, candidato à reeleição, também está a minha espera. De logo, descubro a presença de vários colegas e amigos que participaram ativamente da entidade noutros mandatos. É impressionante o quanto a OAB atrai o trabalho voluntário da advocacia brasileira, todos, de um modo peculiar, contribuindo para o avançar da Justiça e o consolidar da cidadania. Querem, segundo advertem, expor o que pensam sobre a eleição da seccional, bem como o que acham da sucessão nacional.
Às 16 horas começa o meu painel. Na terra do orçamento participativo e do Fórum Social Mundial, qualquer debate sobre controle social de políticas públicas campeia livre e repleto de ações concretas. Aprendendo com a acalorada discussão e, com ela, abandono o cansaço. Precisava mesmo desde acalanto, mesmo porque logo após iria participar do 7º Colégio de Presidentes de Subseções do Rio Grande do Sul, na cidade de Capão da Canoa. Seria aproximadamente duas horas para ir e, consequentemente, duas horas para retornar, mesmo porque tinha vôo marcado para o dia seguinte, às 7 horas da manhã.
Chego a Capão da Canoa acompanhado de Valmir Batista, o ex-presidente que conduzira a seccional gaúcha por mais de seis anos. A noite já se mostrava presente. A fadiga, também. Mas de novo a peleja me reanima, mesmo porque naquele Colégio a cidadania tinha sido a pauta principal. Aprovou-se, só para ilustrar, que se deveria aprofundar os mecanismos de acesso à Justiça, especialmente para os mais necessitados.
Encerro a jornada em frente a um telão, acompanhando o último debate dos presidenciáveis. O Rio Grande do Sul faz da batalha eleitoral o companheiro ideal para o inseparável chimarrão. Torcidas apaixonadas de manifestantes, todas jurando vitória avassaladora para o seu candidato. O gaúcho é assim mesmo, simultaneamente aguerrido e apaixonado. Concluo, sonolento, que o dia foi extremamente proveitoso. Não poderia ser diferente, pois a todo tempo descobria um brasileiro em plena campanha cidadã. Cada um querendo mudar a face de seu país. Um dia de candidato, candidato-cidadão, era o que estava vivendo o brasileiro nesta sexta-feira de outubro.
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