Tenho o velho costume, adquirido desde o tempo em que participei ativamente do movimento estudantil, de prestar atenção aos cartazes afixados nas paredes e murais. Mantenho este mesmo vício no que se refere aos panfletos que inundam os sinais e praças de Aracaju, mesmo sabendo que deles raramente farei qualquer uso. É que também já distribuí bastante deles nas ruas e esquinas de Aracaju, até porque, na época da censura e dos recursos minguados, esta era a melhor forma de divulgar as nossas propostas. Acredito que daí nasceu o meu gosto pela propaganda como instrumento de comunicação, fazendo-me, inclusive, um cativo telespectador dos detestados comerciais de televisão. Curto, por mais exagero que se diga, até os programas especializados em comerciais, principalmente aqueles que destacam as propagandas mais premiadas no mundo. De quebra, aproveito até para aumentar a minha auto-estima, quedando-me alegre quando revelado que os profissionais brasileiros estão alinhados entre os mais competentes e criativos do planeta. A propaganda brasileira realmente é um show de alegria, empatia e inovação, não raro nos fazendo voluntários agentes de sua divulgação. Graças a ela somos de mil e uma utilidades, além do que podemos fazer qualquer dor sumir tomando um simples comprimido ou degustando uma redonda loura gelada, nos fazendo, depois, abrir um branco sorriso para todos os cidadãos do mundo. Ela também nos deixa louco de vontade de ligar para Ana Paula Arósio, convidar os amigos para comprar na loja de Sebastian e jurar em casa que, no dia de São Nunca, iremos arear as panelas em companhia de Carlos Moreno. Mas nem sempre de boas idéias vive o mundo da propaganda, várias delas primam pela grosseria ou ausência de qualidade técnica, sem contar aquelas que sempre encontram um pretexto para fazer da mulher um mero objeto sexual. Algumas tão ruins e ridículas que chegam a causar impacto positivo no chamado público alvo, talvez porque o gênero tragicômico também mereça um lugarzinho na nossa vida. Dizem até que o gênero trash é deliberadamente ruim, exatamente para conquistar este nosso lado informal e irreverente, razão porque geralmente é produzido sem qualquer potencial inofensivo, salvo o risco que corre no bolso do patrocinador. Outras, entretanto, carregam o potencial ofensivo estrategicamente camuflado, pois cuidadosamente estudadas para disfarçarem os interesses mesquinhos e gananciosos dos seus patrocinadores. É o que conhecemos como propagandas sub-reptícias, como aquelas nos fazem moradores de paraísos inimagináveis, habitados por vizinhos alegres, sarados e bonitos, mesmo sabendo que seus os produtos são absolutamente incompatíveis com as promessas ofertadas. Os caprichados comerciais de cigarro se enquadram como uma tragada neste perfil, não desmerecendo tantas outras que inundam o mundo da propaganda. Também têm aquelas que não conseguem dissimular, fazendo apologia aberta à traição, servindo como demonstração uma propaganda exibida em alguns outdoors espalhados em Aracaju, até porque faz dela a sua mensagem principal. Falo da propaganda de um curso preparatório para concursos públicos na área jurídica, patrocinado por uma famosa escola paulista conhecida como “Curso de Damásio”. O cartaz, em letras visivelmente destacadas, pede que todos “sejam infiéis”, prometendo descontos generosos a todos aqueles que trocarem os cursos que estejam matriculados, transferindo seus contratos para o renomado curso paulista. Inconscientemente ou não, ao pregar a ausência de ética e a deslealdade contratual como elementos principais da propaganda, a peça publicitária presta um grande desserviço à cidadania. De uma só divulgada, reedita a velha máxima de que o brasileiro gosta de levar vantagem em tudo e, de quebra, minimiza a onda ética que parece embalar o Brasil. E olhe que o público alvo é composto por futuros juízes, promotores, procuradores e defensores públicos, exatamente aqueles que têm na ética um forte elemento profissional. Os partidos políticos bem sabem a importância da propaganda, tanto assim o é que as campanhas eleitorais somente começam para valer depois que entra no ar o chamado horário eleitoral. E não é só aqui no Brasil, todos perceberam o marketing político que envolveu a convenção dos democratas estadunidenses, o que certamente resultará em votos para o candidato que pretende tirar do poder o General Bush. Acho que somente a assessoria de comunicação do Governo Lula não percebeu esta importância, pois tem se tornado uma verdadeira especialista em transformar ações positivas em fatos negativos, talvez para combinar com a onda de frio que congela o país. Por tudo isso é que a propaganda está sendo cada vez mais regulada, buscando-se evitar que a ausência de escrúpulo se torne um dos seus instrumentos mais eficaz. Hoje já existem regras mais claras restringindo, por exemplo, as propagandas que prometem a cura de todos males através de cigarro, de remédios ou de bebidas alcoólicas, embora, neste campo ainda sobre espaço para o famosa traição-etílica de Zeca Pagodinho. De qualquer forma, preciso que o intervalo para o comercial, como disse o Guerreiro Chacrinha seja para comunicar, nunca para se trumbicar ou enganar a população. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br