Cada vez mais fico surpreendido com a capacidade humana de superar os obstáculos que são postos diante de nossas vidas, alguns deles tão incríveis que não se tornam críveis. Nós ficamos tão antônimos e perplexos quando somos colocados diante dessas fantásticas pessoas que, não raro, nos perguntamos se não é fraude o que encantadoramente desafia o nosso olhar. Fotógrafos que não enxergam, obras de arte pintadas por quem não têm as mãos, pilotos hábeis que não caminham, dentre outros, são exemplos que nos encantam e desafiam.
Afinal, como pode um portador de deficiência visual enxergar o mundo físico de forma mais apurada e bela do que aquele tido como perfeitamente normal? Ou mesmo como admitir que a distrofia muscular não impede o nascer da divina arte? Como acreditar que a detalhada e colorida peça de tapeçaria nascera da ação imaginativa de uma artista que não mais faz uso de seus olhos?
São estas, sem dúvida, as primeiras indagações que brotam em nossas mentes quando conhecemos as obras de Evgen Bavcar, Eliane de Oliveira e Virgínia Vendramini. São fotografias, colagens, tapetes e quadros que nos fazem acreditar na beleza da vida, até porque devemos, como bem disse Virgínia, “reservar a luz e as cores para a arte e deixar a melancolia e a tristeza para os poemas”. Não há, realmente, espaço para melancolia quando estamos diante das pessoas que fazem dos obstáculos exemplos para sarem seguidos.
O franco-esloveno Evgen Bavcar, que perdera a visão física aos doze anos de idade, é apontado como um dos maiores fotógrafos expressionistas do mundo, além de renomado doutor em Filosofia da Estética pela Universidade de Paris. A artista Eliane de Oliveira, não ligando para a distrofia muscular que se tornou sua companheira, é apontada como referência em trabalhos de colagens, dando novas interpretações às obras de Beuys, Duchamps, Da Vince, Rembrandt, Velásquez, Botticcelli, Warhol e Nelson Leiner. Virgínia Vendramini, também sem a visão física desde os dezesseis anos de idade, é poeta, artista plástica e tapeceira renomada, com seu nome insculpido em diversas exposições e mostras pelo continental Brasil.
Os três, de forma inédita e imperdível, estarão expondo parte de seus trabalhos na Galeria Jenner Augusto, localizada no Complexo Cultural da Sociedade Semear, nos dias 25 de novembro a 07 de dezembro. A exposição integra o Programa Very Special Arts Internacional, criado em 1974 por iniciativa de Jean Kennedy Smith, irmã do presidente John F. Kennedy, com o objetivo de difundir e integrar à sociedade portadores de deficiência física, através da expressão artística. O Programa está presente no Brasil desde 1990, atuando ativamente para revogar o cenário de extrema rejeição, incompreensão e ausência de sensibilidade para as questões da pessoa portadora de necessidades especiais.
O Programa Internacional foi agasalhado e incorporado às atividades da Fundação Nacional de Arte – Funarte, do Ministério da Cultura, com o nome Programa Arte Sem Barreiras. E para mostrar para que veio, passou a ser referência nacional na formação, promoção e integração sócio-cultural, através de comitês regionais e municipais, abrangendo capitais e cidades do interior do país, coordenados por equipes de voluntários, com a participação de dezenas de entidades públicas e privadas. Neste primeiro período de treze anos já foram realizados vários Festivais Nacionais de Arte Sem Barreiras e Congressos Nacionais de Arte-Educação, além de centenas de eventos regionais de artes integradas e participações em festivais internacionais, sempre enfatizando e priorizando a necessidade da inclusão pela arte.
Sergipe agora realiza, com o apoio de várias entidades públicas e privadas, o VII Festival Nacional Arte Sem Barreiras, o II Congresso e Festival Nordestino e o I Seminário de Gestão Cultural e Inclusão que serão realizados em Aracaju, Itabaiana e Nossa Senhora da Glória nos dias 23 a 30 de novembro. Serão oportunidades únicas e raras para aprofundarmos as discussões sobre a inclusão social através da arte, especialmente para aqueles excluídos pelo preconceito ou pela ausência de informação. Mais ainda, poderemos aproveitar os surpreendentes exemplos de superação para questionarmos nossas próprias acomodações.
Afinal, cegos são aqueles que se recusam a ver o mundo, enxergando apenas beleza em seu próprio umbigo. Deficientes são todas as pessoas que se encastelam nas poltronas de suas casas achando que melhor forma de mudar o mundo é através de um moderno controle remoto. Alienados são os que acreditam que o corpo limita a ação humana, esquecendo que o mundo não se resume ao visível.
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(*) Cezar Brito é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear.
cezarbritto@infonet.com.br