A vida é um vasto livro de aventura, monótona ou agitadamente escrito ao sabor da criatividade daquele que, simultaneamente, será autor e personagem da mesma história. Uma história a que se poderá agregar outros personagens, sempre a depender da disposição ou do talento do escritor. Uma história em que se permitirá escrever inúmeros capítulos, sempre condicionados à ousadia do personagem principal. Como personagem da minha própria história já fiz mergulho marítimo, mesmo não sabendo nadar numa simples piscina. Também já voei de ultraleve, mesmo tendo receio de olhar da varanda de um edifício de médio porte, assim como, não sendo adepto de caminhada, já subi uma montanha coberta de neve. Nunca achei arriscadas tais aventuras, mesmo porque sempre tinha um amigo ou um profissional capacitado a me orientar, impedindo que a necessidade tivesse o desejo de carregar de adrenalina estas páginas. Mas eis que um convite novo se mostrou atraente, mesmo porque trazia como novidade embarcar, sozinho, para um país em que eu não falava a língua, ainda mais com o adendo de um safari em plena selva africana. E ele surgiu quando fui convidado para uma palestra em Maputo, no distante Moçambique, atividade inserida na reunião anual da UALP – União dos Advogados dos Paises da Língua Portuguesa. Nada demais nesta reunião, pois o português é a língua oficial dos moçambicanos, além do que durante o trajeto de ida e durante toda a minha estadia contaria com a presença de vários advogados já conhecidos. A aventura estaria no retorno, quando, no trajeto de volta, tinha decidido ficar duas noites na África do Sul, terra do grande humanista Mandela. Uma noite na cidade de Johanesburgo e outra no interior do país, para fazer o procurado safári. E, como se sabe, além de não se falar qualquer palavra em português naquele país, única língua que razoavelmente conheço, a cidade de Johanesburgo é apontada como uma das mais violentas do mundo. E eu tive uma mostra do que me esperaria já durante o início da viagem quando, junto com outro advogado brasileiro, teríamos que aguardar no Aeroporto de Johanesburgo, a conexão para Maputo. Como tínhamos que esperar sete horas no aeroporto, nós resolvemos contratar um táxi para um city tour na cidade ou em Pretória, capital administrativa do país. Lá fora, quando parecíamos ter acertado com um taxista que falava um dialeto estranho, fomos interrompidos agressivamente por uma segurança do aeroporto, nos fazendo voltar à sala do embargue, sem entendermos, como neófitos na língua falada, se estávamos sendo deportados do país ou salvo de um futuro e certo roubo. Em Moçambique, depois de passado o susto, passamos a apostar na versão de que fomos salvos de um assalto. Era um consolo para afastarmos a idéia de que a nossa assumida ignorância tenha nos impedido de conhecer novos assuntos para o diário de nossa vida. E como resultado deste analfabetismo, ficamos trancados no aeroporto, nos servindo como consolo um barzinho arrumado e alguns quilos a mais em nosso corpo. Confesso que, neste momento, caiu a ficha do risco que estaria a correr no meu retorno à África do Sul, pois desta vez estaria completamente sozinho. Estaria sozinho era uma expressão parcial, pois já tinha contratado no Brasil uma agência de turismo encarregada de fazer as reserva nos hotéis, além da transferência do aeroporto para os locais em que pernoitaria. É que não sou tão louco como podia parecer, queria, ao menos, alguém para evitar mais uma confusão vocabular com os taxistas locais. Também confesso que quando entrei no Aeroporto de Maputo, começando para valer a minha aventura, estava bastante nervoso. Ficava a imaginar o que ocorreria se algum incidente ocorresse na polícia de controle de estrangeiros ou mesmo se a agência falhasse e não encontrasse ninguém a me esperar. Ficaria a repetir os famosos: I don´t speak English (eu não falo inglês) , Sorry, I don´t understand (desculpe, eu não entendo), Do you speak Portuguese or Spanish? (Você fala português ou espanhol?) e outras palavras que constam de um dicionário de viagem e que, por infelicidade, havia deixado no Brasil. E meus temores pareciam que ia se concretizar, pois, livre da alfândega, não havia ninguém a me esperar no aeroporto. Ninguém que eu esperava, é bom que se diga, pois vários taxistas invadiram os meus ouvidos, oferecendo-me os mais incompreensíveis serviços, alguns ousando a me ajudar com a bagagem. Fui salvo por uma médica angolana que por ali passava e que, diagnosticando a minha aflição, se dispusera a ligar para agência sul-africana encarregada do meu transporte para o hotel. Não há nada mais reconfortante do que escutar uma palavra amiga em português, ainda mais em um ambiente digno da Torre de Babel. A médica, com seu próprio dinheiro (rand), enquanto tentava ligar para agência, que não atendia por ser sábado, com o olhar, afastava os taxistas que ainda não haviam desistido da presa fácil. E foi no meio deles que surgiu um senhor espanhol, correndo, com uma placa em estava grafado o nome “Mister Aragão”, o meu outro nome de família, Agradeci à minha bondosa samaritana, não sem antes me divertir com a frustração estampada nos rostos dos taxistas, pois tinham acabado de perder uma vitima ou uma excelente corrida. No carro o senhor me explicou, em espanhol, que não era sua culpa o atraso, pois no seu mapa estava previsto que eu chegaria de Angola e em outro portão, estando a me procurar apenas para “arriscar”. Consolou-me ou se consolou ao afirmar que o safari compensaria a espera, pois seria uma experiência única. E assim começou a minha aventura na selva da vida … * Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br
Comentários