No capítulo anterior contei quais foram as razões e os preparativos da viagem em que faria um safári em plena selva africana, sozinho, sem falar a língua do país. Pois bem, três horas depois de desembarcar em Johanesburgo, chegava no hotel, no interior da África do Sul, informado de tudo através do inglês e uma outra língua que identifiquei como zulu. Sem internet, sem televisão ou telefone no quarto, somente a canção da selva, a falar uma linguagem própria, a bela, exótica selvagem e misteriosa África, ainda mais apimentada pelo charme de estarmos dentro de um vulcão extinto. Depois de descansar, saí do quarto para registrar as minhas primeiras impressões e fotografias. Cumprida esta etapa, sentei-me no bar, alegre e vitorioso, consegui pedir uma cerveja e comecei a escrever o meu diário de bordo. Neste instante, uma abelha pousou em meu copo, fazendo-me lembrar das venenosas africanas que enchiam de temor a minha infância e, para complicar, como descobrisse que eu estava dela a escrever, repousou calmamente em minha mão, somente partindo após cochichar no meu ouvido o zombeteiro zumbido pelo medo que causou. À noite, depois de um banho sob o estrelado céu africano, parti para a aventura de descobrir como seria o jantar, já incluso na diária do hotel. Percebi uma grande área cercada de bambus, onde no centro brilhava uma majestosa fogueira, iluminando várias mesas decoradas com motivos tribais. Embora ainda completamente vazio, conclui que seria o local do jantar, ainda mais quando percebi que as mesas traziam os nomes das pessoas que seriam convidadas para o jantar. Aproveitando a solidão da noite, fiz uma rápida uma vistoria no local a procura do meu nome. Nada encontrei, pois desfilavam sobre as mesas nomes estranhos e repletos de consoantes, típicos dos gringos que freqüentam ou habitam o sul do meu Brasil. Resolvi, então, esperar mais um pouco, admitindo que poderia ser uma festa privada, o que faria de mim um selvagem intruso. Não havendo qualquer movimento em outra parte do hotel, confirmei a impressão inicial e resolvi entrar no recinto, identificando o quarto que me fora reservado. Uma senhora simpática, encarregada da recepção, depois de consultar uma organizada lista, me conduziu a uma das mesas dispostas em torno da fogueira. Era uma mesa enorme, onde já se encontravam conversando alegremente várias pessoas, presumidamente integrantes de um mesmo grupo de turistas. Cumprimentei-os com um gesto genérico, retribuído com palavra gentis, proferidas nos mais diversos e estranhos dialetos. Uns aparentemente holandês, outros africâner alguns inglês e poucos em zulu. Sentei-me e observei que não se conheciam, fazendo animados grupos pequenos, salvo o propriaense sozinho que a tudo observava. De repente fui interrompido por um senhor que, pelos trajes, seria o guia que nos conduziria na manhã seguinte para o safári. Estava ele explicando, não sei em qual das línguas, como seria a aventura na selva, as precauções, animais e riscos que encontraríamos pelo caminho. Nada compreendendo, somente me restou o papel de um curioso assistente a observar, de olhos arregalados, a exótica cena teatral que era encenada diante de mim. Confesso que era uma forma romântica de encarar a situação, pois na verdade eu não passava de um atrevido analfabeto naquele ambiente. Um analfabeto como outro qualquer, que não sabia direito o que dizer, pedir ou mesmo solicitar um pouco de atenção. E esta situação se tornou bastante clara quando chegou o garçom, indagando-me sobre o que queria pedir para jantar, o que nos obrigou a estabelecer um estranho “monólogo” entre duas línguas que não se conheciam. Enquanto saboreava o prato escolhido ao acaso, uma mistura de algo que não sei com alguma coisa de que nunca saberei, fui surpreendido pelo casal que acabava de sentar ao meu lado. Os meus novos vizinhos de mesa falavam espanhol, se tornando, auxiliado pelo meu perfeito portunhol, a minha companhia durante o jantar, além de traduzir, pacientemente, tudo que ocorria de curioso na conversa coletiva. Poder conversar foi, sem dúvida, o melhor aperitivo daquela inesquecível noite. No dia seguinte cuidei de curtir o safári, enfrentando a fria savana africana devidamente paramentado, principalmente com uma poderosa máquina de caça a tiracolo. E ela foi bastante útil na captura dos vários animais que se aproximaram do veículo aberto que nos conduzia pela selva. Tenho hoje capturado pela lente da minha máquina fotográfica vários rinocerontes, elefantes, zebras, girafas, leões e dezenas de outros animais selvagens. Guardo também arquivado em minha memória o desespero de um analfabeto em plena selva da vida, sozinho, ansiando um pouco de atenção. Guardo na minha memória, definitivamente, a certeza de que o analfabetismo, qualquer deles, é um dos grandes inimigos da igualdade, irmandade e avanço da humanidade. Guardo, por fim, a impagável lição de que a solidariedade e a voz da amizade são fundamentais para consolidar este livre avançar da humanidade, pois não se pode viver sozinho na selva da vida. Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
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